Geralmente no final de um ano completa-se um ciclo, e naturalmente
ficamos felizes por termos vencido mais uma etapa e temos "esperança"
que o próximo ano nos reserve sempre dias melhores. Essa expectativa de
felicidade foi construída desde o homem primitivo com a finalidade de
aumentar nossas chances de sobreviver. Os rituais de final de um ciclo,
ou de final de ano, são muito antigos na história humana. O nosso
cérebro tem processos automáticos que rejeitam o sofrimento de dor e
buscam o prazer. Nos sentirmos felizes ou termos tal expectativa faz com
que depositemos esse desejo no próximo ciclo. Segundo disse o psicólogo
e escritor americano Robert Wright, num artigo escrito para a revista
Time: "As leis que governam a felicidade não foram desenhadas para nosso
bem-estar psicológico, mas para aumentar as chances de sobrevivência
dos nossos genes a longo prazo". Logo, o final de ano é um destes
momentos de reforço da alegria e de reforço da esperança.
No final de um ciclo geralmente fazemos
um "fechamento de contas", um "balanço", daquilo que nos havíamos
proposto e não conseguimos, o que queríamos e não alcançamos, o que
tínhamos e perdemos - inclusive entes queridos. Então, devido a diversos
motivos, nesta época também existe uma cobrança excessiva, acompanhada
de frustração e sensação de fracasso. Há muitos que se sentem
solitários, angustiados, deprimidos e com uma falsa sensação de que
todos demais estão felizes. Além disso, este "clima artificial" de
alegria exagerada no final do ano pode ser extremamente enganoso e é em
grande parte criado pela sociedade de consumo. Comemorações, festas nas
empresas, festas com amigos, festa com parentes, presentes e presentes,
viagens, gastos... Deixar-se levar por este clima de alegria artificial
não é saudável.
Não leve um saldo negativo para o próximo ano
Recomendo a meus pacientes para não
acumularem assuntos não resolvidos deixando-os para um outro momento.
Temos que tentar resolver as dificuldades a cada dia, pois se não o
fizermos corremos o risco de no final do ano eles pesarem muito mais na
balança que os assuntos bem resolvidos.
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Os planos que não deram certo devem ser
revistos de maneira tranquila, com o objetivo de identificar as falhas e
não de se culpar. Uma vez identificadas as falhas, busque uma solução,
que pode ser inclusive um pedido de ajuda para outra pessoa ou para um
grupo, ou, até mesmo, a modificação do objetivo original.
Permita-se ser feliz, independente da época do ano
É muito comum que as pessoas se façam
perguntas ao refletir sobre o ano que passou. Acredito que não é
possível montar um roteiro de como deve ser esse questionamento
interior, pois esta é uma questão muito pessoal. Mas creio ser
importante que ela pergunte para si mesma se conseguiu ser feliz.
Um caminho para uma reflexão honesta de fim de ano,
assim como os planos para o próximo período, é procurar ser feliz não
só nesta época de fim de ano, mas sempre. A pesquisa interior que cada
indivíduo pode e deve fazer para buscar ser feliz, e para tal
primeiramente consigo próprio, com os que o rodeiam, trabalhando as
perdas e dificuldades e transformando-as em lições e crescimento
pessoal.
Mas, atenção, é importante não ter a
presunção de querer definir o que é felicidade. Gosto da ideia
compartilhada por alguns pesquisadores que colocam a felicidade como a
soma de três pilares: prazer, envolvimento e significado. Vamos analisar
um pouco melhor estes três pontos:
Prazer: pode parecer
simplista analisar o prazer, mas ele tem diversas dimensões. A primeira
lembrança que normalmente se evoca em relação ao prazer se relaciona ao
prazer físico, ligado à satisfação dos instintos. Algumas pessoas,
inclusive, priorizam até doentiamente esta forma de prazer - que não é
somente o sexual. Contudo, existem outras dimensões do prazer, pois não
somos somente um "hominis natura", ou seja, não somos somente instinto. O
prazer também tem outras dimensões, como a dimensão afetiva demonstrada
no afeto ou no amor aos filhos, afeto ao companheiro(a), afeto aos
necessitados (que é um amor altruísta) etc.
