Como se faz um bom aluno?
O que é preciso para ser um bom aluno? De que
forma pais e escola podem ajudar no sucesso educativo? Professores e
especialistas dão algumas respostas.
As boas notas começaram a surgir no 10.º ano quando ingressou na Escola
Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. Até lá chegar, Jorge (nome
fictício) era um “aluno médio”. Do tipo: chega o três; não é preciso
estudar para o quatro. Qual a razão para a mudança?
Ao fazer o
exercício de olhar para trás, o aluno, atualmente no 12.º ano, percebe
que “muita coisa mudou”. Para começar pode, finalmente, frequentar a
escola para onde queria ser transferido desde o 7.º ano. Depois, ao
escolher o curso de Línguas e Humanidades, conseguiu um currículo com as
suas disciplinas preferidas: Língua Portuguesa, História, Filosofia,
Inglês. Nunca mais se contentou com a mediania dourada de até então. No
final do primeiro período a pauta mostrava muitas classificações acima
dos 15 valores.
Motivação e esforço. São duas palavras sem as
quais não se pode abordar o tema do “sucesso educativo”, dizem os
especialistas em pedagogia e psicologia. Como se faz um bom aluno? “A
resposta passa pela diferença entre ter rendimento e aprender”,
esclarece Ana Salgado, investigadora na área da autorregulação, na
Universidade do Minho.
Antes convém pensar no que significa
atualmente “ser bom aluno”. Será aquele aluno que consegue tirar 20 a
tudo? Ou que é capaz de resolver problemas? Ana Salgado prefere a
segunda visão. “Cada vez se reconhece mais a importância do aprender a
aprender. Saber onde estão os recursos, como os utilizar para resolver o
problema e aplicar o que se aprendeu a outros contextos.”
Para
Luísa Moreira, coordenadora nacional do FMS Fénix, um projeto contra o
insucesso escolar, entende que um bom aluno não acumula apenas
competências cognitivas, mas também sociais e emocionais. Importa que o
saber não ocupe espaço à consciência cívica e à interação social. Outro
aspeto importante, para se ser um bom aluno, diz a professora, é
“encarar a adversidade e o erro como algo natural que faz parte do
processo de aprendizagem”.
Vários estudos internacionais têm
mostrado o quanto o insucesso escolar não está apenas dependente da
escola e dos próprios alunos. A condição financeira das famílias pode
ser decisiva nesta equação.
O último relatório do PISA,
intitulado “Low Performing Students: Why They Fail and How to Help Them
Succeed”, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE), confirma precisamente isso. Na lista de fatores de
risco associados aos maus resultados dos alunos de 15 anos lê-se que “em
todos os países os alunos oriundos de meios socioeconómicos
desfavorecidos são mais suscetíveis de obter piores resultados que os
seus colegas mais favorecidos”.
O estudo reconhece ainda que a
autonomia das escolas é benéfica para os resultados dos alunos. Por um
lado, refere que a existência de recursos e a melhoria das
infraestruturas escolares são fatores importantes, mas só produzem
resultados até ao momento em que estão reunidas as condições mínimas de
qualidade. Significa que não basta aumentar os orçamentos na área da
educação para contrariar os maus resultados. É preciso pensar quando e
onde é necessário investir.
Dados nacionais resultantes de uma
avaliação dos percursos de sucesso dos alunos do 3.º ciclo em mil
escolas públicas, divulgados pelo Ministério da Educação a 24 de
fevereiro, confirmam a mesma desigualdade mostrada pela OCDE. Quanto
melhores são as condições económicas das famílias e mais alto o nível de
habilitações literárias das mães, melhores são os resultados dos
alunos.
Luísa Moreira concorda que “o sucesso educativo é
plural”. Significa que não depende só das motivações intrínsecas do
aluno, mas também dos contextos familiares e dos recursos da escola. “O
segredo está em construir uma resposta, tendo em conta toda esta
complexidade, atendendo aos desafios que os alunos colocam ao longo do
seu percurso escolar.”
Os docentes são uma espécie de terceira
pessoa deste plural. “Têm aqui um papel muito forte, pois é sabido que a
relação professor-aluno é fulcral para favorecer a aprendizagem dos
seus alunos”, lembra Luísa Moreira. E quanto à instituição educativa? As
expectativas sobre o papel a desempenhar no sucesso escolar dos alunos
são conhecidas: “A escola pode e deve mobilizar os seus recursos humanos
e materiais para potenciar condições favoráveis para que cada aluno, de
acordo com as suas características, se torne o melhor possível nas mais
diversas áreas do seu desenvolvimento.”
Planear, executar e avaliar
Mas
não basta a motivação para se ser um bom aluno. “É preciso trabalho,
treino e esforço”, acrescenta Ana Salgado. Resumindo, há que estudar.
Mas nem todo o estudo alcança os melhores resultados. Porquê? A
especialista responde que “nesta era das tecnologias, as distrações e as
solicitações são muitas”. Televisão. Computador. Telemóvel. São fortes
adversários na luta de estar sentado na secretária a estudar a matéria.
“Não digo que o aluno tenha de repetir cem vezes a mesma tarefa. Mas tem
de ter uma rotina, um hábito de trabalho e sacrifício de determinadas
atividades.” A chave para gerir tudo isto, diz, está na autorregulação
do comportamento.
