É fundamental questionar e repensar modos de recrutamento e
seleção de professores, mas também refletir sobre a sua formação, inicial e
contínua, e já agora sobre a sua avaliação, de modo consistente.
Num tempo em que se vive nas escolas o final do ano letivo e
se inicia a época de exames, momentos decisivos para muitos alunos (este ano
marcados pela contestação dos sindicatos dos professores com greves às
avaliações), julgo que vale a pena pensar sobre o lugar da Educação na nossa
sociedade. Trata-se de uma breve reflexão sobre um tema que, na minha
perspetiva, é, muitas vezes, encarado de forma paradoxal na medida que é
valorizado no discurso como um fator decisivo para o desenvolvimento do país,
mas é igualmente objeto de uma menor atenção se comparado com outros temas em
termos de investimento e da centralidade que assume no espaço público.
É certo que a Educação constitui um esforço de todos
(políticos, professores, pais, alunos, investigadores, etc.) pela sua
importância decisiva na transformação da sociedade e no desenvolvimento das
gerações futuras, mas importa perguntar qual é o verdadeiro valor da Educação?
Até que ponto se lhe atribui, na prática, o lugar de destaque que merece
(sobretudo se a compararmos com outros temas)? Atentemos, por exemplo, no modo
como ela é encarada no espaço mediático onde se assiste, diariamente, a temas
recorrentes e discutidos à exaustão, em horas e horas de debates na televisão e
páginas e páginas nos jornais (já para não falar das redes sociais). Por outro
lado, para além dos assuntos laborais, que são, sem dúvida importantes, que
outros aspetos são discutidos no espaço mediático? Que lugar ocupa o trabalho
das escolas, dos professores e dos alunos? De que modo se valoriza (ou não) a
Educação como fator crucial para o desenvolvimento da sociedade e para a
formação de cidadãos ativos? O que se conhece (ou não) sobre o que se tem vindo
a fazer na investigação educacional e até que ponto ela é objeto de interesse e
discussão? Qual é o lugar da investigação em educação e de que modo ela informa
políticas e práticas?
Neste âmbito há uma constatação óbvia a fazer que se verifica
em muitos países e também no nosso. É difícil resistir à tentação da mudança no
campo da educação; sempre que há um novo governo há uma nova mudança, muitas
vezes sem ter existido uma avaliação aprofundada e consequente das políticas
desenvolvidas neste setor. A mudança é necessária, mas ela implica tempo, é um
processo (e não um acontecimento) e requer o envolvimento dos agentes
educativos, nomeadamente dos professores e dos alunos. Quais são os efeitos
reais das medidas políticas na vida das escolas e dos professores e
fundamentalmente nas aprendizagens e resultados escolares dos alunos?
A estabilidade e avaliação das políticas educativas e
curriculares constitui um dos aspetos centrais na análise do sucesso dos
sistemas educativos, assim como a valorização dos recursos humanos e as
condições de realização do ensino e da aprendizagem nas escolas e nas salas de
aula. Num estudo que realizamos, os professores admitiram que aumentou a
burocracia (95,4%), que se acentuaram as críticasem relação ao seu trabalho
(92,2%) e que aumentaram o controlo sobre o seu trabalho (75,6%) e a exigência
de prestação pública de contas (74,6%). Além disso, uma larga maioria de
professores refere que a informação veiculada pela comunicação social tem
diminuído o prestígio da profissão (90,0%).
O mesmo estudo aponta para vários
temas que emergiram da análise do trabalho das escolas e dos professores: i) a
intensificação e a burocratização do trabalho docente – relacionadas com o
forte aumento do volume de trabalho, a diversificação de funções e de tarefas,
a pressão dos prazos, a ocupação do tempo e o dispêndio de energia em tarefas
burocráticas, que os professores consideram inúteis e ineficazes, desviando a
atenção do que constitui a essência da sua profissão: ensinar. Esta asfixia
burocrática que reina nas escolas acaba por retirar tempo e espaço aos
professores para se dedicarem a tarefas didáticas e pedagógicas e diminuir a
capacidade de reflexão em relação ao seu trabalho; ii) aprecariedade laboral e
o empobrecimento dos professores – associados à instabilidade profissional, à
fragilidade dos vínculos contratuais, à ausência de perspetivas de progressão
na carreira, entre outros fatores de natureza laboral; iii) a degradação da
condição docente e da imagem social dos professores – assente, muitas vezes, em
“narrativas” redutoras e simplistas sobre as escolas e os professores
disseminadas no espaço mediático; iv) a tensão entre o desânimo e a resignação
e a energia e a resiliência dos professores que decorre, por um lado, da
intensificação do seu trabalho, da desconfiança e questionamento da imagem
social dos professores, de perda de estatuto social e económico, da profusão
legislativa e da avalanche de tarefas e responsabilidades com que são obrigados
a lidar diariamente e, por outro, dos seus valores profissionais e do trabalho
diário com os alunos.
