É mais do que justa a comemoração anual que se faz em homenagem à raça negra
É mais do que justa a comemoração anual que se faz em
homenagem à raça negra, que, hoje, representa 54% do povo brasileiro. Se
significa a maioria, infelizmente, não é mais do que 4% da riqueza nacional, o
que mostra bem a diferenciação existente, ou seja, a desigualdade prevalecente
em nosso país.
Gosto das homenagens que são feitas à memória de Zumbi dos
Palmares. Em São Paulo, foi criada uma universidade com esse nome, o que pode
representar o auge do respeito ao grande herói nacional. No ano passado, por
iniciativa do seu reitor José Vicente, fui aquinhoado com o Troféu Raça Negra,
que guardo com muito carinho.
Sou um crítico ferrenho das nossas desigualdades. Quando
procurava o meu primeiro emprego de jornalista, no que fui ajudado pelo meu
irmão Odilon, tive a colaboração de Laerte Paiva, negro que estudava Direito
com o meu irmão, na Faculdade do Catete, e que acumulava as funções de
Secretário de Redação do jornal 'Última Hora'. Foi ele que me deu a chance, aos
16 anos, de ser colaborador do diário, então fazendo muito sucesso.
Mais tarde, efetivado nas Empresas Bloch e ocupando um cargo
de direção, retribuí o gesto do querido Laerte e empreguei o seu filho Tito,
que trabalhou comigo durante muitos anos. Não havia entre nós qualquer
discriminação por motivo de cor ou origem. Éramos como irmãos.
Mas essas coisas são raras. Estudei em escola pública, em São
Paulo, e no Rio de Janeiro, mas nas minhas turmas não havia meninos ou meninas
de cor. Por que isso? É um defeito grave da nossa sociedade.
Joguei voleibol no América F. C. Todo o time era de brancos.
O mesmo fenômeno aconteceu no time de basquete. No futebol, quando eu jogava no
infantojuvenil, em 1953, o time era todo de atletas brancos. Os negros do
primeiro time do América eram Gamba, Osni, Natalino e Maneco. Este tinha o
apelido de 'Saci do Irajá' (é o terceiro maior artilheiro do América e também
jogou na Seleção brasileira). Só vim a sentir o respeito à diferenciação no
basquete do Clube Municipal, onde fomos campeões da segunda divisão, e tínhamos
como pivô o negro Olímpio, que jogava uma barbaridade. Por que isso tem que
parecer uma exceção, quando deveria ser uma regra?
As manifestações culturais negras têm grande destaque no
cenário brasileiro. Machado de Assis, um dos criadores da Academia Brasileira
de Letras, era mulato e bisneto de escravos, além de ter nascido no Morro do
Livramento.
Outro escritor que marcou o nome na literatura nacional foi
Cruz e Sousa, carinhosamente chamado de 'Cisne Negro', que além de ser o nosso
maior poeta negro foi um dos precursores do simbolismo no Brasil.
Atualmente tenho grande orgulho da amizade que cultivo com o
cantor e compositor Martinho da Vila, que representa o que poderíamos chamar de
"o melhor da raça", pela simpatia e pelas obras lançadas.
Em 2008 foi lançado o livro '100 palavras para conhecer
melhor o Brasil', pela Edições Consultor, e o verbete "negritude"
coube ao nosso querido Haroldo Costa, escritor, ator, produtor e sambista
negro, que captou muito bem o sentido deste nobre sentimento. Vejamos um
pequeno trecho: "Negritude é o acúmulo da cultura afro-brasileira, através
das diversas manifestações culturais que formam o espectro geral do nosso comportamento".
Os exemplos listados por Haroldo Costa são variados:
Aleijadinho e Mestre Valentim (escultura), Jorge Amado (romance), Luiz Garcia,
Jorge de Lima e Solano Trindade (poesia) e Villa-Lobos, Heckel Tavares e
Lorenzo Fernandes (música).
Viva a cultura negra!
Fonte: O Dia
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