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domingo, 29 de maio de 2016

Melhorar a educação passa por remunerar bem o professor

Ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura, Lee Sing Kong explica salto qualitativo do país na área e condena bonificação de educadores baseada em desempenho dos alunos

Se a semente do processo de melhoria da educação passa pela valorização do professor, por onde começar? Quais ferramentas podem ajudar o professor a se sentir valorizado e reconhecido pela sociedade como um ator fundamental na transformação de um país?

Peça-chave na reforma curricular da formação de professores, o ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura Lee Sing Kong explicou em entrevista ao Carta Educação que para melhorar a imagem do educador deve-se oferecer a ele condições e remuneração melhores. “Hoje em Cingapura um professor iniciante ganha o mesmo que um engenheiro. Isso passa uma mensagem importante para a sociedade: a de que o professor é tão importante quanto qualquer outro profissional para a construção da nação”, observou.

Em São Paulo no início do mês participar do Ciclo de Debates em Gestão Educacional, promovido pela Fundação Itaú Social, o especialista condenou ainda a visão meritocrática em relação ao professor baseada exclusivamente no desempenho dos alunos. “O desempenho dos estudantes é influenciado por muitos fatores. A aula dada pelo professor é apenas um deles. O apoio que recebem dentro de casa é outro”, disse.

Leia abaixo a entrevista:

Carta Educação: Cingapura passou por um processo de reforma educacional que levou o país a ocupar o segundo lugar no ranking do exame Pisa. Qual foram os principais pontos da reforma?
Lee Sing Kong: Sou ex-diretor do Instituto Nacional de Educação, que é ligado à Universidade Tecnológica de Nanyang. Meu papel se deu na transformação do processo de formação de professores. Em Cingapura ou em qualquer lugar do mundo, a qualidade dos professores e dos líderes das escolas são fatores muito importantes. Minha contribuição foi treinar professores e ajudá-los a construir habilidades e competências que podem engajar os estudantes no processo de aprendizagem, para que busquem o conhecimento segundo suas habilidades. Hoje a qualidade dos professores é boa, o que fez o processo de aprendizagem ter melhorado muito. E isso é muito benéfico para os resultados do Pisa, por exemplo.

CE: E como o senhor conseguiu aumentar o nível dos professores no seu país?
LSK: Para aumentar a qualidade dos professores você precisa de dois passos básicos: o primeiro é ter certeza de que irá atrair os melhores candidatos para serem professores. O segundo é dar a eles o melhor treinamento. Então, é preciso trabalhar as competências que terão em sala de aula. A primeira parte é levada pelo Ministério da Educação, que ajuda a construir o status da profissão de professor, a imagem desse profissional e fazer com que a sociedade o valorize. Em primeiro lugar, é preciso um sistema de apoio e boa remuneração para que os melhores estudantes se tornem professores. Nesse sentido, o Ministério da Educação introduziu quatro iniciativas para ajudar a mudar a imagem do profissional de ensino: a primeira foi aumentar o salário do professor iniciante.

CE: Em quanto?
LSK: Eu não diria quanto, mas gostaria de dizer que o salário de um professor inicial passou a ser o mesmo de um engenheiro, por exemplo. Hoje, então, um professor iniciante ganha o mesmo que um engenheiro. Isso passa uma mensagem importante para a sociedade: a de que o professor é tão importante quanto qualquer outro profissional para a construção da nação.
A segunda iniciativa do ministério foi eles se assegurarem que a promoção de professores estivesse disponível para o maior número de profissionais possível. No passado, só eram promovidos na carreira chefes de departamento, vice-diretores ou diretores. Mas aqueles que eram muito bons em ensinar não tinham chance alguma de serem promovidos. Agora aqueles muito bons em sala de aula podem vir a ser professores nas categorias “sênior”, “líder”  (lead) e “mestre” (master).
Outra iniciativa foi passar a celebrar o bom trabalho dos professores. Então toda primeira sexta-feira de setembro é comemorado o Dia do Professor, quando o presidente da República convida um grupo de professores cujos trabalhos são reconhecidos e premiados. Com tudo isso, o nível de reconhecimento e o status dos professores mudou. Nesse processo, os melhores estudantes são enviados ao Instituto Nacional de Educação, onde são treinados.

CE: Como funciona o treinamento dos professores no instituto?
LSK: Para treiná-los bem, trabalhamos juntamente com o ministério para identificar as competências dos professores e encaminhá-los para um mestrado em alguma área na qual ele tenha mais afinidade. Se não tiver conhecimento aprofundado em uma área específica, como Química, por exemplo, como vai ensinar aquilo?
Além disso, eles precisam entender o comportamento dos estudantes, a parte psicológica, porque hoje o que acontece em uma classe pode ser muito mais complexo do que parece. Então o professor tem de entender o perfil de cada estudante e saber das suas necessidades.

Eles devem também carregar alguns valores que podem ajudá-lo quando ensinam. O primeiro é acreditar que toda criança pode aprender. Estando na sala de aula e tendo isso em mente, terão o mesmo respeito por cada criança e não focarão somente naqueles que se saem melhor aparentemente. O segundo é encorajar os professores a entenderem que eles são profissionais. Se eles se virem como profissionais, então se concentrarão no melhor que podem fazer, terão mais confiança, continuarão estimulados a aprender e se tornarão, cada vez mais, melhores professores. E um terceiro valor é encorajá-los a trabalhar como uma comunidade de professores para que se ajudem uns aos outros e possam dividir boas práticas testadas em sala de aula.

