Reserva da mata atlântica, Serra dos Frios em União dos Palmares passa por problemas há mais de 30 anos
Labaredas no meio da mata destruindo árvores centenárias em poucos
minutos; animais tentando salvar suas vidas; madeira sendo transformada
em carvão. Essa é a triste realidade da Serra dos Frios, uma reserva de
mata atlântica com pouco mais de 150 hectares no limite da área urbana
do município de União dos Palmares, na Zona da Mata alagoana.
A floresta, que no passado abastecia os moradores da cidade com água
potável, vem sendo destruída há mais de trinta anos devido ao avanço de
moradias irregulares em seu entorno.
De maneira veloz, o verde foi substituído por grandes manchas escuras
de desmatamento, utilizado pelos invasores, para desenvolver a
agricultura de subsistência com o plantio de banana, laranja e mandioca;
a monocultura da cana de açúcar, a fabricação de carvão, que é vendido
para o consumo doméstico, e a caça predatória. No espaço funciona o
lixão do município e um bairro com grandes residências, que cresce sem
planejamento.
Inserida na Área de Proteção Ambiental do Estado (APA de Murici), a
Serra dos Frios não recebe a atenção necessária dos órgãos ambientais.
As autoridades alegam uma série de dificuldades na fiscalização do
espaço; passam a responsabilidade uns para os outros e se dizem
impotentes com a degradação da natureza.
Segundo o Instituto do Meio Ambiente (IMA), a APA de Murici, tem 116
mil hectares e abrange dez municípios (Messias, Murici, Branquinha,
União dos Palmares, São José da Laje, Ibateguara, Novo Lino, Joaquim
Gomes e Fleixeiras).
A APA foi criada em 14 de março de 1997, por meio da Lei Estadual n°
5.907. “Preservar esta riqueza é garantir o patrimônio natural da união,
assim como as reservas de mata e nascentes. Caso não exista o cuidado
em preservar, a água pode acabar, assim como a erosão do solo pode
ocasionar danos ao local”, disse o diretor das Unidades de Conservação
do IMA, Ludgero Lima.
TRILHAS
A reportagem percorreu, no dia 26 de abril, alguns trechos da Serra
dos Frios junto com dois técnicos do IMA e uma equipe de ambientalistas
do município, e flagrou os problemas que a floresta sofre todos os dias.
O primeiro fator que chama a atenção é a quantidade de trilhas no meio
da mata fechada, que chega a ter mais de dois metros de largura. No
verão, é possível subir a serra de motocicleta e veículos com grande
tração.
Caminhando a pouco mais de 300 metros pela trilha, encontramos
residências em fase de construção e vários sinais de desmatamento. Às
margens da estrada, um tronco de cajueiro chama a atenção de todos.
A árvore deve medir seis metros por dois de diâmetro e dava a acesso a
uma clareira, que ainda cheirava a queimado. Na avaliação do consultor
técnico da diretoria das Unidades de Conservação do IMA, Alex Nazário, a
área desmatada deve ter cerca de dois hectares.
Para Alex Nazário, a maioria das denúncias de desmatamento e
queimadas na APA vem de União dos Palmares. Ele avalia que foi
importante essa visita técnica.
“Ela vai dar uma espécie de ponto de partida para várias ações, desde
ações do ponto de vista de coibir o desmatamento, até instruções de
educação ambiental e reuniões técnicas entre o IMA, o município e outros
setores, principalmente o Conselho Gestor da APA, para que a gente
possa abordar aqui, desde questões como a informação, educação ambiental
e fiscalização do local”, disse.
Invasores moram na mata
Seguindo a trilha, a equipe encontrou as primeiras casas com
moradores, conhecidos como "grileiros". O som alto denunciava de longe
que havia gente no local. Era um domingo e alguns estavam consumindo
bebida alcoólica. Ao sentirem a presença dos fiscais e da reportagem,
eles ficaram incomodados e mantiveram distância.
Mas um invasor da mata aceitou conversar conosco. Marcos Benedito tem
18 anos, e sua esposa, uma menor de 15, que está grávida de cinco
meses. Eles moram no local há quatro anos, e antes residiam no bairro
Vaquejada, periferia da cidade: ficaram desabrigados na enchente de
2010, que atingiu várias localidades de União.
A casa é de pau-a-pique, construção feita com barro e madeira, bem
simples e sem nenhum conforto. Não há banheiro e o lixo é descartado de
maneira irregular na mata. A água para consumo vem das nascentes que são
abundantes na região.
