Coordenadora pedagógica define o
que é dar uma aula boa aos alunos e cita o exemplo de uma atividade
proposta pelo professor de Matemática Fernando Trevisani
A experiência
de 40 anos no Magistério me fez montar a seguinte equação: a vontade dos
alunos de irem ao banheiro é diretamente proporcional à qualidade da
aula. Quando estamos assistindo a um bom filme na televisão e sentimos
vontade de ir ao banheiro, ficamos torcendo pela chegada do intervalo
para que não percamos nada de interessante. Pois, sentir-nos-íamos
lesados se perdêssemos, mesmo que poucos minutos, daquele envolvente
enredo.
Durante as aulas,
esse comportamento se repete. A aula bem planejada, diversificada e
criativa prende a atenção do aluno do início ao fim, e não raro ao seu
término, ouvimos: “Já?”, “Nossa, como passou rápido!”.
Em contrapartida,
uma aula mal preparada, mal calibrada e desinteressante, em poucos
minutos, desencadeia uma romaria itinerante ao banheiro, com direito a
falas como: “Depois do João e do Pedro, posso ir?”.
Fuga! Melhor
passear um pouco pela escola, ver outras pessoas, verificar a
temperatura, ou seja, qualquer coisa é melhor do que sucumbir a uma
visível e, por vezes, risível, improvisação pedagógica.
Boa aula x aula sofrível
O que determina a
distância entre uma boa aula e uma aula sofrível? Genialidade, talento,
dom divino? Não. Planejamento, domínio, criatividade e, acima de tudo,
vontade. Vontade? Sim, vontade e, ampliando um pouco mais, generosidade.
Ser generoso em
nosso tirocínio implica visualizar, em nossa vida diária, a
possibilidade de aproveitamento de toda e qualquer cena cotidiana como
nutrição para o nosso fazer pedagógico. Desde filmes, teatros e livros
até lugares, saberes e sabores que desfrutamos diariamente. A mim me
encanta essa fusão “vidaaula” porque sempre encarei a vida como a nossa
grande e definitiva escola.
Quantos de vocês, descansando durante um feriado, em uma hostel,
veriam ali um grande material para um desafio matemático que, além de
surpreender seus alunos os levaria a discutir o conceito de sistemas
lineares de maneira prática? Pois é, aprendamos essa experiência com o
professor de Matemática Fernando Trevisani:
Ao me deitar, fiquei pensando em quanto o dono do hostel poderia
faturar, considerando diferentes cenários de ocupação. Vi que teria de
fazer muitos cálculos e fiquei com preguiça, já eram quase 2h da manhã!
Percebi que a maneira mais rápida para obter o resultado seria
utilizando o conceito de sistemas lineares, conceito ensinado na 2ª
série do Ensino Médio. Eis que surge a ideia: por que meus alunos não
podem calcular isso pra mim? Levantei da cama, desci as escadas, gravei
um vídeo introdutório da atividade com um recepcionista, muito
simpático, em que apresentei o hostel e suas principais
características e, quando retornei de viagem, elaborei as questões da
atividade para ser desenvolvida em grupos.
O vídeo serviu para realizar a introdução da atividade que abordou o lucro máximo que o dono do hostel poderia
alcançar dependendo da ocupação dos diferentes tipos de quartos
(quatro, seis ou oito camas), a viabilidade da abertura de novos quartos
para uso com ocupação mínima e a elaboração, pelos alunos, de cenários
de ocupação que poderiam representar problemas para o dono. Foi só ao final da atividade que descobri o valor que o dono daquele hostel poderia ganhar se ele estivesse lotado e pensei: ainda bem que tenho alunos que podem calcular isso para mim!”
Durante toda a
atividade, prevista para duas aulas, nenhum aluno pediu para ir ao
banheiro e, mais impressionante: não repararam que o intervalo já havia
começado há 15 minutos.
Funciona assim.
*Jô Fortarel é coordenadora pedagógica de Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do Colégio Sidarta, em Cotia (SP)
Fonte: Estadão
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