Num outro estudo mais recente, quando se perguntou aos
professores “se pudessem, abandonariam o ensino?”, 41,0% responderam não, mas
27,0% admitiram que sim e 32,0% optaram pelo talvez. As razões são várias e já
conhecidas (que outras investigações também revelaram) mas são recorrentes as
referências ao cansaço, à desmotivação, à tristeza, à desilusão e ao desgaste.
São notas preocupantes que se prendem com a condição docente e com os fatores a
que anteriormente aludimos: a burocracia asfixiante que condiciona o trabalho
das escolas e dos professores, o “tsunami” legislativo que invade as escolas, a
falta de reconhecimento do seu trabalho, a ineficácia das mudanças políticas na
prática, mas também aspetos ligados à cultura e às lideranças escolares. Os
professores que se dizem motivados e enérgicos referem-se sobretudo ao seu
trabalho com os alunos na sala de aula e à essência da sua profissão e, nalguns
casos, ao bom ambiente e às relações profissionais positivas com os colegas. A
sala de aula emerge como espaço de autonomia e realização profissional por
excelência, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades, pois, para
muitos professores, é aí que podem exercer o seu profissionalismo e envolver-se
na criação de um clima positivo capaz de contribuir para o desenvolvimento de aprendizagens
de qualidade com os alunos e de fomentar relações afetivas construtivas.
Num ano em que se comemora o 50º aniversário de uma obra que
marcou, de forma indelével, os estudos educacionais, intitulada “A vida nas
aulas” (Life in Classrooms), do norte-americano Philip W. Jackson, vale
a pena recentrar e valorizar o trabalho diário dos professores. Jackson decidiu
entrar na sala de aula e estudá-la a partir de uma nova perspetiva e para além
do óbvio. Entre outros aspetos, na sua obra, publicada em 1968, destacam-se as
ideias de “currículo oculto”, “afã quotidiano do ensino”, “as consequências não
intencionais”, “os processos mentais” e “as conceções implícitas” dos
professores chamando a atenção para a complexidade, multidimensionalidade e
simultaneidade do ensino e para a necessidade de encontrar “o extraordinário no
ordinário”. Ele acreditava que “as crianças têm a capacidade de ver o
extraordinário no ordinário” e que as salas de aula eram “lugares especiais”.
Jacskon também notou que os alunos gastavam parte do seu tempo à espera que
algo acontecesse: à espera que o professor lhes desse os materiais, à espera
que os alunos que necessitavam de mais tempo para responder às questões o
fizessem; à espera que a campainha tocasse, etc. E hoje? Hoje, na era digital,
os desafios são outros e as dificuldades são diversas, mas também existem
outras possibilidades. Talvez os alunos ainda continuem à espera que algo
aconteça…
Há, sem dúvida, aspetos que melhoraram, de forma
significativa, na Educação em Portugal nas últimas décadas, mas há ainda temas
que merecem atenção, que não são consensuais mas que são importantes, e eu até
diria urgentes. Para além das condições de realização do ensino e da
aprendizagem nas escolas e nas salas de aula, onde é necessária “mais pedagogia
e menos burocracia” (como referem reiteradamente os professores nos estudos
referidos anteriormente), é fundamental questionar e repensar modos de
recrutamento e seleção de professores, mas também refletir sobre a sua
formação, inicial e contínua, e já agora sobre a sua avaliação, de modo
consistente, participado e consequente. É essencial investir na Educação de
modo a que ela assuma a centralidade que lhe é atribuída no discurso, o que
passa, entre outras vertentes, por uma maior atenção e visibilidade no espaço
público.
Professora na Universidade do Minho, Investigadora no Centro
de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) e presidente da International
Study Association on Teachers and Teaching (ISATT)
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute
temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.
Fonte: Observador
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