Maria Mariá de Castro Sarmento nasceu no dia 16 de junho de 1917 em um povoado nos arredores da cidade de União dos Palmares
Maria Mariá de Castro Sarmento nasceu no dia 16 de junho de 1917 em um povoado nos arredores da cidade de União dos Palmares, onde se localiza hoje a Usina Laginha. Era filha de Sílvio de Mendonça Sarmento, o tabelião da cidade, e de Ernestina de Castro Sarmento. Teve os seguintes irmãos: Maria Luísa, Paulo, José Sílvio, Luís e Maria Sílvia.
Seus primeiros estudos foram no Grupo Escolar Rocha Cavalcanti, em União dos Palmares. Já em Maceió, completou a sua educação formal na Escola Normal. Além da formação profissional como professora, amplia seus conhecimentos lendo revistas, jornais e escritores consagrados como Tolstoi, Dostoievski, De Saint Exupéry, Emile Zola, Camões, Eça de Queirós, Florbela Espanca, Machado de Assis, Érico Veríssimo, Jorge Amado, José de Alencar e Monteiro Lobato, entre outros. Nos anos 1960, voltou a estudar e concluiu o curso técnico de contabilidade.
Com esta formação, alcançou um nível de conhecimento que a destacou como professora e a transformou em referência cultural na sua cidade, para onde voltou após concluir o curso Normal. De tanto ser solicitada para ajudar na redação de discursos, falar em público ou resolver dúvidas de gramática, ficou conhecida como o “dicionário ambulante”.
Seu primeiro emprego foi como professora. Nomeada em janeiro de 1943, ocupou inicialmente a função de estagiária no povoado da Fazenda de Santo Antônio, em União dos Palmares. Quando concluiu o estágio probatório em 1944, foi transferida para o Grupo Escolar Rocha Cavalcanti.
Fim da palmatória
Demonstrando espírito de decisão, modificou práticas tradicionais das escolas daquela época, abolindo o uso da palmatória, classificada por ela como “um instrumento de tortura”, e eliminou a “pedra’ que os alunos carregavam quando precisavam ir ao banheiro.
Em 1955, assumiu a direção do Grupo Escolar Jorge de Lima e, no ano seguinte, passou a dar aulas de gramática no Ginásio Santa Maria Madalena, da Campanha de Escolas da Comunidade – CNEC. Oito anos depois assumiu a 7ª Inspetoria Regional.
Insatisfeita com a situação de abandono da educação na região, publicou na Gazeta de Alagoas de 28 de abril de 1963 uma carta aberta ao então Diretor da Educação do Estado, sem temer pela perda da função ou qualquer outra perseguição política.
De tanto escrever para jornais, foi credenciada como jornalista pela Associação Alagoana de Imprensa em 17 de dezembro de 1965, recebendo o registro número 218.
À frente do seu tempo
Enfrentando tabus, foi a primeira mulher em União dos Palmares a usar calça comprida. Era acusada de se vestir como homem. Além disso, era vista disputando jogos de sinuca, dominó, baralho e gamão com os homens da cidade.
Não sendo casada, nada a impedia de frequentar o mundo boêmio de sua cidade, mesmo sabendo que chocava as tradicionais famílias locais. De alma inquieta e festeira, fumava em público, tocava violão, bebia nos bares e botecos, promovia vaquejada, incentivava a criação de blocos carnavalescos e, com seu irmão Paulo, participava de um deles – “O Bando de Lampião” – fantasiada de Maria Bonita. O mais curioso é o respeito que impunha: fosse nos botecos ou nas grandes festas sociais da cidade, era tratada como uma mulher de coragem e culta.
Mariá organizou vários eventos culturais em União dos Palmares como: 1ª Festa da Mocidade, Grupo Dramático de Atores Amadores, festas de formatura, bingos beneficentes, fundação da Biblioteca Pública Municipal Jorge de Lima, sendo a primeira bibliotecária do município.
Participou ainda da organização dos festejos de inauguração da iluminação pública da cidade, lutou bravamente pelo tombamento da Serra da Barriga, presidindo a comissão que organizou o evento, e pela criação de um Parque Histórico de preservação da memória heroica da Nação Zumbi.
Foi ainda grande incentivadora das manifestações folclóricas da região da Mata e, principalmente, apaixonada pelo texto de cordel, que lia avidamente e sabia recitar muitos deles de memória.