Aplicada ao estudo, a autorregulação surge
como uma estratégia - quase empresarial - para atingir o sucesso
educativo. “Se o aluno conseguir aplicar a lógica do bom planeamento, ir
monitorizando a execução e no final avaliar o que correu menos bem e
tentar implementar uma mudança no dia seguinte, gradualmente, vai
aproximar-se de uma eficácia máxima.”
Chegar a essa competência
de organização requer muitos passos. Mas que podem ser dados desde o
pré-escolar, com crianças entre os 3 e os 5 anos. Como? Colocando uma
série de perguntas que ajudam a criança a regular o seu comportamento.
Por exemplo: O que correu bem? O que gostas? O que não gostas? “São
questões fundamentais para aos poucos a criança ir treinando a forma de
pensar sobre a abordagem às tarefas.”
Cinco minutos de
planeamento tornam o estudo mais rentável, garante Ana Salgado. Para o
aluno perceber o que tem de fazer, que materiais necessita e o tempo que
dispõe. Depois quando se passa à fase da realização da tarefa, seja
estudar para um exame ou fazer os trabalhos de casa, duas horas de
estudo efetivo, sem publicações nas redes sociais ou mensagens no
telemóvel, são preferíveis a quatro horas a fazer um pouco de tudo.
De pequenino...
“Fazer
um bom aluno é um processo que começa no nascimento e se prolonga até
ao alcançar da autonomia”, diz Diogo Simões Pereira, diretor-geral da
EPIS- Associação de Empresários pela Inclusão, um grupo de mais de 100
empresários que em 2006 se uniram para promover a inclusão social em
Portugal.
Um processo “complexo” que o empresário – também pai –
associa ao desenvolvimento da criança e onde família e escola vão tendo
mais ou menos responsabilidades. Mas para o qual, alerta, “não existem
receitas”. Ainda que se disponha a sugerir um conjunto de tópicos onde
se percebe que o tema mereceu uma reflexão profunda.
Ora, fazer
um bom aluno, na opinião de Diogo Simões Pereira, começa por uma
infância feliz: “Com afetos, regras e valores assentes em bons exemplos
dos pais e das pessoas envolventes”. Implica uma boa estimulação
cognitiva e social antes dos 6 anos. “Se a criança estiver no
pré-escolar dos 3 aos 6 estas questões estão muito facilitadas, mas
ainda há muitos alunos em Portugal que saem de casa para o 1.º ano e
perdem oportunidades de desenvolvimento.”
A promoção do sucesso desde
o 1.º ciclo tem de ser uma prioridade. “É importante que a criança
goste de ir à escola, goste dos colegas e dos professores”, nota Diogo
Simões Pereira, para que sem problemas maiores possa realizar outra
etapa “fundamental”: a do “aprender a ler, escrever e a contar”. É
altura de sinalizar eventuais problemas que possam dificultar as
aprendizagens: ao nível da visão, audição e da fala. E de estimular a
autoaprendizagem.
Se o que está a impedir o aluno de aprender é a
falta de conhecimentos prévios, como muitas vezes os professores
reconhecem, a intervenção tem de ser rápida, diz Ana Salgado, para
minimizar o impacto dessa experiência negativa. “Se a criança
experienciar repetidamente insucesso, fica desmotivada e entra em
evitamento com aquela disciplina, professor ou a escola como um todo,
porque está continuamente a sentir que falha." No caso de défice de
conhecimentos base, a solução, aponta a psicóloga, “é voltar atrás e
trabalhar a tabuada, o cálculo, a matemática ou a leitura. O objetivo é
perceber o que falhou e tentar recuperar através de um trabalho muito
concreto naquele conteúdo”.
Além dos conteúdos, há outros aspetos
que convém começar a nutrir nas crianças dos 6 aos 10 anos. “É
importante começar a trabalhar a ideia do mérito e da atitude positiva
face ao esforço, ao sucesso e ao fracasso”, diz Diogo Simões Pereira.
Para o empresário, é vital que as crianças percebam desde cedo uma
ideia-chave para toda a vida: “Que há duas formas de fazer as coisas,
uma é bem, a outra é mal. E a segunda dá o dobro do trabalho, porque
depois tem de se repetir para fazer bem.”
Por último, o
sucesso garante-se também com emancipação. “Entre os 10 e os 12 anos é
altura de começar a libertar o aluno para o estudo autónomo, ensiná-lo a
gerir o seu tempo e a sua vida – como acordar sozinho, vestir-se, sair
de casa ir de transportes públicos – toda essa autonomia é importante
para o crescimento.”
A partir de certa idade é necessário
trabalhar as ambições e os objetivos individuais. “Em muitos momentos,
estar na escola é um esforço e os jovens têm de perceber para que
serve.” Depois dos 14, 15 anos e a coincidir com a entrada no 9.º ano,
os pais e os professores devem ajudar os alunos a encontrar a sua
vocação.
Jorge descobriu a aptidão para o turismo ao participar
numa visita guiada por Joel Cleto, historiador, pelas lendas de
Matosinhos. Quer aliar numa profissão o gosto pela História e o
Português. Conseguiu o que Diogo Simões Pereira considera essencial para
alcançar o sucesso escolar no presente e profissional no futuro:
“Devemos escolher as áreas de que gostamos mais e onde somos mais
fortes. Até porque somos sempre melhores a fazer o que nos dá prazer.”
Fonte: Educare.Pt
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