Envolvimento: esse
conceito seria o equivalente a "participar intensamente de determinado
objetivo". Há pessoas que apresentam uma facilidade natural em se
envolverem ou "darem tudo de si" em determinada ou até mesmo em qualquer
atividade. Vivem de uma maneira extremamente intensa empenhando uma
energia que parece ser inesgotável. Sobre este assunto, a pesquisadora
I. Pollard estudou a atividade cerebral de monges em estado de meditação
através de Pet Scan e verificou que áreas cerebrais específicas se
tornavam iluminadas ao Scan quando os Monges atingiam o estado de
Bondade Universal ou Alegria Plena, que é o que eles estavam buscando.
Neste estado eles estão tão absortos que não percebem o mundo exterior e
perdem a noção de tempo. Este estado também pode ocorrer de maneira
menos intensa nas situações de grande envolvimento, e mesmo em situações
comuns como tocar um instrumento, pintar um quadro, realizar uma
pesquisa científica e fazer uma oração.
Significado: desde os
tempos antigos, o ser humano procura através da religião respostas para o
significado da existência. Segundo o sociólogo e filósofo francês David
E. Durkheim, no homem primitivo havia uma noção não muito precisa de
que existia algo superior à individualidade. Esta coisa seria a força da
sociedade anterior, que sobrevivia e à qual, sem saber, rendiam culto.
Se o termo for tomado num sentido amplo, pode-se compreender que esta
força era o deus adorado em cada culto totêmico. Posteriormente a noção
primitiva, a concepção de divindade evolui com a própria evolução do ser
humano chegando-se às Cosmovisões atuais oferecidas pelas principais
religiões. Mas a religião oferece muito mais do que respostas quanto ao
significado da existência. Diversas pesquisas demonstram o poder
benéfico da religião na vida das pessoas, como um estudo publicado por
Jeff Levin, um epidemiologista da religião, que apresentou os seguintes
resultados: as pessoas que assistem regularmente a serviços religiosos
têm taxas mais baixas de doenças e de mortalidade do que aquelas que não
frequentam regularmente esses serviços ou que não os assistem e as
pessoas que relatam uma afiliação religiosa apresentam taxas mais baixas
de doenças cardíacas, câncer e hipertensão, que são as três principais
causas de morte nos Estados Unidos.
O significado da vida pode também ser
buscado por outros caminhos. O filósofo alemão Martin Heidegger enfatiza
o processo ou mecanismo de "afastar-se de si próprio", que é feito
imperceptivelmente quando somos contaminados em nossa essência por
valores, verdades, desejos e necessidades que não são nossos, e em
determinado momento não conseguimos mais nos reconhecer e perdemos o
nosso significado. Este mecanismo, infelizmente, é muito utilizado na
sociedade de consumo atual. O psiquiatra e psicanalista Carl Gustav
Jung, que fundou a psicologia analítica, nos aponta outro caminho, o de
nos "apoderarmos de nós mesmos", nos tornarmos pessoa. Naturalmente não
utilizei os termos filosóficos em Heidegger, nem os psicoanalíticos em
Jung, apenas quis transmitir a ideia de buscarmos sempre a nós mesmos,
termos um encontro feliz conosco.
Tente encontrar um equilíbrio
A mensagem que deixo para o início de
ano, é o desejo que alcancem o equilíbrio destes três pontos: o prazer
que não escraviza, ao contrário delicia; o envolvimento que não esgota,
mas energiza; e o significado da existência que nos tira das trevas, e
como a luz nos ilumina o caminho.
Fonte: Dr. Persio Ribeiro Gomes de Deus Psiquiatria - CRM 31656/SP
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