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domingo, 23 de julho de 2017

A Memória, Zumbi dos Palmares e outras reflexões. Não necessariamente nessa ordem

Hoje pela manhã ao sair para mais um passeio com o pequeno João –, e não foi um passeio fácil, uma vez que o conduzia em seu carrinho de bebê numa cidade que não oferece calçadas para pedestres e sequer acessibilidade para os portadores de deficiências -, dei-me por satisfeito, após várias dificuldades, por chegarmos “inteiros” ao nosso destino: a Praça Astolpho Lobo, no Centro de Bom Jesus do Norte (ES) para mais uma manhã de sol.
É de todos sabido dos inúmeros benefícios que o caminhar propicia a seus praticantes. 

Alguns o fazem por recomendação médica, outros por hobby, outros ainda na intenção de um encontro “casual” e há ainda aqueles que não têm responsabilidade com essa prática; fazem quando estão “afins” de fazer, no caso, o grupo que me incluo.

O fato, é que nas poucas vezes que caminho, permito-me olhar atentamente às coisas que estão no mesmo local em que passo normalmente de carro, mas que em decorrência do corre-corre do dia-a-dia passam-me despercebidas, como a obra de um prédio em andamento ao lado do Colégio Estadual Gil Veloso, no centro da Cidade.

Quando chegava próximo ao meu destino que fica próximo à obra, refletia acerca do “sentido” do Dia da Consciência Negra que se comemora no dia 20 de novembro em vários municípios brasileiros em memória da luta de Zumbi dos Palmares contra os horrores da escravidão no Brasil.

Dessa reflexão, um dos pontos a que cheguei à conclusão foi a de que esta dependência da história do passado em relação ao presente deve levar às pessoas a tomarem certas precauções. Não restam dúvidas de que ela é inevitável e legítima, na medida em que o passado não deixa de viver e de se tornar presente. Esta longa duração (Braudel) do passado não deve, no entanto, impedir os não-historiadores de se distanciarem do passado; uma distância reverente, necessária para respeitá-lo e evitar o anacronismo.

Estava nesse ponto da montagem da arqueologia do sentido do Vinte de Novembro, quando subitamente me deparei com três trabalhadores da obra anteriormente mencionada e que colocavam uma espécie de viga de ferro em uma altura aproximada de quinze metros do solo bem próxima da rede elétrica de alta tensão. Faziam isso sem capacetes, luvas, botas, cintos de segurança ou qualquer outro equipamento que em caso de acidente minimizasse seus danos.

Ao presenciar a cena, na hora sai da construção mental que fazia para adentrar na dura realidade desses trabalhadores. Desamparados, desprotegidos, - nessa época sob um sol escaldante - para em dando sorte de chegar vivo ao final de sua difícil jornada de trabalho, levar o tão esperado alimento que suas famílias ansiosamente aguardam. Confesso que meus olhos embotaram com a cena e a covardia perpetrada pelos responsáveis pela obra contra aqueles homens e, por conseguinte seus familiares.

Não sou nem nunca serei a palmatória do mundo, mas pelo amor de Deus, deixemos a hipocrisia de lado rendendo homenagens póstumas a uma pessoa que morreu há séculos atrás (por uma luta mais que justa, sem dúvidas), e prestar mais atenção ao tempo presente, aos que estão aí, sejam eles (as) negros, pardos ou brancos e que sem dúvidas constroem o imprescindível tempo presente. São eles que merecem nossas homenagens e respeito.
Penso que as autoridades dos Três Poderes deveriam prestar um pouco mais de atenção a isso, e tomem  atitudes enérgicas contra aqueles que, de olho no vil metal, negligenciam questões de segurança, trabalhistas e outras não menos importantes contra essas pessoas que só querem terminar seus dias bem, mas ao que me parece, para as autoridades essas questões são invisíveis; simplesmente não existem.  

Diante do exposto, como comemorar o Dia da Consciência Negra se aqueles brancos e pardos que vi há poucas horas atrás em muito se assemelham aos escravos de fins do período imperial (1888-1889), mas simplesmente não têm voz, não têm dia, e infelizmente não têm esperança, tais quais seus pares negros de séculos atrás, mas que estão aí, bem próximos a nós, mas sem nenhum Dia da Consciência?

Marcelo Adriano Nunes de Jesus

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