Gostar de estudar e fazê-lo com o mesmo sentido de prazer e descoberta com que se desfruta de outras atividades é algo que se aprende desde cedo, com amor e disciplina – ingredientes que os adultos só conseguem dar se estiverem presentes e atentos. Conheça métodos para cada idade e veja as dicas para os pais
sto de ser “bom aluno” tem que se lhe diga. É ser bem-comportado, aprender a fazer e ter sucesso académico? E se for um “bom rebelde”, como no filme que juntou os atores Robin Williams e Matt Damon? Também pode ser um “bom aluno”? A resposta é sim. Basta ter condições para experimentar sem medo de falhar ou de ser deixado para trás.
Aprender
a aprender, que resulta em boas notas, implica motivação, método e
diversão, as bases para as crianças crescerem felizes. Por isso importa
que, desde cedo, os adultos lhes passem a mensagem de que confiam nelas,
de que estão lá para as ouvir, compreender e orientar. Isto aplica-se a
pais e professores e é particularmente decisivo quando a “retaguarda
familiar é menos favorecida, caso em que não podemos deixar os miúdos
pelo caminho”.
Luísa Moreira, mentora do projeto Fénix, concebido
para combater o insucesso escolar no ensino público, explica como se
estimula o valor próprio, ingrediente que os bons alunos partilham,
desde o primeiro ciclo: “Aos primeiros sinais de dificuldades na sala de
aula, o professor, apoiado por outros docentes, dedica uma
disponibilidade acrescida à criança impedindo que ela se agarre à ideia
do ‘não vou conseguir’”. A professora, ex-diretora de uma escola do
ensino básico, lembra que o projeto, de âmbito nacional, permite aos
alunos “sentirem-se apoiados e capazes de acompanhar os colegas”. Sem
esta alavancagem, o cenário pode ser outro, como atestam as conclusões
do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), divulgadas este
ano no relatório da OCDE: ser adolescente e viver em famílias
economicamente desfavorecidas é um fator que pode conduzir a maus
resultados escolares. Conclusão: as bases para se ser “bom aluno”
cultivam-se cedo e são a missão de todos: comunidade, escola e família.
Atenção, rotinas e diversão
O
ano letivo começa melhor se o cérebro estiver em forma. O que a ciência
diz: só aos 25 anos é que o seu desenvolvimento fica concluído. O que
fazer até lá: definir horários para as refeições, beber água fora delas e
reduzir a comida “de plástico” ao mínimo e criar rotinas. O tempo de
descanso e a hora de ir para a cama são as mais difíceis de cumprir, e
os efeitos secundários não ajudam.
“A privação de sono traduz-se
em excesso de cortisol e excitação, que se confunde com hiperatividade”,
adverte a psicóloga e coach parental Cristina Valente. A autora do
livro O Que Se Passa Na Cabeça Do Meu Filho (Manuscrito, 285 págs.,
€14,90) explica ainda porque é que os gadgets devem ficar fora do
quarto.
Outro cavalo de batalha é a concentração, ou a falta
dela, que aflige tantos pais no regresso às aulas. Filho, Presta
Atenção! (Companhia das Letras, 170 págs., €12,50), que a psicóloga de
desenvolvimento Ana Manta escreveu, inspirada no mais novo dos seus três
filhos, apresenta sugestões e atividades divertidas para fazer em casa e
“integrar emoções e sensações através dos cinco sentidos”. O terceiro
ano é a altura ideal para cultivar a planificação do estudo, mas com bom
senso: “Digo aos pais que o objetivo não tem de ser o ‘muito bom’ a
tudo; ter ‘suficiente’ numa disciplina chega para um filho se sentir bem
e confiante.”
