Aos meus colegas professores
Ao longo da minha vida de
professor, li e reli normas e diretivas do Ministério da Educação.
Nalgumas a linguagem, ou seja, o português não tinha sentido porque os
senhores que produziam essas normas achavam como aquele professor
universitário que eu conheci: “se metade dos meus alunos perceberem o
que eu digo, eu não sou bom professor”. Mas infelizmente nas
universidades do meu tempo as pedagogias não eram necessárias aos
senhores catedráticos (não todos).
Os professores do primeiro
ciclo, anteriormente chamados, com algum desprezo “professores
primários” foram os mestres de nós todos e a maior parte de nós ainda os
temos no coração. Atualmente as coisas mudaram de tal maneira que
ninguém repara neles (exceto os seus alunos) a não ser para os acusar de
coisas que os pais não são capazes de fazer, como seja educar.
As
consequências estão á vista: alguns pais vão à escola para os descompor
porque o senhor professor ou professora quis educar os seus filhinhos ou
quis ensinar-lhes regras que só nessa idade se aprendem. Quantos dos
meus colegas do primeiro ciclo não foram agredidos por pais? Quantos não
foram tratados como lixo só porque exercem a sua profissão com
dignidade e profissionalismo?
Tive conhecimento, há alguns dias, dum caso que demonstra
precisamente aquilo que acabo de afirmar. Numa reunião de pais com os
professores dos seus filhos do primeiro ciclo, uma senhora advogada,
porque se julga superior à professora do seu filho, só porque é advogada
e tratada por “senhora doutora”, esquecendo-se que a professora também é
“senhora doutora” porque também é licenciada, arrogou-se o direito de
enxovalhar a professora do seu filho porque ela lhe chamou a atenção
para falhas, algumas de higiene, do seu rebento. Então a senhora
advogada dirige-se à direção da escola e exige que se faça um processo
contra a professora, achando que ela foi malcriada.
Se eu
estivesse a lecionar, não sei o que faria, mas (embora fosse só
professor do secundário) iria até às últimas consequências porque aquela
mãe mostrou uma arrogância inaudita contra alguém que está a ensinar o
seu filho e mais ainda a educá-lo, coisa que ela não sabe fazer.
Evidentemente que o professor nessas condições, fica aflito porque estes
processos, além de longos, são muito incómodos.
Se eu fosse
diretor da escola, convocava a senhora doutora advogada e ensinava-a a
respeitar a professora e a pedir-lhe desculpa e, se não quisesse que
fosse para tribunal onde poderia exercer a sua advocacia, evocando as
leis que lhe apetecesse.
As pessoas terão consciência do que é,
nos tempos de hoje, ensinar alunos de pais malcriados e prepotentes?
Acharão que por serem professores têm de renunciar ao seu dever de
educar? Já no meu tempo eu dizia: “quem devia aqui andar eram os vossos
pais” quando a má educação superava o razoável.
Neste momento,
podem crer, milhares de professores deixariam o ensino se tivessem ao
seu alcance uma outra profissão onde se realizassem e ganhassem o seu
sustento.
Já hoje, muitos jovens se põem esta pergunta: “Vale a
pena ser professor?” Eu, que me reformei pela idade e não pelo tempo de
serviço digo: “pensem muito bem porque, hoje para se ser professor, é
preciso ser-se herói.”
Eu estou convosco, professores!
Borges Simão, Torres Vedras
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