Hoje pela manhã ao sair para mais um passeio com o
pequeno João –, e não foi um passeio fácil, uma vez que o conduzia em seu
carrinho de bebê numa cidade que não oferece calçadas para pedestres e sequer
acessibilidade para os portadores de deficiências -, dei-me por satisfeito, após
várias dificuldades, por chegarmos “inteiros” ao nosso destino: a Praça
Astolpho Lobo, no Centro de Bom Jesus do Norte (ES) para mais uma manhã de sol.
É de todos sabido dos inúmeros benefícios que o caminhar
propicia a seus praticantes.
Alguns o fazem por recomendação médica, outros por
hobby, outros ainda na intenção de um
encontro “casual” e há ainda aqueles que não têm responsabilidade com essa
prática; fazem quando estão “afins” de fazer, no caso, o grupo que me incluo.
O fato, é que nas poucas vezes que caminho, permito-me
olhar atentamente às coisas que estão no mesmo local em que passo normalmente
de carro, mas que em decorrência do corre-corre do dia-a-dia passam-me
despercebidas, como a obra de um prédio em andamento ao lado do Colégio Estadual
Gil Veloso, no centro da Cidade.
Quando chegava próximo ao meu destino que fica próximo à
obra, refletia acerca do “sentido” do Dia da Consciência Negra que se comemora
no dia 20 de novembro em vários municípios brasileiros em memória da luta de
Zumbi dos Palmares contra os horrores da escravidão no Brasil.
Dessa reflexão, um dos pontos a que cheguei à conclusão
foi a de que esta dependência da história do passado em relação ao presente
deve levar às pessoas a tomarem certas precauções. Não restam dúvidas de que
ela é inevitável e legítima, na medida em que o passado não deixa de viver e de
se tornar presente. Esta longa duração (Braudel) do passado não deve, no
entanto, impedir os não-historiadores de se distanciarem do passado; uma
distância reverente, necessária para respeitá-lo e evitar o anacronismo.
Estava nesse ponto da montagem da arqueologia do sentido
do Vinte de Novembro, quando subitamente me deparei com três trabalhadores da
obra anteriormente mencionada e que colocavam uma espécie de viga de ferro em
uma altura aproximada de quinze metros do solo bem próxima da rede elétrica de
alta tensão. Faziam isso sem capacetes, luvas, botas, cintos de segurança ou qualquer
outro equipamento que em caso de acidente minimizasse seus danos.
Ao presenciar a cena, na hora sai da construção mental
que fazia para adentrar na dura realidade desses trabalhadores. Desamparados,
desprotegidos, - nessa época sob um sol escaldante - para em dando sorte de
chegar vivo ao final de sua difícil jornada de trabalho, levar o tão esperado
alimento que suas famílias ansiosamente aguardam. Confesso que meus olhos
embotaram com a cena e a covardia perpetrada pelos responsáveis pela obra
contra aqueles homens e, por conseguinte seus familiares.
Não sou nem nunca serei a palmatória do mundo, mas pelo
amor de Deus, deixemos a hipocrisia de lado rendendo homenagens póstumas a uma
pessoa que morreu há séculos atrás (por uma luta mais que justa, sem dúvidas),
e prestar mais atenção ao tempo presente, aos que estão aí, sejam eles (as)
negros, pardos ou brancos e que sem dúvidas constroem o imprescindível tempo
presente. São eles que merecem nossas homenagens e respeito.
Penso que as autoridades dos Três Poderes deveriam
prestar um pouco mais de atenção a isso, e tomem atitudes enérgicas contra aqueles que, de olho
no vil metal, negligenciam questões de segurança, trabalhistas e outras não
menos importantes contra essas pessoas que só querem terminar seus dias bem, mas
ao que me parece, para as autoridades essas questões são invisíveis;
simplesmente não existem.
Diante do exposto, como comemorar o Dia da Consciência
Negra se aqueles brancos e pardos que vi há poucas horas atrás em muito se
assemelham aos escravos de fins do período imperial (1888-1889), mas simplesmente
não têm voz, não têm dia, e infelizmente não têm esperança, tais quais seus
pares negros de séculos atrás, mas que estão aí, bem próximos a nós, mas sem
nenhum Dia da Consciência?
Marcelo Adriano Nunes de Jesus
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