Proprietários transformaram antigo engenho de açúcar em local de visitação.
A fazenda Anhumas a dez quilômetros de União dos Palmares, de
propriedade dos herdeiros de Benon Maia Gomes e sua esposa dona Helena
Baía, localizada depois do povoado Muquém, ainda preserva histórias dos
caminhos do açúcar e da colonização do país e do Estado. Atualmente,
quem quiser conhecer o local agenda uma visita com a família, que
trabalha com roteiros.
Izabel Padilha Maia Gomes, neta dos antigos moradores e uma das herdeiras do patrimônio da família, recepcionou a equipe do Primeiro Momento
e falou da história do antigo engenho Anhumas e a respeito do que a
fazenda oferece hoje para os visitantes que se interessam um pela
história de Alagoas.
Além do belo casarão -, que começou a ser
edificado em 1883 e passou seis anos para ser construído -, a fazenda
Anhumas tem como atrativo a história do engenho de cana-de-açúcar, uma
pequena vila de moradores e verde por todos os lados, inclusive um
pedaço de Mata Atlântica preservado até hoje. Pela beleza arquitetônica
da casa grande da fazenda Anhumas, que tem uma arquitetura mais
refinada, Izabel Maia Gomes avalia que pode ser comparada até com as
casas de café do Rio e Sudeste.
“A curiosidade da casa é que todas as janelas
têm encaixes; são 156 portas, todas elas foram transportadas do Rio de
Janeiro para o Porto de Maceió e de lá para cá em carros de boi.
Imaginem a dificuldade. Foram seis engenheiros; os tijolos e as telhas
foram feitos a mão, na olaria que foi feita exclusivamente para fazer os
tijolos e as telhas da casa. Todas elas são originais; hoje em dia a
olaria não existe mais e foi demolida”, pontua.
Izabel Maia Gomes mostra também o porão construído no alicerce da casa,
que servia para o resfriamento do imóvel, já que, apesar da vegetação em
abundância, o calor do Nordeste é muito forte. “Esse porão foi feito
para o resfriamento da casa, pois da mesma forma que ela é muito quente,
os porões eram feitos para resfriar: só que eram utilizados na época
dos escravos, também, para outros fins”, observa.
Arquitetura
A proprietária conta que uma das características
do casarão é a arquitetura: “Foge aos padrões das casas de engenhos,
principalmente do Nordeste. Antes de a casa ser construída no atual
local, foi edificada mais embaixo e por uma questão de estratégia dos
donos da época, e por quererem uma casa mais imponente, construíram na
parte de cima, por conta da visibilidade”, argumenta.
Móveis antigos, a maioria originais, peças que
lembram as antigas fazendas da época colonial, tudo preservado. Além de
conhecer o acervo da família, Izabel Maia Gomes explica que se a visita
desejada for de estudantes, é cobrada uma taxa de cinco reais por aluno:
eles visitam e recebem uma explanação histórica. Se for com almoço, a
visita custa R$ 30; se for um passeio com trilha (dez quilômetros de
trator) custa R$ 60 e vai variando de acordo com o pacote desejado. Tem
visitas e pacotes especiais para pessoas da terceira idade também.
A fazenda Anhumas hoje em dia está aberta à visitação e para ter acesso ao local é preciso agendar. “Fazemos pacotes para trilhas nas matas, com banho de bica; as pessoas escolhem se é só visita simples, com trilha ou sem, com ou sem almoço”, explica.
A fazenda Anhumas hoje em dia está aberta à visitação e para ter acesso ao local é preciso agendar. “Fazemos pacotes para trilhas nas matas, com banho de bica; as pessoas escolhem se é só visita simples, com trilha ou sem, com ou sem almoço”, explica.
Na década de 1930, vilarejo era vivo e tinha vida própria
Segundo Izabel Maia Gomes, na época da avó, dona
Helena Baía, o vilarejo tinha uma faixa de 250 famílias residindo, mais
de mil pessoas. “Quando minha avó chegou, em 1934, era um povoado que
tinha vida própria: feira, Festa da Padroeira, barracão, comércio, tinha
tudo”, observa.
