A escola deve se abrir às contribuições dos cidadãos de todas as áreas na sala de aula ou na administração escolar.
A escola pública deve aproveitar o enorme
potencial criativo da sociedade brasileira. Nas sociedades modernas, a
escola está removida das exigências do dia-a-dia, o que dá espaço para a
empreitada educacional e, mais tarde, para o ensino superior e a
pesquisa. Entretanto, quando a distância é completa, a escola perde a
razão de ser.
Vários fatores contribuem para que tenhamos
hoje uma separação indesejada entre o ensino público e a sociedade como
um todo. As secretarias de educação, que deveriam servir como ponte
entre instituições naturalmente conservadoras e a sociedade em
transformação, são de modo geral opacas e burocráticas. O divórcio
social entre escolas públicas e privadas significa que pais com formação
superior e profissionais liberais dificilmente frequentam a escola
pública, resguardando-a de suas demandas e valores.
A
regular entrada de novos professores poderia trazer novas idéias à
escola, mas o ensino pouco prático das faculdades de pedagogia e cursos
de licenciatura reduz essa possibilidade: muitos chegam à escola
dispostos a resistir a mudanças, especialmente no que diz respeito a
transformações no mundo do conhecimento. Para completar, apesar de
iniciativas de valorização do ensino feitas por organizações
não-governamentais, dedicamos pouca energia ao debate sobre educação,
que compete com outros temas urgentes no diálogo nacional.
Alguns têm proposto a adoção de vouchers e
charter schools, seguindo o exemplo americano. Vouchers são créditos
públicos para a matrícula em escolas privadas, como o ProUni. Charter
schools são escolas privadas apoiadas com recursos públicos, em geral
com missões específicas. No Brasil, o governo de Goiás encontra
resistências legais para delegar a organizações sociais a administração
de escolas públicas. Essas parcerias com o setor privado, segundo seus
proponentes, poderiam tornar o ensino mais eficiente, mas estudos
sucessivos têm mostrado seu fracasso.
Como, então, integrar nossos alunos a uma
sociedade que, mal ou bem, produz, cria, é democrática e dinâmica? Como
fazer da escola um lugar interessante, que apresenta desafios reais, que
trata os alunos como gente capaz? Como ajudar a sociedade a colaborar
com a escola, da qual todos nós dependemos, seja como pais, como
cidadãos ou como empregadores?
Aqui vai uma proposta.
A escola deve se abrir às contribuições dos
cidadãos, sejam eles profissionais liberais ou trabalhadores de
quaisquer outras áreas, na sala de aula ou na administração escolar.
Esses amigos da escola doariam seu tempo, na forma de aulas ou serviços,
do mesmo modo como hoje já doamos a programas sociais cadastrados,
recebendo em troca abatimentos em impostos. Vejamos algumas colaborações
possíveis.
Um arquiteto poderia dar aulas sobre arte,
sobre urbanismo, ou mesmo sobre o ofício de arquitetura, para jovens do
ensino médio. Um falante de alemão poderia dar aulas desta língua ou de
literatura alemã em português. Um padeiro poderia dar aulas sobre seu
ofício ou sobre o gerenciamento de seu negócio. Ex-atletas poderiam
compartilhar suas experiências com os jovens e explicar as dificuldades
da profissão. Prestadores de serviços poderiam auxiliar em pequenos
reparos. Aposentados com experiência gerencial poderiam auxiliar na
administração escolar.
Essas doações de tempo teriam um efeito duplo.
Em primeiro lugar, a escola se enriqueceria com a pluralidade de
experiências humanas, abrindo horizontes para os jovens. Esse seria o
objetivo imediato, aumentando o leque de opções profissionais,
intelectuais e artísticas dos jovens e, portanto, dando sentido ao
ensino como um todo, mesmo daquelas matérias menos atraentes aos jovens.
Por exemplo, ver um arquiteto falando de sua obra pode estimular os
jovens no estudo da matemática, que ganha valor concreto. Ouvir um
escritor pode alertar para a importância da gramática, e assim por
diante.
Em segundo lugar, a sociedade aprenderia mais
sobre a escola e o debate público a seu respeito se tornaria mais
simpático, mais sofisticado. Sairíamos das visões exageradas da
professora abnegada e do grevista insensível e passaríamos a enxergar o
professor da escola pública como profissional, que precisa de boas
condições, que sofre com a burocracia e que pode se aprimorar. Acredito
que muitas sugestões gerenciais simples sairiam dessa convivência, assim
como demandas por transparência na gestão de recursos.
Essas contribuições seriam individuais, feitas
por pessoas de profissões e momentos de vida distintos, dificultando a
criação de grupos de pressão que em geral decorrem de colaborações entre
público e privado. Mesmo que houvesse a compensação do abatimento de
impostos, o caráter voluntário da ação seria preservado, pois ninguém
poderia obter seu sustento desta atividade.
No caso específico de São Paulo, com a riqueza
da sociedade civil organizada, da economia e em particular das
comunidades de imigrantes, essas organizações poderiam apoiar a
iniciativa, produzindo materiais didáticos e facilitando a vida dos
voluntários com treinamento ou transporte. Mesmo o setor privado poderia
colaborar. Por exemplo, uma corretora de valores poderia bolar um curso
de educação financeira e estimular seus funcionário a serem
voluntários, ou simplesmente publicar o material didático de tal modo
que outros pudessem usá-lo. Em suma, o conhecimento agregado da
sociedade seria canalizado para a escola, resgatando sua função
primordial, que é exatamente transmitir aos jovens o que sabemos nós, os
adultos.
São Paulo é uma cidade gigantesca. Alguns
cursos poderiam ser oferecidos nos fins de semana, para estudantes da
rede pública como um todo, em escolas próximas a estações de metrô, de
tal modo que todos tivessem acesso a uma gama de oportunidades.
Poderíamos ter, com investimento inicial mínimo, escolas interessantes,
cheias de coisa, e ao mesmo tempo oferecendo horizontes profissionais
aos jovens. Imaginem o encantamento dos jovens em ver à sua frente,
falando com orgulho de seu ofício, um engenheiro, um veterinário, um
cozinheiro, um programador?
A escola é o lugar onde uma geração entrega a
outra o mundo que ela criou: é onde os adultos passam o bastão aos
jovens. Por inúmeras razões, nós no Brasil passamos a ver na escola
outras coisas: um local de redenção para nossos pecados, como se
pudéssemos começar do zero, ou de comprovação de nosso fracasso, como se
fôssemos impotentes para mudar. A escola é, entretanto, apenas um lugar
de encontro entre duas gerações onde nada é transformado – e tampouco
terminado. É um lugar de encontro, diálogo e continuidade. E não de
apocalipse.
Esse projeto ajuda a resgatar a missão
essencial da escola, perdida em LDBs (Leis de Diretrizes e Bases da
Educação) e guerras culturais, a do encontro entre pessoas, algumas com
experiências, outras com fome delas. Sei que você já está pensando quais
cursos poderia dar e ficou com vontade de entrar agora numa dessas
escolas e ver como é. Fale com a diretora da escola mais próxima, e
depois com seu deputado ou vereador, e veja por onde começar.
Heloisa Pait é socióloga e professora da UNESP