Método e consciência emocional
Estar
nas aulas como um zombie, depois de estudar horas a fio. Decorar
matéria sem perceber como se aplica à vida prática. Faltar a aulas e
trabalhos de grupo por causa das noitadas. Organizar-se só na véspera
dos testes. Fórmulas que não funcionam por razões óbvias. Menos óbvio é o
papel das competências emocionais e sociais. Mas, quanto mais
conscientes delas, maior a garantia de sucesso escolar. Mostram-no os
resultados do estudo financiado pela FCT sobre os efeitos das práticas
de atenção plena (programa americano MindUp) numa amostra de 454 alunos e
20 professores do 3º ano do ensino básico. Joana Carvalho, psicóloga e
responsável pela área da educação no Instituto Mindfulness, confirmou
que “a maioria dos professores se sentiram mais realizados e atentos ao
que se passava na sala de aula, e essas melhorias também se registaram
nos alunos do grupo experimental.” Fernando Emídio, coordenador do 1º
ciclo do agrupamento de escolas da Marinha Grande Poente, que entraram
na investigação, sustenta que a gestão das emoções compensa: “As
melhorias no rendimento deveram-se à maior disponibilidade para
aprender, à redução dos conflitos entre pares e ao bem estar na sala de
aula.”
Os bons alunos sabem isto. Aos 22 anos, Catarina Correia
foi a melhor aluna da Universidade de Aveiro (média de 19 valores no
curso de bioquímica), e deveu-o ao equilíbrio entre esforço e lazer: “Ia
às aulas, organizava cadernos de matéria por disciplina e condensava os
dados de várias fontes, mas há que saber descansar; sempre convivi com
amigos e tive atividades fora das aulas.” Para outros, a autonomia é a
chave do sucesso. “A partir do 7º ano tornei-me mais independente, pois a
minha mãe responsabilizou-me pelos meus estudos”, afirma João Fonseca.
Aos 18 anos, conhece bem o seu método – “de manhã estudava duas
disciplinas, à tarde, outras duas, sempre sozinho” – o que lhe valeu ter
20 a todas as disciplinas em ciência e tecnologia (menos um valor a
Educação Física) na secundária Dr. António Granjo, em Chaves. Por fim,
as fases de transição são o teste da verdade. Que o diga Filipa Martins,
25 anos, que saiu com a nota mais alta das três escolas do Norte e
entrou em medicina com média de 19,6: “Quando se passa do liceu para o
ensino superior é um choque: o volume de matéria aumenta imenso; percebi
que era impossível saber tudo e aprendi a selecionar.”
Dicas para os pais
A
primeira vez que a criança vai para a creche ou para a escola nova não
precisa de ser vivida com um “ai que se me parte o coração”. Ninguém
melhor do que os filhos para captar e espelhar as emoções dos pais:
quanto mais ansiosos eles estiverem, pior. O que fazer? Encare a compra e
organização do material escolar como uma oportunidade para partilhar
atividades e criar memórias futuras do início do ano letivo. As rotinas
familiares continuam a existir, mas com ajustes: a roupa e a mochila
preparadas de véspera, seguidas de um momento de descontração antes de
dormir, permitem um despertar tranquilo e tempo para um pequeno-almoço
ou viagem até à escola sem pressas. Durante a semana, é possível
conciliar o tempo dedicado às tarefas escolares, em local próprio e com
gadgets em modo silencioso, com lutas de almofadas e brincadeiras
parecidas. O corpo agradece e a cabeça também, já que estar parado e em
posturas incorretas cria tensão e mal-estar físico, com impacto nas
funções cerebrais e no humor. Reserve alguns minutos do dia para
desfrutar das interações com a prole, que dá muito valor à atenção dos
crescidos, esses seres imperfeitos que os amam. E provam-no quando dizem
“sim” e “não” sem vacilar e estão lá para ajudá-los a crescer, a serem
crianças felizes e alunos saudáveis.
Métodos para cada idade
0 – 3 anos
Constroem-se os grandes pilares da aprendizagem. Treino das capacidades
psicomotoras, sociais e afetivas. Os neurónios mais usados mantêm-se,
os outros desaparecem. Recomenda-se brincadeiras que permitam interagir,
explorar os cinco sentidos e proporcionar prazer. As birras não devem
ser levadas a peito pelos pais e o tempo de sono deve durar entre 11 e
14 horas.
