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domingo, 6 de novembro de 2016

Estatuto do Aluno com zero multas a pais por indisciplina dos filhos

Directores de escolas reivindicam fim da aplicação de coimas e processos disciplinares mais “céleres e eficazes”, a par da necessidade de mais psicólogos para lidar com o insucesso e a indisciplina.

O artigo que prevê a aplicação de coimas aos pais que não cumpram os seus deveres perante a escola devia desaparecer do Estatuto do Aluno, defende Adelino Calado, director do Agrupamento de Escolas de Carcavelos. Para este professor, “a solução para os problemas da escola e da indisciplina dos alunos não pode estar na aplicação de multas a famílias que se debatem com tantas dificuldades financeiras”. O Ministério da Educação (ME) reconheceu que nenhuma coima foi aplicada aos pais, desde que aquela possibilidade entrou em vigor, no ano lectivo 2012/13. Mesmo assim, adiantou ao PÚBLICO, “não estão previstas iniciativas imediatas de revisão da lei”.

O director do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, que se notabilizou por ter acabado com os TPC e com os chumbos nas escolas que dirige, lembra que “quem levanta problemas disciplinares são em regra miúdos com dificuldades e vida familiar conturbada”. “O que devia era haver uma maior integração das famílias na solução dos problemas e isso não passa pela aplicação de multas”, insiste. E Adelino Calado não está sozinho na reivindicação de mudanças no Estatuto do Aluno (EA). “Se fosse ministro, acabava com essa possibilidade de multar os pais”, preconiza também Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

Se, por um lado, as coimas aos pais (que podem ser substituídas pela perda de benefícios sociais, como a acção social escolar) não se mostram exequíveis, há outras medidas previstas no EA que não avançam por falta de meios. “Era bom que se pudesse dar cumprimento ao que está no estatuto em termos de equipas multidisciplinares nas escolas que, pura e simplesmente, não existem. Num momento em que a escola cobre quase tudo aquilo que a família não consegue fazer, era importante termos um psicólogo clínico e um assistente social. São dois elementos fundamentais e cujo papel está a ser feito pelos professores, que, com muito custo, acompanham as famílias disfuncionais, aqueles miúdos a que costumo chamar os ‘órfãos de pais vivos’. E são estes os miúdos que depois acabam por ter os problemas disciplinares”, aponta Adelino Calado.

Nas contas do presidente da ANDAEP, Portugal apresenta uma média de um psicólogo para 1700 alunos, contra uma média europeia de um psicólogo para 1000 alunos. “E em termos de psicólogos, não estando bem, até estamos muito melhor do que há uns anos. Agora, continuam a faltar assistentes sociais, que são imprescindíveis no combate ao insucesso escolar e na redução do abandono”, sublinha Filinto Lima.

Alunos sem expulsões

Define o EA, no seu artigo 35.º, que todas as escolas ou agrupamentos podem constituir uma equipa multidisciplinar destinada a acompanhar em permanência os alunos com dificuldades de aprendizagem, risco de abandono escolar ou que se encontrem à beira de ultrapassar os limites de faltas. Daquelas equipas deveriam fazer parte docentes, psicólogos ou outros técnicos e serviços especializados, médicos escolares ou que prestem apoio à escola e os serviços de acção social escolar, entre outros.

Destes profissionais dependeria também a promoção de sessões de capacitação parental que as comissões de protecção ou os tribunais entendessem como necessárias para os tais pais faltosos — os mesmos que, à luz deste estatuto, teriam sido objecto das multas.

“Nunca me senti tentado a isso”, conta Filinto Lima. “Temos muita gente na escola que luta com dificuldades, pais desempregados, e a escola ia hostilizar ainda mais aqueles pais?! Aí a escola estaria a fazer parte do vírus, em vez de ajudar à cura”, acrescenta.

Quanto aos alunos, e numa lógica de reforço da autoridade do professor e das escolas que há muito vinha sendo reclamado, a lei n.º 51/2012 também reintroduziu a possibilidade de expulsão dos estudantes, reforçada pela impossibilidade de estes regressarem à escola nos dois anos escolares seguintes. Tal medida carece da luz verde do director-geral da Educação e implica a maioridade do aluno.

Ao PÚBLICO, o ME adiantou que não registou qualquer expulsão no decurso do último ano lectivo. Transferências de escola, sim. Até ao início do 2.º período, eram 57 os alunos que tinham sido forçados a mudar de escola como resposta a mau comportamento. Mais leves, as suspensões de alunos por um período superior a três dias iam em 74, no início do 3.º período, segundo o Gabinete de Segurança do ME. Na prática, terão sido mais. Porque só quando excedem os três dias úteis é que estas penas saem da alçada dos directores para os serviços do ministério, ou seja, tudo o que varie entre os quatro e os 12 dias de suspensão obriga à instauração de um processo disciplinar.

Escolas judicializadas

E aqui também são reclamadas mudanças. “Instaurar um processo disciplinar a um aluno é um procedimento quase do género dos tribunais, como se quisessem judicializar as escolas. Claro que o contraditório tem de ser feito, mas as diligências são muitas e os prazos demasiado longos. E as escolas não são tribunais, não têm especialistas a instruir processos disciplinares, o que leva a que a pena seja aplicada muitas semanas e a que o efeito disciplinar da medida se esvaia entretanto”, critica Filinto Lima, reivindicando assim procedimentos “mais simples e mais céleres, logo mais eficazes”.

Os problemas não se esgotam aqui. Ao abrigo do EA, os pais devem ser chamados à escola logo que o aluno atinja metade dos limites de faltas. E, na impossibilidade de isto acontecer, compete às escolas notificar a comissão de protecção de crianças e jovens (CPCJ) da área de residência ou, na falta desta, o Ministério Público, “de forma a procurar encontrar, com a colaboração da escola e, sempre que possível, com a autorização e co-responsabilização dos pais ou encarregados de educação, uma solução adequada ao processo formativo do aluno e à sua inserção social e socioprofissional”. Faz sentido, em teoria. “O que sucede é que normalmente as CPCJ têm muito trabalho e poucas pessoas. E os processos arrastam-se, sem que os serviços consigam dar resposta às participações ou queixas que as escolas lhes fazem chegar”, diz o presidente da ANDAEP.

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