Directores de escolas reivindicam fim da aplicação de coimas e processos
disciplinares mais “céleres e eficazes”, a par da necessidade de mais
psicólogos para lidar com o insucesso e a indisciplina.
O artigo que prevê a aplicação de
coimas aos pais que não cumpram os seus deveres perante a escola devia
desaparecer do Estatuto do Aluno, defende Adelino Calado, director do
Agrupamento de Escolas de Carcavelos. Para este professor, “a solução para os problemas da escola e da indisciplina
dos alunos não pode estar na aplicação de multas a famílias que se
debatem com tantas dificuldades financeiras”. O Ministério da Educação
(ME) reconheceu que nenhuma coima foi aplicada aos pais, desde que
aquela possibilidade entrou em vigor, no ano lectivo 2012/13. Mesmo
assim, adiantou ao PÚBLICO, “não estão previstas iniciativas imediatas
de revisão da lei”.
O director do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, que se notabilizou por ter acabado com os TPC e com os chumbos
nas escolas que dirige, lembra que “quem levanta problemas
disciplinares são em regra miúdos com dificuldades e vida familiar
conturbada”. “O que devia era haver uma maior integração das famílias na
solução dos problemas e isso não passa pela aplicação de multas”,
insiste. E Adelino Calado não está sozinho na reivindicação de mudanças
no Estatuto do Aluno (EA). “Se fosse ministro, acabava com essa
possibilidade de multar os pais”, preconiza também Filinto Lima,
presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e
Escolas Públicas (ANDAEP).
Se, por um lado, as coimas aos pais (que podem ser substituídas pela
perda de benefícios sociais, como a acção social escolar) não se mostram
exequíveis, há outras medidas previstas no EA que não avançam por falta
de meios. “Era bom que se pudesse dar cumprimento ao que está no
estatuto em termos de equipas multidisciplinares nas escolas que, pura e
simplesmente, não existem. Num momento em que a escola cobre quase tudo
aquilo que a família não consegue fazer, era importante termos um
psicólogo clínico e um assistente social. São dois elementos
fundamentais e cujo papel está a ser feito pelos professores, que, com
muito custo, acompanham as famílias disfuncionais, aqueles miúdos a que
costumo chamar os ‘órfãos de pais vivos’. E são estes os miúdos que
depois acabam por ter os problemas disciplinares”, aponta Adelino
Calado.
Nas contas do presidente da ANDAEP, Portugal apresenta uma
média de um psicólogo para 1700 alunos, contra uma média europeia de um
psicólogo para 1000 alunos. “E em termos de psicólogos, não estando
bem, até estamos muito melhor do que há uns anos. Agora, continuam a
faltar assistentes sociais, que são imprescindíveis no combate ao
insucesso escolar e na redução do abandono”, sublinha Filinto Lima.
Alunos sem expulsões
Define o EA, no seu artigo 35.º, que
todas as escolas ou agrupamentos podem constituir uma equipa
multidisciplinar destinada a acompanhar em permanência os alunos com
dificuldades de aprendizagem, risco de abandono escolar ou que se
encontrem à beira de ultrapassar os limites de faltas. Daquelas equipas
deveriam fazer parte docentes, psicólogos ou outros técnicos e serviços
especializados, médicos escolares ou que prestem apoio à escola e os
serviços de acção social escolar, entre outros.
Destes
profissionais dependeria também a promoção de sessões de capacitação
parental que as comissões de protecção ou os tribunais entendessem como
necessárias para os tais pais faltosos — os mesmos que, à luz deste
estatuto, teriam sido objecto das multas.
“Nunca me senti tentado a isso”, conta Filinto Lima. “Temos muita
gente na escola que luta com dificuldades, pais desempregados, e a
escola ia hostilizar ainda mais aqueles pais?! Aí a escola estaria a
fazer parte do vírus, em vez de ajudar à cura”, acrescenta.
Quanto aos alunos, e numa lógica de reforço da autoridade do professor
e das escolas que há muito vinha sendo reclamado, a lei n.º 51/2012
também reintroduziu a possibilidade de expulsão dos estudantes,
reforçada pela impossibilidade de estes regressarem à escola nos dois
anos escolares seguintes. Tal medida carece da luz verde do
director-geral da Educação e implica a maioridade do aluno.
Ao
PÚBLICO, o ME adiantou que não registou qualquer expulsão no decurso do
último ano lectivo. Transferências de escola, sim. Até ao início do 2.º
período, eram 57 os alunos que tinham sido forçados a mudar de escola
como resposta a mau comportamento. Mais leves, as suspensões de alunos
por um período superior a três dias iam em 74, no início do 3.º período,
segundo o Gabinete de Segurança do ME. Na prática, terão sido mais.
Porque só quando excedem os três dias úteis é que estas penas saem da
alçada dos directores para os serviços do ministério, ou seja, tudo o
que varie entre os quatro e os 12 dias de suspensão obriga à instauração
de um processo disciplinar.
Escolas judicializadas
E aqui também são reclamadas mudanças.
“Instaurar um processo disciplinar a um aluno é um procedimento quase
do género dos tribunais, como se quisessem judicializar as escolas.
Claro que o contraditório tem de ser feito, mas as diligências são
muitas e os prazos demasiado longos. E as escolas não são tribunais, não
têm especialistas a instruir processos disciplinares, o que leva a que a
pena seja aplicada muitas semanas e a que o efeito disciplinar da
medida se esvaia entretanto”, critica Filinto Lima, reivindicando assim
procedimentos “mais simples e mais céleres, logo mais eficazes”.
Os problemas não se esgotam aqui.
Ao abrigo do EA, os pais devem ser chamados à escola logo que o aluno
atinja metade dos limites de faltas. E, na impossibilidade de isto
acontecer, compete às escolas notificar a comissão de protecção de
crianças e jovens (CPCJ) da área de residência ou, na falta desta, o
Ministério Público, “de forma a procurar encontrar, com a colaboração da
escola e, sempre que possível, com a autorização e co-responsabilização
dos pais ou encarregados de educação, uma solução adequada ao processo
formativo do aluno e à sua inserção social e socioprofissional”. Faz
sentido, em teoria. “O que sucede é que normalmente as CPCJ têm muito
trabalho e poucas pessoas. E os processos arrastam-se, sem que os
serviços consigam dar resposta às participações ou queixas que as
escolas lhes fazem chegar”, diz o presidente da ANDAEP.
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