Os caminhos que marcam a vida de uma menina magrinha e adoentada, órfã de pai, nascida em Pão de Açúcar e criada no sertão de um dos Estados mais pobres e desiguais de um país já tão pobre e desigual, não parecem indicar um futuro muito glorioso. Mesmo assim, a menina que ouvia as histórias do comunista Graciliano Ramos, se agarrou a educação católica e a formação no movimento social para, anos depois, mesmo sob o estigma de pertencer a um partido nanico e sem nenhuma estrutura de campanha, obter 6.575.393 votos para a Presidência da República. O equivalente a 6,85% do eleitorado nacional. Essa é a história de Heloísa Helena, na qual eu pude me aprofundar um pouco mais por ter participado como debatedor no Programa Mesa Z da Rádio Zumbi FM – a quem sou extremamente grato por várias experiências.
Durante as mais de três horas que durou o programa, Heloísa falou muito, sobre muitos assuntos. Mostrou um conhecimento técnico preciso sobre temas práticos dos mais diversos, que vão desde a situação dos servidores que trabalham em escolas de difícil acesso ao “bico legal” dos policiais passando, é claro, pelo funcionamento do sistema de saúde (sobre o qual ela ministra aulas na Universidade Federal de Alagoas). A minúcia com que a vereadora debatia assuntos práticos da administração pública me levaram a questionar a fama (ou seria estigma?) de que HH só é eficiente atuando no legislativo. Seu sonho confesso, entretanto, é ser prefeita de Maceió; cidade que a adotou desde a adolescência.
Mas o assunto desse espaço é política, da mais legitima. E com uma entrevistada como Heloísa Helena, não se poderia estar mais bem servido sobre o tema. A ex-senadora descreveu detalhadamente os percalços, inclusive físicos, que acometeram sua candidatura presidencial de 2006. Falou sobre a proximidade política com a também ex-senadora Marina Silva, a quem atribui o papel de terceira via (e porta voz de algumas das bandeiras que o PSOL representava na sociedade brasileira). E discorreu sobre corrupção, tema tão em voga na vida pública e na história combativa da própria Heloísa; para o qual, aliás, possui uma resposta simples e não pouco válida: cumprir a lei.
Como se fosse pouco, Heloísa discorreu sobre temas paralelos que, entretanto, pareceram fundamentais para sua formação. Nesse escopo entra a formação religiosa, os posicionamentos sobre temas polêmicos e a admiração pelo padre Guimarães (figura histórica dos movimentos sociais em Alagoas, assassinado em 2009). Talvez essa lembrança tenha sido o momento mais comovente para a vereadora que chegou a esboçar lágrimas; sinais de uma fragilidade que transparece poucas vezes em sua atuação pública.
Heloísa não escapou de ser interrogada sobre temas mais recentes, tais como seu estado de saúde, que se mostrou delicado há pouco mais de um mês. Discorreu sobre polêmicas da Câmara de Vereadores de Maceió, como sua relação com a edil Tereza Nelma, e a polêmica votação sobre o aumento do número de vereadores. E rebateu a ideia de que seja uma liderança invencível no campo eleitoral, que tenha de servir de guarda-chuva para sustentar outras candidaturas. Para ela, eleição é uma questão de circunstâncias e a batalha pelo voto tem que ser feita por cada um, caminhando no sol atrás de votos.
Aliás, sua relação com a vida partidária é um tema riquíssimo. Heloísa que acredita ter deixado o PT por um caso raro de “fidelidade partidária”, diz não se prender ao PSOL, ao “PLUA” ou a qualquer partido político, porque suas posições nunca foram de conformismo. Ela espera que o Partido Socialismo e Liberdade, compreendendo sua história, seja generoso com o movimento Nova Política liderado por Marina Silva, que pode resultar na criação de uma nova agremiação. Apesar de parecer um tanto descontente com os rumos que a sua atual legenda está tomando no momento, e com os grupos que a dirigem que, segundo ela, não compreendem as “demandas da fundação do PSOL”.
E para não dizer que a conversa versou apenas sobre isso, houveram momentos dos mais descontraídos. Inclusive um pequeno espasmo de crítica literária a um dos gênios das letras contemporâneas, George Orwell (de quem eu já confessei ser fã mais de uma vez), onde Heloísa foi instada a comparar os atuais dirigentes do PT aos famosos porcos de A Revolução dos Bichos. Um mimo de delicadeza prosaica numa entrevista densa, marcada por posições fortes, momentos de exaltação vocais e biscoitos doces estrategicamente posicionados.
Pra quem tinha dúvidas de que Heloísa Helena era uma personalidade política única, o bate-papo com ela serve como prova de que, mesmo polêmica, controversa e defensora de posições “pouco generalizadas”, a vereadora é um poço de coerência a si mesma e a sua história de vida. Algo raro no tempo em que vivemos. Heloísa e suas tradicionais blusinhas brancas confeccionadas por ela própria são como um doce fino e agridoce cuja degustação é sempre aquém do desejado. Tudo bem, sempre haverão outras oportunidades de conhecer as facetas dessa mulher “com dois Hs maiúsculos”.
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Gostaria de agradecer a toda a equipe do Programa Mesa Z e da Rádio Zumbi, especialmente ao diretor Silvio Sarmento, um dos primeiros a acreditar em mim. E registrar a nobre presença da blogueira Candice Almeida, que ficou me devendo um café na São Braz.
Bastidores da entrevista
Sou do Ceará, mas quando o assunto é política queria ser Alagoano, só para votar em Heloísa. Queria poder escultar ou assistir essa entrevista.
ResponderExcluirRubson M. - Horizonte CE