Entrevista: Professora Verônica Cândido
Jmarcelo Fotos: Verônica, você é natural de Rocha Cavalcante/barra do
canhoto? Fale como foi sua infância.
Olá Marcelo!
Bom dia!
Sou naturalíssima de Rocha Cavalcante e amo esse pedacinho de chão. De
família humilde, sou a segunda filha de oito filhos, meu pai agricultor, minha
mãe doméstica, tinha que cuidar dos meus irmãos menores enquanto minha mãe
ajudava meu pai na roça, o que ganhava, dava apenas para o sustento básico da
família. Me sobrava pouco tempo para brincar, mas muito sabia aproveitar. Nunca
tive uma boneca bonita, a única lembrança que tenho é de uma boneca que
conhecíamos como Vanderléia, que há muito tempo não lembro de ter visto nenhuma
criança com uma igual. Gostava muito de jogar queimado na rua, do banho de rio e
de chuva em dias de trevuadas e também de tocar a campainha da casa do saudoso
Biu da Barra e de dona Miriam e sair correndo.Ô tempo bom!!!
JMarcelo Fotos: O que mudou no distrito e o que
continua igual?
Pouco mudou. A população cresceu, claro, mas as
condições de sobrevivência continua igual, e todos os dias vemos nossos jovens
deixar sua terrinha em busca de melhores condições em outro estado.
Uma das mudanças que ocorreu e que nos deixa
triste, é que na minha infância podíamos correr e brincar na rua até tarde, se
possível a noite inteira, enquanto hoje não estamos seguros nem mesmo dentro da
própria casa. Parte dos nossos jovens se envolvendo em drogas, o que é
lamentável, colocando em risco suas vidas e da comunidade.
Jmarcelo Fotos: Como morador do distrito, lembro-me das brincadeiras das
crianças como: jogar bola, pinhão, de carrinho ou boneca. Hoje não vemos mais
esses encontros nas ruas e, por outro lado a violência até nas brincadeiras
hoje em dia, por que as boas tradições estão de perdendo?
O avanço tecnológico que muito ajudou, mas também
contribuiu para isso. Hoje pouco, ou quase não se ver a criança construindo seu
próprio brinquedo, tipo carrinho de lata de óleo ou de garrafa de água
sanitária ou até mesmo da madeira dos caixotes de peixes que pegavam na feira
livre. Hoje praticamente tudo é virtual, carrinhos de controle remoto que faz
tudo sozinho, tirando o prazer das crianças de por as mãos na massa, assim se
acomodando. E a violência que não
permite as brincadeiras de rua.
JMarcelo Fotos: Como era a Verônica aluna?
Modéstia parte, muito dedicada, gostava muito de
estudar, gostava de aparecer, me destacar, era ousada, nunca fiz provas de
recuperação, sempre tirei boas notas, respeitava meus professores como a meus
pais, assim como quase todas as crianças da minha época, gostava de interagir,
fazer amizades na sala de aula e ajudava a quem precisava. O meu pai foi meu
grande professor de reforço, principalmente em matemática, cantava a tabuada,
aos 10 anos dominava as quatro operações.
JMarcelo Fotos: Sempre quis lecionar ou pensou
seguir outra carreira?
Na verdade meu primeiro trabalho foi de
balconista aos 13 anos na mercearia do senhor Otávio, pesei muito açúcar,
bolacha seca, feijão, arroz e também cortei muito sabão, não tinha ainda uma
opinião formada em relação a profissão que deveria seguir. Mas venho de uma
família que tinha muitos professores, como tias, primas e até minha mãe foi
professora do projeto MOBRAL, acredito ter me inspirado nelas.
JMarcelo Fotos: Você começou a lecionar
aos 16 anos, como tudo aconteceu? O que é ser Professor/a para você?
Era o ano de 1985, gestão municipal do saudoso
Rosiber Oliveira, o secretário de educação era o saudoso José Alves, eu cursava
7ª série na Escola Cenecista Adélia da Cunha Machado Pedrosa que funcionava a
noite no antigo prédio da Escola Antônio Gomes. Meu pai havia sofrido um
acidente em janeiro de 1983 do qual veio há falecer, e minha mãe tinha que
manter oito filhos menores apenas com uma aposentadoria e com o que recebia
como serviçal na escola Papa Paulo Vl, e também com o que eu e meu irmão mais
velho ganhávamos trabalhando em mercearias, mal dava para suprir as
necessidades básicas. Nesse mesmo ano surgiu uma vaga de professor na escola
Papa Paulo Vl e a diretora era minha prima, minha mãe a procurou e lhe pediu
essa vaga, mas para sua surpresa ela respondeu que não, porque eu não tinha
tipo, na verdade eu era muito magrinha, porém muito inteligente. Mas como tudo
só acontece conforme a vontade de Deus, nesse mesmo ano, uma professora da
escola Antônio Gomes precisaria se ausentar por uma semana e a diretora que era
minha tia me pediu pra assumir sua turma e que eu seria remunerada pela
professora, em um desses dias o secretário de educação visita a escola, e
estava eu explicando o conteúdo com esse timbre de voz que Deus me concedeu do
qual muito me orgulho, o que chamou a atenção do secretário que logo quis saber
quem era a professora. Foi informado que se tratava de uma substituta. Havia na
escola uma turma de pré-escolar com 40 alunos e a professora não estava tendo
condições de controlar tantos alunos, então a diretora procurou o secretário e
solicitou outra professora, e para sua surpresa ele concedeu que dividisse a
turma mas lhe fez um pedido, que ela contratasse aquela professora magrinha que
ele havia conhecido em uma de suas visitas aquela escola, mal sabia ele que
aquela professorinha era sobrinha da diretora e que a deixaria muito feliz.