O casal é tímido; aos poucos ele começa a falar sobre qual o motivo
de ir morar no meio da mata fechada. “Nós perdemos tudo e resolvermos
vir morar aqui, eu não quis fazer o cadastro (Programa da Reconstrução)
para receber a casa”, disse.
Marcos Benedito relata que sobrevive junto com a esposa, da venda de
banana, macaxeira e batata, que plantam em torno da casa e do programa
social Bolsa Família. Ele admite desconfiado, que produz carvão no
local, e este é vendido na cidade. “Também vivo de “bicos”, limpo mato e
vendo frutas”.
Quando perguntado se tem vontade de sair do local, já que vive de
maneira irregular, ele respondeu que não. “É bom morar aqui, tem tudo:
água, madeira e frutas: eu planto; to bem aqui, não quero sair”,
observou.
Flora e fauna em risco
O biólogo e professor, George de Sena, destaca a importância da Serra
dos Frios como um espaço que abriga o pouco que resta da fauna e flora
da Mata Atlântica.
“Em termos ecológicos, a Serra dos Frios se torna importante por
manter uma continuidade florestal com outros pontos difusos e quase
isolados de toda a APA. O padrão florestal mantido na região mantém os
níveis climáticos (umidade e temperatura), típicos do bioma e esse fluxo
evita o risco de extinção de espécies animais na região”, disse.
George de Sena observa com preocupação os impactos ambientais que a
região sofre devido à ação humana. Segundo o biólogo, a destruição da
mata afetará toda a região.
“São imensuráveis as consequências de toda a devastação: podemos
citar as mudanças nos padrões do clima local, desaparecimento de
nascentes e redução no fluxo hídrico dos afluentes dos rios, redução nas
populações naturais ou mesmo desaparecimento de algumas espécies mais
sensíveis ao desmatamento”, lamentou.
Apicultores sofrem com o desmatamento
Cerca de quinze apicultores, utilizam a mata para criar abelhas que
produzem mel para o comércio. Eles trabalham no local há dez anos e
acompanham o processo de devastação da área. Segundo Afrânio Alves é
triste ver a situação em que se encontra a Serra dos Frios.
Ele lamenta a falta de atenção do poder público e ressalta a
diminuição na produção de mel que caiu de cinco mil quilos por mês, para
dois mil. “Antes a gente entrava com dificuldade na mata para colocar
nosso apiário. Hoje, os carros tão entrando e tão desmatando, e os
moradores também entrando na mata e fazendo suas casas e com isso
inibido a gente de trabalhar aqui”, desabafa.
Gestores se contradizem em relação à fiscalização da área
A gestora da APA de Murici, Lana Navarro, fez junto com Nazário o
trabalho de levantamento das agressões na Serra dos Frios. Ela ressalta
que a responsabilidade de fiscalizar a área não é exclusiva do IMA e que
o município tem que fazer sua parte.
“Como em todo o Estado o IMA assume, mas o município é detentor do
uso do solo, então ele também tem responsabilidade, não só aqui na Serra
dos Frios como em todas as questões ambientais que faz parte ao
município”, enfatiza.
Navarro lembra que o Conselho Gestor da APA de Murici também é
responsável pela gerência da reserva, mas que é necessário firmar
parcerias. “A principal ação do Conselho é gerir a APA e de firmar as
parcerias, pois dentro do conselho a gente vai encontrar instituições de
educação, de meio ambiente, associações e a sociedade civil. Então vão
estar todos reunidos, com o intuito de discutir e solucionar as questões
ambientais”, destaca a gestora.
A secretária de Meio Ambiente de União dos Palmares, Juliana Santos,
diz que a pasta não tem o poder de fiscalizar e nem multar quem pratica
crimes ambientais “Nós aqui da secretaria não temos o poder de
fiscalização nem de multa. Então nós temos que trabalhar em conjunto com
o IMA. As denúncias que são recebidas aqui, são enviadas pra lá, e é
aberto um protocolo e nós ficamos esperando uma resposta que o IMA nos
traz”, relata.
Juliana Santos criticou o Instituto do Meio do Meio Ambiente, pois,
segundo ela, o órgão tem muitas falhas. “A gente empaca um pouco, porque
soa como se o IMA não desse muita importância às denúncias que são
feitas. E eles alegam também que não tem pessoal suficiente pra isso”,
comenta.
Segundo Juliana Santos, a maioria das denúncias que a secretaria
recebe é de desmatamento por meio de queimada: elas são encaminhadas ao
órgão, mas há uma demora na resposta da solicitação. A secretária disse
ainda que, há três meses, a pasta recebeu uma denúncia, e se sente
impotente e de mãos atadas com tal situação.
