Grupo do ex-deputado federal João Lyra acumula uma dívida de R$ 2 bilhões, mas mantém altos gastos mesmo falida. Perícia contábil nas usinas alagoanas foi feita sob ameaças
Dia de visita à usina Guaxuma, em Coruripe, Alagoas, com objetivo
meramente burocrático: recolher documentações para dar prosseguimento à
análise financeira da massa falida da Laginha Agro Industrial S/A, grupo
do ex-deputado federal João Lyra (PSD). O que seria rotina de trabalho
para o perito contador judicial Joel Ribeiro dos Santos Júnior virou um
embate com militantes do MST que se empossaram do local. Impedido de
entrar na usina por homens com foice e enxada na mão, Júnior voltou a
Maceió sem cumprir sua missão.
O susto, entretanto, não parou por aí. Ao atender o telefone celular,
o perito ouviu o alerta de um anônimo: “Pare o que está fazendo ou irá
arcar com as consequências!” Como o trabalho investigativo nas receitas
do grupo de Lyra persistiu, foi a vez de um carro seguir o contador
durante a noite para reforçar as ameaças.
Perito foi ameaçado por telefone e perseguido por automóvel
“Isso tudo foi relatado nos autos do processo. Fui atrás de
segurança, falei com o delegado da Polícia Federal e até solicitei porte
de arma. Pessoas que trabalhavam comigo resolveram se afastar, nunca
passei por algo parecido. Ninguém sabe, ainda, o autor das ameaças”,
contou.
Depois dos momentos de adrenalina, havia situações de extremo
desânimo. Um exemplo é encontrar salas cheias de papéis sem nenhuma
catalogação. A equipe tinha que analisar folha por folha para ver o que
era útil à perícia contábil. Uma situação que desacelerou o processo
investigatório e prejudicou o trabalho do contador.
Contratado para desenvolver um laudo pericial contábil, apresentado
no dia 2 de julho à Justiça de Alagoas, o perito identificou saques
suspeitos, pagamentos sem comprovações, notas fiscais duvidosas e
constatou a má gestão de um império canavieiro, que, sim, ainda tinha
chance de se reerguer.
Do material necessário para uma perícia abrangente, Júnior conseguiu
recolher 16% desse montante. “Desde o primeiro momento tivemos
dificuldade de acesso aos documentos. Respondiam apenas que ‘estavam
ali’, o que, na verdade, eram 40 salas com pilhas de papéis jogados e
esparramados pelo chão. Eles contrataram uma empresa de digitalização e
arquivamento que também não nos cedeu o que pedíamos”.
Outra desculpa dos administradores da Laginha é que diversos
documentos estavam nas usinas. Sendo assim, desses 16% de finanças
analisadas, poucos se referem às usinas Triálcool e Vale do Paranaíba,
localizadas no Estado de Minas Gerais. Para isso, Júnior até se propôs a
viajar até as cidades de Canápolis e Capinópolis (MG), mas,
primeiramente, prefere receber o pagamento que está quatro meses
atrasado. “Também virei credor da Laginha”, brincou.
O laudo entregue à Justiça é referente ao levantamento feito de
setembro de 2014 até junho deste ano. O serviço foi para analisar o
financeiro de 2008 a até maio de 2015, porém, com a falta de
documentação, a perícia só cumpriu o equivalente 15 meses, deixando 74
pendentes.
FINANÇAS
Mesmo em falência e com uma dívida de R$ 2 bilhões, a Laginha gastou,
no último ano, R$ 145.161,08 com viagens de consultores que vinham do
Rio de Janeiro a Maceió. Esses profissionais tinham o consentimento do
grupo de João Lyra para gastar R$ 300 de táxi da residência até o
aeroporto Galeão (RJ) e se hospedar por 30 dias, com direito a usar
serviços de lavanderia, em hotel à beira-mar na Jatiúca. Ainda foram
gastos R$ 227.026,43 com comunicação a uma grande mídia de Alagoas , R$
301.050 em editais e 12.783.971,04 em folha salarial.
Empresa falida gastou no último ano R$ 27 milhões, sendo que R$ 20,5 milhões foram pagos pela Conab
Segundo o MP, os administradores da massa falida gastaram em 12 meses
R$ 27 milhões do patrimônio do grupo empresarial, sendo que R$ 20,5
milhões são de origem da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em
época de economia, o grupo concedeu, ainda, descontos de,
aproximadamente, 50% na venda de cana de açúcar para a usina Serra
Grande. De um total de R$ 3.219.057,61 que eram para ser recebidos, a
massa falida recebeu R$ 1.762.141,86, registrando um desconto de R$
1.456.915,76.