Em 1956, vestiu um maiô, se deixou fotografar às margens do rio Mundaú e mostrou as fotos para as alunas do Grupo Escolar Jorge de Lima, que ficaram deslumbradas com a professora. O acontecimento desagradou a direção da escola que exigiu das autoridades da educação um castigo para a “devassa”.
Punida com o exílio, foi transferida para a cidade de Murici, lecionando no Grupo Escolar Professor Loureiro, permanecendo nessa instituição por seis meses. O que as autoridades não contavam era com a repercussão que o fato passou a ter: ela havia “feito escola” e suas seguidoras não deixaram o caso cair no esquecimento.
A transferência causou um profundo descontentamento nas suas alunas e se transformou em um caso político. As alunas resolvem acampar na porta do palácio do governo, em Maceió, exigindo do então governador do Estado, Muniz Falcão, que cancelasse a punição imposta à mestra.
O acontecimento ganhou a manchete nos jornais e, diante da pressão dos jovens acampados na praça, o governador recebe a comitiva em audiência e decide pelo retorno de Mariá. No dia seguinte, 19 de abril de 1956, o Jornal de Alagoas apresenta a seguinte manchete: Ginasianas de União dos Palmares estiveram com o governador a propósito do caso da prof. Mariá. Volta a União dos Palmares e é recebida com respeito e carinho.
Logo estava novamente envolvida com outra luta e entra em confronto direto com vários interesses políticos, econômicos e religiosos para defender o que ela considerava “patrimônio da terra”: a Igreja Matriz ia ser demolida.
O projeto era que ela fosse “substituída por uma construção quadrada, sem estilo definido, parecendo um armazém, uma casa comercial, um salão de dança, tudo menos um local para preces e meditações” (Gazeta de Alagoas, 13 de março de 1977).
Mesmo sendo ateia, o que não a impedia de conversar com o pároco e criticá-lo por ele ser estrangeiro e não conhecer os valores e os interesses da comunidade, ficou indignada quando soube que a velha Matriz seria demolida, e iniciou a mobilização da comunidade dizendo que ela era quem devia decidir por meio de plebiscito e ataca o vigário e alguns conterrâneos por não ouvirem os moradores.
Colecionadora
Sempre preocupada com a preservação da cultura de Alagoas e, em especial, de União dos Palmares, desde muito cedo Maria Mariá adquiriu o hábito de guardar e colecionar todo e qualquer objeto que considerava de valor histórico.
Morando sozinha, transformou a sua residência, uma casa que pertencera à família do poeta Jorge de Lima, em um museu. Lá, em meio a belos móveis que remontam ao século XIX, reuniu um enorme acervo, tudo devidamente catalogado, segundo o seu critério: selos, dinheiro de várias épocas, placas com nomes de rua, revistas “Manchete”, “Fato e Fotos” e “Seleções”, livros (uma média de 240 volumes), folhetos de cordel, artigos de jornais da época, as pedrinhas que os alunos usavam para irem ao banheiro, telhas e pedaços de portas e janelas da igreja demolida e de casas antigas, ricas peças de louças, porcelanas raras, cerâmica, máquinas de datilografia, relógios, instrumentos musicais, fotografias e objetos curiosos como “uma xícara de bigode”, usada no começo do século XX por homem que tinha bigode.
No dia 28 de fevereiro de 1993, às 10h20min de um dia ensolarado de domingo, vítima de um infarto agudodo miocárdio, aos 76 anos de idade, morreu Maria Mariá. Solitária, desiludida e desencantada. A guerreira, afinal, despe as armas de combate.
E, assim como viveu, desnudando-se diante da vida, assim também morreu. Ao ser encontrada morta, debruçada sobre o penteador, Mariá estava totalmente despida. A simbologia desse último gesto parece representar o esforço derradeiro dessa guerreira que lutou até o fim para vencer preconceitos e tabus.
A partir de então, União dos Palmares não mais se inscreve apenas como a cidade de Jorge de Lima e de Zumbi, mas também como a terra de Maria Mariá.
Em 2004, recebeu a “Comenda do Mérito Educativo Alagoano”, concedido pelo Conselho Estadual de Educação.
Fotos: Arquivo fotográfico pertencente ao acervo de Maria Mariá e divulgação da Casa Cultural Maria Mariá.
Fonte de pesquisa: BOMFIM, Edilma Acioli. Mulheres Alagoanas: Memória Feminina de Alagoas.
Jornal Gazeta de Alagoas. Maceió, 03 de agosto de 2001.
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