Tudo isso faz o sistema de educação de Cingapura ser diretamente voltado para estudantes e suas necessidades e habilidades para o século XXI. Como sabemos disso? Um dos resultados é o Pisa, outros são as diversas olimpíadas, nas quais nossos alunos se saem muito bem.

CE: Quais seriam as habilidades para o século XXI? Resultados e rankings são importantes, mas como fazer com que os alunos possam agregar também competências socioemocionais, criatividade, trabalhar em grupo e ir além das boas notas?
LSK: As habilidades do século XXI são aquelas além do conhecimento dos livros. Em resumo, são as habilidades de colaboração (como fazem para trabalhar uns com os outros, em grupos), de relacionamento e de expressão oral. São coisas muito importantes hoje. Nos anos 1980 e 1990 os empregadores queriam trabalhadores com conhecimento e habilidades técnicas. Mas hoje, se você perguntar a diferentes empregadores de distintas áreas, notará que buscam pessoas que possam trabalhar como um time, para desenvolverem um projeto, que sejam de diferentes nacionalidades e tenham diferentes formações.

No século XXI, então, além de conhecimento e habilidades técnicas, é preciso saber trabalhar em equipe. Cingapura está bastante paranoica em entender as mudanças que ocorrem no mundo, e isso, inclusive, levou a reformas no nosso sistema educacional.

CE: Qual deve ser o papel do Estado nisso? Há quem defenda que o setor privado tenha de participar disso. Qual a opinião do senhor?
LSK: Eu diria que na educação o setor privado só crescerá e florescerá se o principal sistema de educação não atingir as expectativas de seus cidadãos. Se cada pai e criança tiverem uma expectativa que não puder ser atingida pelo principal sistema educacional, então eles buscarão alternativa, que é a educação privada. Em nosso país, 98% dos estudantes hoje estudam em escolas públicas. Isso ocorre há décadas, o que mudou foi a qualidade da educação.

CE: Como medir o desempenho de um professor? No Brasil, o possível próximo governo fala em meritocracia e política de bonificação para os professores, caso os alunos venham a apresentar bons resultados. Como o senhor avalia isso?
LSK: Em qualquer processo de avaliação, é preciso se ter muito claro quais são os critérios utilizados. Em Cingapura, quando um professor é avaliado por sua liderança escolar, o foco está em três coisas: como são capazes de identificar os pontos fracos dos outros professores que supervisionam e como os ajuda a superá-los; que tipo de inovação trouxeram para a sala de aula, ideias que falem sobre uma nova dinâmica na sala de aula, que podem fazer o autor ser valorizado e reconhecido; o quanto esse professor é capaz de compartilhar boas experiências com outros professores para que o nível educacional seja elevado.

CE: Mas podemos fazer uma avaliação dos professores baseada no desempenho dos estudantes?
LSK: Não. Eu posso dizer com certeza: relacionar diretamente a performance dos estudantes à avaliação dos professores é errado. O desempenho dos estudantes é influenciado por muitos fatores. A aula dada pelo professor é apenas um deles. O apoio que recebem dentro de casa é outro. Como culpar ou promover um professor se o estudante é preguiçoso, por exemplo? Como culpar o estudante se a família tem uma série de problemas que o atrapalham na hora de estudar? Então, o princípio de relacionar o desempenho dos alunos exclusivamente à avaliação dos professores é errada. Existe uma ligação, mas o peso dessa ênfase não deve ser alto.

CE: Atualmente, estamos discutindo a reforma curricular através da construção da Base Nacional Curricular Comum. Há dois grandes debates: um sobre se disciplinas deveriam se tornar apenas áreas do conhecimento e outro sobre se o ensino de História, por exemplo, deveria focar mais na história do continente africano, com quem temos uma forte conexão, em vez de tratar tanto de história europeia. Como o senhor vê isso?
LSK: Isso é algo que o Brasil terá de decidir por si mesmo. O que é melhor para preparar seus estudantes para serem capazes de enfrentar o futuro? Todo país tem suas prioridades. Há disciplinas, como Matemática, que são ensinadas em todos os países segundo um mesmo padrão, mas quando falamos em humanidades os componentes serão baseados em escolhas de cada país. Cingapura, por exemplo, está focada em estudar em História a origem do próprio país. Também estudamos a história do desenvolvimento de países vizinhos.

CE: O senhor vê uma oposição entre humanidades e as disciplinas mais exatas, muitas vezes enfatizadas com vistas ao mercado de trabalho?
LSK: Em educação deve haver certo equilíbrio entre as ciências duras, que são muito exigidas, e as humanidades, que nos empoderam a ver as coisas de uma melhor perspectiva. Se você desenvolve uma criança baseada apenas nas ciências exatas e sem humanidades, os aspectos humanos da criança farão falta. E precisamos focar não apenas em humanidades, mas em valores.

CE: Os valores podem mudar também, não?
LSK: Alguns podem mudar, mas há aqueles que não mudam, que são universais, como honestidade, integridade, trabalho duro, resiliência, cuidar do próximo. Isso muda? Eu creio que não.



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