3 – 7 anos Aprendem através do
exemplo, por imitação e repetição, que fortalecem redes neuronais e o
treino da linguagem e dos hábitos de estudo. Precisam de dormir entre 7 e
12 horas e de ter brincadeiras não estruturadas. A linguagem e a
memória consolidam-se com hábitos de estudo e planificação: ambiente
tranquilo, sala própria e material arrumado, tempo para os TPC. A
personalidade começa a ganhar forma e a aposta recai nas tarefas e jogos
que exijam paciência, controlo dos impulsos e capacidade de lidar com
emoções básicas (medo, raiva, tristeza, surpresa, nojo, felicidade).
7 – 12 anos
Aprendizagem das operações complexas (lógicas) e controlo de
sentimentos. Investimento na organização do tempo e método; tirar notas
nas aulas, 10 minutos de pausa por cada hora de trabalho em casa, mapas
conceptuais, ler em voz alta, usar exemplos práticos, intercalados com
tempos livres e atividades em grupo. Tempo de sono recomendado deve
durar 9 a 11 horas. Mudanças hormonais da puberdade e treino das emoções
secundárias (empatia, desgosto, frustração). Testam-se limites e
consequências (responsabilidade) e dá-se início à gestão do dinheiro de
bolso, saídas fora da escola e outras tarefas (TPC, arrumar o quarto,
passear o cão). Erros de comportamento devem ser corrigidos à medida que
surgem, sem excesso de autoridade – nem de permissividade.
12 – 15 anos
Pensamento abstrato permite construir hipóteses e fazer planos a longo
prazo. O despertar da sexualidade e das emoções complexas surge a par da
experimentação e do aumento das distrações. Vale a pena apostar em
atividades que promovam a resistência à frustração. O cérebro precisa de
10 horas diárias de sono e pausas frequentes dos estímulos luminosos
(gadgets e afins). A influência dos pais é essencial, sobretudo na
aceitação de pontos de vista discordantes e na atribuição de autonomia
ao adolescente.
16 – 25 anos Cérebro mais apto a
identificar erros e consolidar matérias, na interação com colegas.
Recomenda-se 7 a 9 horas de sono. Pressão para o sucesso gera ansiedade,
que pode reduzir-se se existir um plano de vida e exposição a
experiências de contacto com diferentes caminhos possíveis.
Fontes: Orientações internacionais e conversa com o neuropsicólogo Fernando Rodrigues e a coach parental Cristina Valente
Atividades extracurriculares: a mais ou a menos?
“Vai
agora ou só quando já puder ir sozinho?”; “Deve continuar na música
depois de ter más notas e arriscar-se a chumbar outra vez?”; “Ela quer
fazer ioga. mas nós achamos que é melhor o karaté”. Pois. O tema
constitui uma dor de cabeça para muitas famílias, mas a solução está no
problema. E há alguns passos que pode seguir:
- Observe a
criança e perceba se ela tem uma parte do dia livre de regras. A
criatividade manifesta-se nesses “espaços vazios”. Só depois deve
ponderar atividades estruturadas.
- Identifique os talentos dos filhos e o que os motiva (estar com meninos com interesses parecidos fora da escola, praticar um desporto em que se sentem confiantes, etc).
- Se tem filhos adolescentes que querem desenvolver mestria numa área sem prejuízo das responsabilidades escolares, encare a opção como uma mais-valia para a identidade e um meio de prevenir comportamentos de risco.
- Respeite as preferências deles (que hoje o são, mas amanhã talvez não) sem deixar que as suas interfiram no caminho e, pior, que a atividade se torne em mais uma fonte de stresse ou de pressão para o sucesso.
- Lembre-se que a ideia é divertirem-se e treinarem capacidades que podem conduzir a novas amizades e papéis sociais e profissionais.
Fonte: Visão
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