O sol se põe por trás da Serra da Barriga, em União dos Palmares (Foto: Severino Carvalho)
Morei em União dos Palmares de 2001 a 2003. Fui residir na terra do
poeta Jorge de Lima em razão da profissão de jornalista, onde
desempenhei a função de repórter da Sucursal da Gazeta de Alagoas. Ali, dei os meus primeiros passos no jornalismo impresso, depois de graduado.
Na vida cotidiana, fiz amizades sinceras em União e, por isso, sempre
volto ao município para rever os bons e velhos amigos. Quando morava
por lá, minha residência tinha, do quintal, uma vista privilegiada de
uma das faces da Serra da Barriga, coração do Quilombo dos Palmares,
maior refúgio de negros sublevados das Américas, onde viveram mais de 20
mil pessoas, entre 1597 a 1695, sob o comando dos líderes Ganga-Zumba e
Zumbi.
Subi a Serra da Barriga diversas vezes, em datas especiais como o 20
de novembro (Dia da Consciência Negra) e em dias comuns. “Mas não tem
nada o que se ver lá em cima”, retrucavam algumas pessoas; pasmem, a
maioria moradoras do próprio município.
Posso afirmar que em todas as ocasiões senti a emoção de estar em
lugar único no planeta. Ali existe história, a história do Brasil que
nasceu índio e que se fez negro e pelas mãos deste. Pesquisas
arqueológicas mostraram que antes mesmo da chegada dos escravos
rebelados, o lugar fora ocupado pelos indígenas. Fragmentos cerâmicos
produzidos pelos dois grupos étnicos foram e ainda podem ser encontrados
no chão de Palmares.
Ficava matutando lá do quintal de casa e quando estava com os pés
sobre o platô da Serra: “Como pode o poder público não conseguir
preservar, fomentar e manter viva toda essa riqueza histórico-cultural
afro-brasileira? Como pode União dos Palmares não desfrutar das riquezas
geradas a partir desta atividade turística ainda tão tímida no
município? Como pode parte de sua gente desconhecer a própria história?
Vivenciei de perto a luta das entidades negras palmarinas travadas
para, naquela época, fazer com que o governo do Estado priorizasse a
Serra da Barriga como centro das festividades alusivas ao 20 de
novembro; para que Zumbi fosse reverenciado, em terras palmarinas, não
só na data maior, mas durante todo o ano e para que a Fundação Palmares
deixasse de gerir todo aquele patrimônio de forma remota, lá do Planalto
Central, centrando definitivamente os pés em União.
Assisti e escrevi sobre a revolta dos cidadãos palmarinos quando o
governo do Estado, à época, desperdiçou quase R$ 300 mil numa vila
cenográfica em terras particulares, desprezando o solo sagrado da Serra
da Barriga. A vila, assim como o dinheiro público, desapareceu. Também
testemunhei a cobrança para que as pesquisas arqueológicas tivessem
seguimento e trouxessem resultados práticos, expondo os achados em União
dos Palmares.
Lembro ainda da reivindicação principal e recorrente: a melhoria do
acesso íngreme à Serra. Tentativas de melhorá-lo até foram feitas, mas
sem atentar aos cuidados técnicos de se realizar intervenções em um
sítio arqueológico. Muitos artefatos se perderam, carreados pelas pás
das motoniveladoras.
No presente, a estrada que leva ao coração de Palmares, a 500 metros
de altitude, ainda não é das melhores. No platô, o governo federal
construiu o Parque Memorial Zumbi dos Palmares que passa, no momento,
por uma revitalização iniciada em janeiro e que deve ser finalizada em
junho.
Quando o parque estava em operação, era possível conhecer, em quatro
idiomas, por meio de ilhas dotadas de equipamentos de áudio, um pouco da
história do Quilombo dos Palmares. Mas, antes mesmo da intervenção, o
parque já funcionava de forma precária. Numa manhã de domingo, subi a
Serra com um grupo de amigos e não encontramos um guia sequer. As
estruturas onde deveriam funcionar os restaurantes e lanchonetes estavam
vazias. Soube que o poder público deveria fazer a licitação para o uso e
funcionamento daqueles espaços, coisa que nunca fez.
Um fio de luz porém começa a iluminar a Serra da Barriga e toda a
região por onde se irradiou Palmares. Por meio da Instância de
Governança da Região dos Quilombos, poder público e atores privados dos
municípios de União dos Palmares, Murici, Ibateguara, São José da Laje e
Viçosa, buscam, enfim, desenvolver o turismo de forma regionalizada,
lastreado na riqueza histórica, cultural e natural desta parte do Estado
de Alagoas.
É sobre as ações específicas deste modelo de gestão descentralizada
do turismo, implantado no País pelo Ministério do Turismo, e os projetos
para tirar do ostracismo a região dos Quilombos, que tratarei na
próxima postagem.
Severino Carvalho é jornalista formado em Comunicação Social pela
Universidade Federal de Alagoas (Ufal), repórter da Sucursal Maragogi da
Gazeta de Alagoas e editor do caderno Municípios.
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