A saga de Zumbi dos Palmares nos chega aos dias atuais por
meio do fio quase que imperceptível da História do Brasil. Entender o ato
heroico de Zumbi, em 1695, pressupõe uma compreensão do fenômeno da economia
escravista e suas consequências para os cativos negros.
Zumbi é o maior expoente de liberdade do Brasil. Sua luta e trajetória são
contadas em vários pontos do mundo. Quando vemos no International Slavery
Museum, em Liverpool, a imagem de Zumbi e não a vemos em vários museus
brasileiros, sentimo-nos órfãos do ponto de vista da autoestima e da história
escrita e reproduzida nas escolas. Mesmo sendo o único herói brasileiro que fez
da luta contra a escravidão uma luta pela liberdade de todos, parece que Zumbi
não existiu!
Zumbi ultrapassou o seu tempo, sua terra e nação. O Quilombo
dos Palmares, liderado por ele no século 17, foi muito além de um refúgio de
negros no período colonial. Palmares foi um espaço democrático de convivência
harmônica de negros, brancos, judeus, mestiços e índios.
Palmares foi um lugar
de liberdade e fraternidade que destoava de uma realidade escravista,
antidemocrática e perversa. Somavam mais de 20 mil pessoas que residiam,
trabalhavam, negociavam seus produtos e respeitavam códigos, regras e leis do
quilombo. Palmares resistiu por um século às investidas de exércitos,
bandeirantes e senhores de engenho.
Portanto, lembrar Palmares e o 20 de Novembro, dia do
assassinato do líder Zumbi, que por combater a escravidão teve o seu corpo
esquartejado e colocado em vários pontos da cidade para servir de exemplo e
aviso aos demais negros escravos, é repensar a história e refletir sobre a
égide do racismo atual que insiste em ser ator e delimitador de espaço e
ascensão de negros e negras no país. Quando pensamos em Zumbi, a primeira imagem
que nos vem à cabeça é a da moral, luta por justiça e a busca por liberdade;
integrante de uma pequena leva em todo o mundo de homens e mulheres que
entregaram suas vidas por uma causa maior.
Sendo assim, nesta data, lembrar Gandhi, Malcolm X, madre Teresa de Calcutá,
Nelson Mandela, Cruz e Sousa, Antonieta de Barros, Steve Biko e Martin Luther
King Jr. é exercitar a compaixão, como diz Leonardo Boff. Perceber as mudanças
históricas e conseguir retirar de seu âmago as dezenas de exemplos de personalidades
que mudaram o seu mundo pelo simples fato de acreditarem que os sonhos podem se
tornar realidades fecundas, transnacionais e seculares, é muito mais complexo
do que entender a resistência do racismo em tempos atuais. Até porque refletir
exige um esforço tremendo em conhecer e entender o processo
político-econômico-social segundo o qual o Brasil foi construído.
Quantos emparedados, Poeta Cruz e Sousa... Que pena!
*Marcos Canetta, historiador e policial
civil, é professor da Faculdade Anhanguera de São José (SC).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar!
Continue nos visitando!