No mês em que se comemora o “Dia da Consciência Negra”, pouco se
fala da comunidade quilombola “Muquém”.
Convivi bem perto dessa comunidade nos idos de cinquenta quando minha família
saiu “corrida” de Palmeira dos Índios, após uma desastrosa questão passional
envolvendo um parente de segundo grau. A família se dispersou, uns indo para o
Paraná (pai e irmão mais velho) e os demais se instalando em União.
Imaginem um
lugar pequeno, sem vaga no comércio para todos, sem indústria, ou tendo
raríssimas indústrias à época (a fábrica de doces da rua da Ponte e a Laginha),
o que restou para a família foi simplesmente ir para a agricultura familiar.
Assim
conhecemos a comunidade quilombola dos “Negros do Muquém”, fazedores de
“panelas de barro. Mas era preciso ser gente. E ai todos os irmãos menores
foram para a escola, uns no Grupo Escolar Rocha Cavalcante e outros no Jorge de
Lima. Eu fique no Jorge de Lima. Grandes travessuras fiz por lá, vidros
quebrados, castigo em pé junto à parede e rezar.
Era o mínimo que se podia
receber de tantas peraltices junto com os colegas de antão. Mas uma professora
em especial marcou aquela época: dona Sévigné, senhorinha simples, modesta,
atenciosa e exigente no ensinamento e aprendizado da matemática. Serviu de
alento aprender o pouco que sei da matemática básica. Hoje já não sei se sei,
afinal a matemática é a mesma mas os conceitos parecem ter mudado.
Os anos
passaram e depois de uma temporada no Seminário em Maceió, acabei fazendo o
curso de Técnico em Contabilidade no Santa Maria Madalena, então dirigido pelo
ilustre JOSÉ CORREIA VIANA. Tempos
memoráveis, de boas amizades e do encanto juvenil. O aprendizado foi excelente
e serviu para desarnar em matéria contábil, embora tudo fosse tão diferente em
São Paulo. Imagine o ensinamento contábil em livro “borrador” ediário escrito a
caneta tinteiro. Quando procurei o primeiro emprego em São Paulo dizendo ser
“técnico em contabilidade”, sequer conhecia um sistema moderno para a ocasião chamado
de “ficha
tríplice”. Era igual a “caviar”, só ouvira falar.
Enfrentei e venci pela
própria astúcia do nordestino. Hoje nada disso tem mais valor, diante da
modernidade da internet. Voltando ao Santa Madalena, havia um pouco de ranço da
nossa parte, porque a parte frontal do imóvel onde se edificou o prédio do
colégio pertencera a dona Emília Rufino, minha avó, que fora obrigada a sair do
terreno onde criava “ovelhas” para ir residir no Castelo Branco, onde lhe deram
em troca uma casa “moderna”. Mas imaginem uma pessoa rústica, de traços
indígenas morar em casa azulejada. Foi um pandemônio. Acostumou-se e viveu ali
até sua passagem para o além.
Nos idos de sessenta acompanhei os movimentos
estudantis e vi os “verdinhos” quando passavam no trem com destino a
Pernambuco. Vi também que usineiros e latifundiários especialmente os da “cana
de açúcar” em geral ficaram do lado do Poder, porque do outro lado tinha o
Sindicato Rural e a turma do Miguel Arraes que os combatia. Foram dias difíceis
em que para se adquirir alguns sacos de cimento era preciso obter um “vale
compra”, pois tudo era limitado. Um “verde” na cidade era sinal de problema.
Aí
como aqui os tempos mudaram, veio a democracia e deu no que deu. Para não acabar
em “pizza” estamos vendo alguns na
Papuda e outros nem chegaram lá, ainda.
Prestou atenção leitor, que me
distanciei das comemorações da “Consciência Negra” e muito mais dos “Quilombolas”.
É o meu protesto, pois, considero-me, também, um quilombola, já que vive em
terras do Muquém, nas lidas da roça, vendendo a produção na balança do
atravessador que sempre “roubava” no peso.
João
dos Santos Melo, por e-mail.
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