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domingo, 19 de junho de 2016

“Vale a pena ser professor?”

Aos meus colegas professores

Ao longo da minha vida de professor, li e reli normas e diretivas do Ministério da Educação. Nalgumas a linguagem, ou seja, o português não tinha sentido porque os senhores que produziam essas normas achavam como aquele professor universitário que eu conheci: “se metade dos meus alunos perceberem o que eu digo, eu não sou bom professor”. Mas infelizmente nas universidades do meu tempo as pedagogias não eram necessárias aos senhores catedráticos (não todos).

Os professores do primeiro ciclo, anteriormente chamados, com algum desprezo “professores primários” foram os mestres de nós todos e a maior parte de nós ainda os temos no coração. Atualmente as coisas mudaram de tal maneira que ninguém repara neles (exceto os seus alunos) a não ser para os acusar de coisas que os pais não são capazes de fazer, como seja educar.

 As consequências estão á vista: alguns pais vão à escola para os descompor porque o senhor professor ou professora quis educar os seus filhinhos ou quis ensinar-lhes regras que só nessa idade se aprendem. Quantos dos meus colegas do primeiro ciclo não foram agredidos por pais? Quantos não foram tratados como lixo só porque exercem a sua profissão com dignidade e profissionalismo?

Tive conhecimento, há alguns dias, dum caso que demonstra precisamente aquilo que acabo de afirmar. Numa reunião de pais com os professores dos seus filhos do primeiro ciclo, uma senhora advogada, porque se julga superior à professora do seu filho, só porque é advogada e tratada por “senhora doutora”, esquecendo-se que a professora também é “senhora doutora” porque também é licenciada, arrogou-se o direito de enxovalhar a professora do seu filho porque ela lhe chamou a atenção para falhas, algumas de higiene, do seu rebento. Então a senhora advogada dirige-se à direção da escola e exige que se faça um processo contra a professora, achando que ela foi malcriada.

Se eu estivesse a lecionar, não sei o que faria, mas (embora fosse só professor do secundário) iria até às últimas consequências porque aquela mãe mostrou uma arrogância inaudita contra alguém que está a ensinar o seu filho e mais ainda a educá-lo, coisa que ela não sabe fazer. Evidentemente que o professor nessas condições, fica aflito porque estes processos, além de longos, são muito incómodos.

Se eu fosse diretor da escola, convocava a senhora doutora advogada e ensinava-a a respeitar a professora e a pedir-lhe desculpa e, se não quisesse que fosse para tribunal onde poderia exercer a sua advocacia, evocando as leis que lhe apetecesse.

As pessoas terão consciência do que é, nos tempos de hoje, ensinar alunos de pais malcriados e prepotentes? Acharão que por serem professores têm de renunciar ao seu dever de educar? Já no meu tempo eu dizia: “quem devia aqui andar eram os vossos pais” quando a má educação superava o razoável.
Neste momento, podem crer, milhares de professores deixariam o ensino se tivessem ao seu alcance uma outra profissão onde se realizassem e ganhassem o seu sustento.

Já hoje, muitos jovens se põem esta pergunta: “Vale a pena ser professor?” Eu, que me reformei pela idade e não pelo tempo de serviço digo: “pensem muito bem porque, hoje para se ser professor, é preciso ser-se herói.”

Eu estou convosco, professores!

Borges Simão, Torres Vedras

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