O alagoano Geraldo José da
Silva trabalhou em condições de escravo numa usina por 14 anos.
Resgatado em 2011, entrou pela primeira vez na vida numa sala de aula.
Aprendeu a ler, a escrever e a trabalhar como pedreiro. Na construção da
Arena Pantanal, juntou dinheiro e, com a ajuda da mulher - a seu lado
há 18 anos-, virou empreendedor. Em sua LAN house, três computadores
ligados à internet fazem sucesso.
Lá
em União dos Palmares (AL), onde nasci, para conseguir sobreviver, era
preciso ajudar a família -e cedo. Comecei a trabalhar na roça aos nove
anos. Meus outros sete irmãos também começaram na labuta ainda crianças.
Meu pai não tinha estudo, mas tinha força. Foi com ele que aprendi a cortar cana.
Não pude ir à escola, porque ficava longe do sítio onde morávamos. E nem podia, já que eu tinha que trabalhar.
Quando
completei 18 anos, em 1985, recebi a proposta de um agenciador, o
"gato", para ir trabalhar na Alcopan, uma usina de cana-de-açúcar em
Mato Grosso, no Chumbo (distrito de Poconé).
A
proposta era que eu teria carteira assinada, um salário, atualizado nos
dias de hoje, maior do que R$ 1.000, alimentação, assistência médica e
alojamento.
Parecia um bom
negócio. Como não tinha perspectiva de vida na minha cidade, resolvi ir
-nem lembro quanto paguei, mas era muito pra mim. Pensava que nada
poderia ser pior do que a situação em que eu estava.
CATIVEIRO
Cheguei a Mato Grosso e logo percebi que a situação era bem diferente daquela que o "gato" havia prometido.
Assinaram
a carteira, mas me puseram numa casinha com outras 17 pessoas. Não
tinha espaço pra nada, molhava quando chovia e só tinha um chuveiro. O
cheiro do lugar era horrível.
E
o salário, só me disseram quando cheguei lá, dependia da produção. Para
conseguir tirar R$ 500, R$ 600 por mês, tinha que cortar, em média, 500
metros de cana por dia. Era dureza. Para conseguir isso, tinha que
acordar às 4h, parar pra almoçar 15 minutos e voltar à roça.
A gente almoçava ali mesmo na roça. Era sempre quase a mesma coisa: arroz, uma carne picada e, de vez em quando, uma salada.
Eu vivia cansado, me machucava o tempo todo -não havia equipamento decente para trabalharmos.
Foi
então que o pagamento começou a atrasar. Primeiro, um, dois meses,
depois três, quatro, até mais de seis. Não tinha mais como ficar lá.
Já
se passavam quatro anos desde a minha chegada. Juntei o pouco que tinha
e fui embora, para trabalhar em outra usina, em São José do Rio Claro
(250 km de Cuiabá). Mas a história se repetia e voltei para o Chumbo.
Nessa propriedade, fiquei, entre idas e vindas, mais de 14 anos.
Um
dia, apareceram vários carros com policiais armados e fiscais. Viram
onde dormíamos, o que comíamos e disseram que iriam nos libertar.
Falaram que éramos uma espécie de escravos.
LIBERTAÇÃO
Foi
quando recebi o convite para passar por treinamento remunerado por seis
meses, no Projeto Ação Integrada. Pela primeira vez na vida fui tratado
de forma digna. Passei a receber um salário mínimo, ganhei alojamento e
comida decentes.
O mais
legal foi que, pela primeira vez, entrei numa sala de aula. Aprendi a
escrever, a ler, mas ainda preciso melhorar bastante. Aprendi a
profissão de pedreiro. Aprendi a falar direito. Fui trabalhar na
construção da Arena Pantanal.
Na arena trabalhei durante dois anos e meio e foi muito bom. Em alguns meses, ganhava quase R$ 4.000.
Foi
então que percebi que, se você é pobre e tem a oportunidade de ganhar
algum dinheiro, tem que pensar em como usá-lo para continuar ganhando
mais, porque é muito difícil. Hoje, você tem emprego, dinheiro, amanhã
pode não ter mais nada.
Na época em que trabalhei na arena, com a ajuda da minha mulher, com quem sou casado há 18 anos, fui me estruturando.
Nós
temos uma casa no Chumbo. Aos poucos, fui melhorando a horta. Cultiva
hortelã, alface, cebolinha, alho-poró, pimenta, couve, tudo orgânico.
Isso é só o começo.
Também
fizemos algumas adaptações na casa. Aqui funciona uma videolocadora,
xerox e temos três computadores com acesso à internet. O pessoal gosta
muito de internet. De vez em quando rola até sessão de cinema também.
Muita gente tinha que sair daqui para ir até Poconé fazer essas coisas.
A
ideia agora é crescer mais, de pouco em pouco. De vez em quando faço
bicos. Um dinheirinho a mais nunca é demais. Quero continuar evoluindo,
aprendendo. Não tem nada no mundo que não seja possível, só depende de
força de vontade, e de pessoas dispostas a ajudar.
Fonte: Poconet Notícias
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