“Tudo fica passando de mão em mão, nós ligamos para o IMA e eles
mandam entrar em contato com o Batalhão Ambiental, o Batalhão Ambiental
alega que não tem viatura. Aí fica difícil, às vezes é até
constrangedor”, desabafa.
O Batalhão Ambiental de Alagoas também alega dificuldades na
fiscalização da área. “O problema é o número reduzido de agentes para
esse trabalho ostensivo que atende todo o Estado. Só podemos fazer essa
fiscalização quando há denúncias, pois o nosso efetivo de pessoal é
muito reduzido”, informou o sargento Rafael Santos.
Departamento trabalha a educação ambiental
A técnica em Educação Ambiental, Madalena Soares, coordena o
Departamento de Educação Ambiental da secretaria de Educação do
município, a Sala Verde Serrana dos Quilombos. Segundo ela, o órgão vem
desenvolvendo algumas atividades de conscientização, junto às escolas da
cidade.
“O ano passado, a gente teve uma gincana com o IMA, e envolveu todas
as escolas, fazendo uma campanha de percepção, de sensibilização desde
cedo para os alunos em relação à Serra dos Frios”, lembra.
Madalena Soares se sente angustiada e de mãos atadas, pelo fato de
não ter condições de fazer algo maior, para preservar aquele ambiente.
“O que é que a gente pode fazer? Educar, sensibilizar a população, a
gente já tentou, já marcou reunião, palestras com os moradores naquela
região. Mas não comparecem, não participam, e a gente fica sem ter muito
o que fazer”, lamenta.
Moradias irregulares e lixão
A geógrafa e Educadora Ambiental, Aparecida Lopes, estuda desde 2002 o
processo de ocupação em torno da Serra dos Frios. Segundo a
pesquisadora, em 1980 o espaço que pertencia ao Estado foi doado a
pequenos agricultores para o desenvolvimento da agricultura de
subsistência, usada para sustentar suas famílias. Mas com o passar dos
anos, esses agricultores começaram a vender suas terras e dessa forma,
começou a crescer as moradias irregulares.
O espaço se transformou numa área de grandes residências, conhecidas
como chácaras que funcionam em sua maioria, como espaços de lazer e
realização de eventos. “Quem comprou terra aqui, utiliza o espaço
natural da serra, que é a água, o solo, a vegetação”, critica.
Segundo o Plano Diretor de União dos Palmares, aprovado em outubro de
2006, essa área que se limita com a mata fechada, foi inserida na área
urbana do município. Em 2012, a Câmara de Vereadores aprovou um Projeto
de Lei, que deu nomes a quatro ruas principais dos Frios, para
facilitar, segundo o vereador na época, Edvan Correia, o trabalho dos
Correios.
Aparecida observa com preocupação o crescimento de ocupações naquele
espaço. “As pessoas estão deixando suas casas lá na cidade e estão vindo
pra cá, para o conforto que a Serra oferece. Então, cada vez no “pé da
serra”, está tendo mais casas”.
Para piorar o impacto ambiental, o lixão do município funciona há
mais de vinte anos naquele espaço. O vazadouro tem dois hectares e
recebe todos os dias, cerca de 40 toneladas de resíduos.
O lixão está a pouco mais de 2 km da entrada da cidade e sempre
registra incêndios. O município já foi notificado várias vezes pelo
Ministério Público, e desde 2012 faz parte de um consórcio junto a
outros 15 municípios dos vales do Mundaú e Paraíba, para construção de
um aterro sanitário.
“O município está consorciado, acompanhando o andamento do Plano
Estadual de Resíduos Sólidos e no aguardo das atividades dos planos
intermunicipais”, informou a secretária de Meio Ambiente, Juliana
Santos.
Soluções
O biólogo George Sena defende a criação de uma Unidade de
Conservação, tipo Parque Municipal, que seria gerido pelo município.
“Essa unidade seria legitimamente acompanhada pelo Poder Público
Municipal e traria uma delimitação seguida de educação ambiental e
fiscalização”, disse.
Segundo George, os invasores que moram na mata seriam mantidos, mas
assistidos por técnicos para desenvolverem atividades de cunho
sustentável. “Tudo isso com subsídio, recursos e aplicações de políticas
mantidas efetivamente pela prefeitura, através das secretarias
municipais de Educação, Meio Ambiente e Infraestrutura”, conclui.
FOTOS: João Paulo Farias / Estudante - Ufal
Fonte: Tribuna Hoje
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