Íntegra do discurso da vereadora Vânia Galvão ao entregar a medalha Zumbi dos Palmares para Abdias do Nascimento, no seu primeiro mandato, em 2007. Abdias faleceu na manhã desta terça-feira (24), no Rio de Janeiro.
Em 2005, ao lado de lideranças sindicais negras do servidorismo da Universidade Federal da Bahia, iniciou-se uma conversa sobre o brilhantismo do professor Abdias do Nascimento, e sobre a importância de suas ações para às inúmeras lutas e conquistas dos negros e negras no nosso país.
Iniciamos a conversa comentando sobre o enriquecimento das produções teatrais na Bahia; sobre as encenações do Bando de Teatro Olodum e de outras companhias, menos conhecidas, mas com um trabalho fenomenalmente bom. Não foi de modo não-intencional, em face da realidade de opressão vivenciada pelo povo negro no Brasil, notadamente na Bahia, que discutimos a gama de atores e atrizes, negros e negras, que saiam da cozinha, do espaço do motorista, das favelas das telas e dos palcos, para ocuparem espaços protagonistas.
Falávamos da normalização dos personagens negros e da luta que o movimento negro travou e trava para que esta conquista se perfectibilize. Por incrível que pareça, uma de nossas companheiras dizia que o Mussum (do programa televisivo Os Trapalhões) era justamente aquilo que o Estado ideologicamente entendia que o negro fosse: bêbado, maltrapilho, sem perspectiva, delinqüente potencial.
Lembramos Chica Xavier, lembramos Antônio Pitanga, Milton Gonçalves e tantos outros e outras que abriram espaços para essa nova geração. E, em um dado momento, o companheiro Luizão refletiu: “Abdias do Nascimento, Abdias do Nascimento, ele é chamado de o Zumbi do Teatro.” Para mim, vereadora dessa cidade e pessoa atuante nas organizações políticas (partidárias ou sindicais) estava emblematizada a imagem do “Abdias senador da república”, que exerceu o cargo durante um ano (1991), para depois aceitar a condição de Secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-brasileiras do Estado Rio de Janeiro, no governo de Brizola, ficando no cargo até 1994; e do novamente senador (1996-1999).
A cada palavra transmitida, surgia para mim um Abdias desconhecido. E eu fiquei, mais interessada em apreender e conhecer a história desse líder notável e necessário. Chegou um momento em que o Teatro Experimental do Negro veio à tona: formação dos primeiros atores e atrizes negros/as em teatro no nosso país, cinqüenta e sete anos após a abolição da escravatura. E, mais do que isso, a coragem de pleitear a elaboração e a implementação de políticas públicas que amparassem a população negra, pela conquista da eqüidade e em combate à discriminação racial.
Historiaram-me o “Abdias artista plástico” que eu, peço desculpas pela ignorância, não sabia existir. Apresentaram-me o Museu das Artes Negras e a algumas produções artísticas do próprio Abdias. Pesquisei sobre Abdias e deparei-me com prenúncios das comemorações dos seus 90 anos. Iria ocorrer exposições em várias partes do país. Navegando no site, deparo-me com um artigo do professor Carlos Moore, cubano radicado na Bahia. Diferentemente de muitas coisas que vi, ele mostrava um pouco (salvo engano) das relações internacionais do Abdias e a apresentação de uma pauta pan-africana para o mundo; e, parafraseando Moore, o problema de que “métodos a utilizar na luta pela liberdade dos povos negros”.
Na minha pesquisa, marcou-me, aspectos do exílio do Abdias; mas, principalmente, o quanto de acúmulo bibliográfico e de referenciais de lutas concretas nos mais diversos espaços privados e públicos um líder negro poderia se balizar, quando da condução de suas ações. Li um pouco sobre o ato público de 1978 contra o racismo, mesmo com um poder político-ditatorial. Passei pela criação do Movimento Negro Unificado – MNU (o manifesto e a escadaria). Fiquei em êxtase.
Com muita felicidade, o professor, ex-senador da república, ex-deputado federal, artista plástico, ator, pan-africanista Abdias do Nascimento encontra-se aqui, em Salvador, para ser agraciado com as mais elevadas honrarias que o Poder Legislativo pode conceder: o título de cidadão de nossa cidade e a medalha Zumbi dos Palmares.
São 93 anos vida, lutas e vitórias. O saldo é mais que positivo. A militância e o povo negro desse país podem falar com mais legitimidade do que eu. Parabéns professor Abdias; parabéns povo negro de Salvador; parabéns, povo negro de todo o Brasil!
Vânia Galvão
Vereadora PT/SSA
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Vânia Galvão
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