O engenho Anhumas era vivo, mesmo quando não
produzia mais açúcar. A turismóloga conta que, ao término do ciclo do
açúcar, os engenhos passaram a fabricar aguardente, continuaram vivendo
no campo e fazendo parte do contexto histórico e cultural do
desenvolvimento da região.
A aguardente, a popular cachaça, é feita da
deterioração da cana e ela conta que o nome foi dado pelos próprios
escravos, que quando feridos por conta dos açoites e obrigados a
trabalhar, colocavam nos ferimentos a água ardente, ou pinga, como
chamavam.
A proprietária conta ainda que o engenho era bem
mais antigo do que a época da construção da casa grande. “A
propriedade não é uma grande fazenda, mas quando era do meu avô tinha
mais de dez mil hectares, era uma terra extensa; hoje somos pequenos
proprietários, desenvolvemos a agricultura familiar e não tem tanta
terra como os grandes engenhos”, destaca.
Izabel Maia Gomes ressalta que a culinária
oferecida na fazenda é regional e também sobre a civilização do açúcar:
“Onde a gente encontra muitas receitas que têm influência portuguesa,
com muitas gemas: é uma adaptação; tudo vem da adaptação do senhor de
engenho, com o negro e com todas as culturas regionais”, ressalta.
Fazenda oferece turismo cultural e culinária da região
Quando Benon Maia Gomes e dona Helena Baía
adquiriram a propriedade, na década de 30, o engenho ainda produzia
açúcar, mas já estavam nascendo as usinas de açúcar no Brasil. Dentro da
pauta de turismo cultural e regional, a fazenda Anhumas oferece
conhecimento histórico cultural, um ambiente agradável e bucólico, para
quem quer fugir do circuito praia e conhecer mais sobre as origens de
Alagoas.
“Não desmerecendo a questão do Quilombo dos
Palmares, que é importantíssima para o local, maior resistência negra
reconhecida historicamente, mas isso aqui caracteriza a história, está
intrínseca na história a questão dos engenhos”, observa.
Atualmente a Anhumas também produz queijo para
venda, além de outras receitas no cardápio regional. A proprietária
revela que tem um livro de culinária de mais de 200 anos e que os
portugueses usavam muitas gemas nas receitas. “Uma quantidade absurda e
uma curiosidade é que as roupas eram engomadas com as claras dos ovos”.
O primeiro doce feito na região foi o doce de
coco, segundo pesquisas de Izabel Maia Gomes. “Era o melaço e o coco,
matéria-prima dos engenhos é um entrosamento, aproveitamento das
culturas e do que dá hoje”, destaca.
Isabel Maia Gomes avalia ainda que o turismo
cultural é a vivência, é o fazer e o saber: “Eles (os moradores)
convivem aqui com a gente normalmente: tiram banana, leite, entre outros
produtos. Ao redor da casa tem doze tipos diferentes de frutas”. Ela
destaca que pela questão do acesso e da falta de apoio e da logística,
as visitas à fazenda ainda são poucas.
“O turismo cultural é uma coisa viável,
principalmente em União dos Palmares, que é riquíssimo, não só pela
questão do Zumbi, mas pela civilização do açúcar, Jorge de Lima e outras
questões históricas. É um município que tem uma potencialidade enorme
de desenvolvimento, onde precisa de alguns estímulos”, ressalta.
Anhumas serviu de cenário para o filme Joana Francesa, de Cacá Diégues
Foi na localidade que, no começo da década de
1970, foram feitas as filmagens de Joana Francesa, filme do alagoano
Cacá Diégues, com participação da atriz francesa Jeane Morreau, que
envolveu como figurantes vários moradores de União dos Palmares. O filme
teve a participação do estilista francês, Pierri Cardin, entre outros
personagens.
“A gente não tinha nem energia elétrica ainda;
houve uma consulta à minha avó, Helena, para filmarem; pelo local, pela
paisagem, pela identificação do filme Joana Francesa de Cacá Diégues.
Quem quiser, pode baixar, tem no You Tube. Adoro as trilhas sonoras com
Chico Buarque de Holanda e outros nomes”, observa.