“Se o leilão da Laginha fosse hoje, o grupo poderia ser vendido até
por R$ 1,5 bi, sendo que ficariam devendo R$ 500 mil para quitar o
restante da dívida que tem com trabalhadores e colaboradores”, informou
Júnior. Além dos gastos desnecessários, o perito viu que a Laginha ainda
tinha chance de sobreviver poupando milhares de empregos em Alagoas.
“Teve um momento no biênio 2010-2011, dois anos após a recuperação
judicial, o grupo Laginha ainda tinha um fôlego porque as usinas ainda
estavam em funcionamento e o governo injetava recursos federais para
subsidiar a produção do etanol. Só que dali para frente só houve
declínio”, explicou. O juiz titular do processo, Kleber Borba Rocha,
informou à reportagem que o laudo do perito já está em suas mãos para a
apuração.
EM TEMPO
Portaria assinada pelos promotores Flávio Gomes da Costa e Hylza
Paiva Torres oficializou o início de um procedimento para o inquérito
civil público para apurar as informações do laudo pericial judicial que
identificou a diluição de recursos da massa falida. O Ministério Público
Estadual (MP/AL) tomará como alvo o ex-administrador judicial Carlos
Benedito Lima Franco dos Santos e os ex-gestores judiciais Felipe
Carvalho Olegário de Souza e X Infinity Invest & Assessoria
Empresarial Ltda. O promotor Flávio Gomes da Costa, em entrevista ao
jornal Extra, confirmou o procedimento, mas disse que “só se
pronunciaria após a publicação no Diário Oficial”.
Lyra diz que não vai atrapalhar
A massa falida do ex-deputado foi destaque nesta semana em reportagem
do site Tudo em Dia, de Minas Gerais, sobre o ofício assinado pelo
próprio João Lyra, datado no dia 11 de agosto e entregue ao Juiz Kleber
Borba, da 1ª Vara da Comarca de Coruripe. No documento, Lyra afirma que
não haverá interposição com relação à tomada de decisão por parte do
magistrado.
“Não obstante, o entendimento diverso ao de Vossa Excelência, não
haverá interposição de quaisquer recursos contra a decisão em
referência, tendo em vistas a consciência de que, neste momento, importa
dar celeridade ao processo falimentar, tratando toda e qualquer outra
questão por vias outras admitidas pela legislação pátria”, afirmou o
usineiro no ofício disponibilizado pela mídia local.
Lyra, afirma ainda ao juiz, que não irá embargar o processo de venda
das usinas instaladas em território mineiro. “Por fim, motivo maior
desta manifestação, apresento minha anuência pessoal com a venda de
ativos da Massa Falida localizados no Sudeste do País, para fazer frente
ao enorme passivo trabalhista. Da mesma forma, apresento minha anuência
pessoal aos esforços para arrendar as unidades industriais, em Alagoas e
Minas Gerais, com o propósito de manter valorizados os ativos da
empresa, bem como possibilitar renda necessária à manutenção da Massa
Falida e pagamentos dos credores, deixando clara minha posição no
sentido de que, havendo venda e/ou arrendamento de ativos, devem todos
os créditos apurados serem dirigidos rigorosamente e primordialmente ao
pagamento dos trabalhadores”, destacou o usineiro.
Segundo o site, várias empresas e grupos estão interessados nas
unidades sucroalcooleiras do grupo João Lyra instaladas no Pontal do
Triângulo Mineiro, e o processo de arrendamento ou venda deve ocorrer em
breve.
A recuperação judicial do grupo foi decretada pela Justiça em 2008.
Nove anos depois, o juiz Sóstenes Alex Costa de Andrade decretou a
falêncioa do Grupo JL. Durante todo o trâmite processual, João Lyra
ficou impedido de entrar nas usinas do grupo. O alegado era que a
presença do ex-deputado federal poderia ser prejudicial para o andamento
da ação devido às ameaças recebidas pelos funcionários.
O juiz Mauro Baldini determinou a venda dos bens da massa falida do
grupo Laginha Agroindustrial S/A no dia 20 de fevereiro deste ano, o que
acabou não acontecendo. A decisão foi publicada no Diário de Justiça
Eletrônico do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL). De acordo com o
magistrado, que à época encabeçava o processo, as cinco usinas, além do
escritório central da companhia, na capital, e um jato seriam leiloados
para sanar as dívidas existentes da empresa.
José Fernando Martins
especial para o Extra de Alagoas
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