Izabel Maia Gomes conta também que foi um
burburinho as filmagens de Joana Francesa terem acontecido na Fazenda
Anhumas, à época. “O acesso era mais difícil ainda; hoje só tem dois
quilômetros de barro; naquela época era tudo. A mobilização foi grande,
as pessoas vinham em peregrinação para verem as gravações das cenas”,
conta.
Segundo ela, para as filmagens, chegavam
helicópteros, o pessoal com os atores e até hoje todo mundo fala. “Os
adultos da nossa idade, todo mundo participou do filme”, lembra,
acrescentando que esse é um fato muito importante da cultura local.
“Não houve grandes preferências de bilheteria,
mas foi um dos filmes que ele (Cacá Diégues) diz que gostou muito de
fazer, até porque ele é alagoano. Muita gente participou como figurante,
ou não. Tivemos também os baloeiros, que fizeram aqui um especial,
passaram uma semana aqui na fazenda, fizeram um clipe da banda Palhaço
Paranoide, que é o Garoto Invisível”, pontua.
Além disso, na fazenda ainda tem as ruínas do
escritório a olaria demolida. “Futuramente queremos fazer um restaurante
aqui: a gente vai puxar; deixar de utilizar o estábulo, mas nas
realidade ele ainda funciona: tiramos o leite e fazemos o queijo aqui.
Tem o piso original, deixando a arquitetura e a gente fazer em cima de
um cardápio da civilização do açúcar, que a gente tem muito material”,
explica.
Na época da colonização, o açúcar não era
transportado em grãos, era em blocos. “Por isso aqueles blocos de
rapadura, eram colocados em forma, desenformados, ou de madeira ou
colocavam a folha da bananeira embaixo e em blocos para poder ser
transportado nos navios, pois o refinamento era feito na Europa”,
ensina.
Izabel avalia que a escravidão é uma parte
vergonhosa da história da humanidade, mas observa que a civilização do
açúcar impulsionou o desenvolvimento do País e do Estado e faz parte da
história. “Fosse pela colonização holandesa ou portuguesa”, pontua.
Superstição
Na fazenda Anhumas também tem uma história de
superstição. Isabel Maia Gomes comenta que a avó Helena era uma pessoa
firma, determinada, que criou os filhos sozinha, pois ficou viúva muito
cedo. Ela começou a construir a igreja do local e quando já estava
adiantada a construção, recebeu um aviso de uma moradora de 90 anos, que
era sua amiga e era neta de escravos. Por conta disso, ela interrompeu a
construção do imóvel.
“Minha avó comprou todo o material para fazer a
igreja de São Sebastião, padroeiro do vilarejo: piso, janelas, tudo
estava pronto e tínhamos uma senhoria que tinha mais de 90 anos, era
muito amiga da minha avó e contava que a avó dela era escrava e muitas
histórias que a gente tem, veio dela, dona Eudócia. Um dia ela acordou e
disse que sonhou que se ela terminasse de construir a igreja ela ia
morrer e ela parou a construção, deu todo o material para a antiga
igreja de União e de algumas casas de lá e nenhum filho teve coragem de
prosseguir a construção e ficou daquela forma”, destaca.
A fazenda é um patrimônio particular e o
objetivo dos atuais proprietários é preservar a história, não deixar
demolir mais, não mexer na parte original da casa. “Tem alguns órgãos
que perguntam por que não tomba, mas o tombamento vai restringir a
moradia da minha família”, observa.
Izabel Maia Gomes acrescenta ainda que a
propriedade tem atualmente nove famílias morando, cada um com uma
atividade de cultivo: banana, laranja, leite e tem uma rotatividade
grande.
“Eles trabalham seis meses, alguns pouco tempo
depois, e param; em seguida vêm outros. Como tinha o período dos
retirantes do Sertão antigamente, minha avó já preparava o galpão,
porque eles vinham da seca atrás de trabalho e guarita, eram
trabalhadores periódicos”, explica.
Fonte: Primeiro Momento
Escrito: Olivia de Cássia
Fotos: Paulo Tourinho
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