Então, no dia 05 de agosto de 1985, eu me tornaria oficialmente professora da
ESCOLA MUNICIPAL DR. ANTÔNIO GOMES DE BARROS onde lá estou há exatos 31 anos
com muito orgulho.
Por ironia do destino, no ano de 1987, a escola
Papa Paulo Vl, a qual eu não tinha tipo para ser professora, tem necessidades
de uma professora para lecionar na 4ª série, pois não tinha uma professora com
esse perfil, e a diretora viabilizou na secretaria de educação uma possível
troca, e a própria trouxe uma transferência de troca de professores de uma
escola para a outra, e nessa troca estava eu, como não tenho papa na língua e
sempre procuro oportunidades, fiz questão de trazer a transferência, entregar a
diretora e ironicamente dizer olhando nos olhos dela eu sentia muito, mas
infelizmente não tenho tipo pra lecionar nessa escola.
JMarcelo Fotos: Nesses 30 anos de profissão
sentiu algum tipo de descriminação por trabalhar em escola da zona rural?
Não que eu lembre.
Sempre fui muito organizada, dedicada, sentia
prazer em lecionar, nunca me senti inferior ou superior aos professores que
trabalham na zona urbana.
Jmarcelo Fotos: Atualmente como diretora da Escola Municipal Dr. Antonio
Gomes de Barros e, já tendo trabalhado em duas escolas particulares como a José
Correia Vianna e Santa Maria Madalena, existe diferença no ensino entre as
escolas da rede pública e privada?
Não no ensino como um todo, eu diria na aprendizagem, pois os
professores da escola privada geralmente é o mesmo da escola pública, porém os
alunos da escola privada para os pais são vistos como investimento, querem retorno,
enquanto a maioria dos pais ver a escola pública como passa tempo dos filhos,
hoje, para garantir uma bolsa família. Claro que na escola pública temos
professores que quer fazer de qualquer jeito, enquanto na privada ou faz bem
feito ou não fica, seu produto deve ser de qualidade para atrair a clientela.
Jussan Gonçalves, professor: Com todos esses anos se dedicando a
educação palmarina, seja como professora, coordenadora ou como diretora, qual
seria a principal dificuldade enfrentada por você ao longo desses anos
convivendo com todas as dificuldades que a escola pública apresenta? E qual foi
o momento de maior satisfação profissional em sua vida?
Meu querido Jussan...
A maior dificuldade que enfrentei, foi em um período que tínhamos que
comprar até mesmo o giz para ministrar nossas aulas, pois nem mesmo este a
secretaria disponibilizava, e passamos 9 meses sem receber remuneração, que era
tão pouco que se calcularmos hoje, seria a terça parte do salário mínimo. Satisfação é olhar em minha volta e ver
tantos pedagogos, engenheiros, agrônomos, enfermeiros, entre outros
profissionais, e saber que contribui para aquela formação. Mas a maior
satisfação que me emocionei a ponto de deixar as lágrimas rolar foi quando um
ex-aluno me encontrou pelo facebook e tive com ele esse diálogo:
dvogado na empresa
Lins e Beltrão Advocacia
Mora em Olinda
15/9/2015 00:24
Querida professora!!!!!! Boa noite!!!??
Oi
Que bom lhe encontrar por aqui. Como estas!? Ainda
lecionando!?
Anastácio ...
É vc msm?
Sim...rsrsrs. Sou eu mesmo. Em carne, osso e
internet. Rsrs RS
Meu DEUS!
Sim, sim... Ainda
Nossa! estou até emocionada !
Rsrsrsrs... Tbm professora. Muito bom
reencontrar alguém responsável pela minha formação acadêmica e ética.
Segunda série...rsrs
Não, não... 3° e 4º série
Acho q nao, salve-se engano, quarta
série foi com Edjane.
Então deve ter sido 2 e3
Podes não acreditar , mas chorei agora em te
encontrar
Rsrsrsrs
Obrigado professora. Acredito sim.
Isso significa o amor que vc tem pela
sua profissão e seus alunos.
Tbm estou muito emocionado.
E seus pais, como estão?
Estão bem, a idade chegou né!? Com
isso vem as doenças, manias e os derivados... Kkkkkk
Mas estão bem, Obrigado mesmo
Vc se tornou um homem mto lindo
Rsrsrs... Obrigado... A senhora rbm, continua a mesma coisa. Tanto que
mesmo depois de anos, lembre na hora de quem se tratava.
Pelo seu perfil, é advogado ,acertei ?
Sim, sou advogado
Graças a senhora!!!
Rsrsrs
Fez parte da minha formação.
Lembro que de tantas professoras que tive, era uma das, se não a única
que tinha um carinho por aquele menino capelinha e danado!!!! Kkkkkkk
Fico feliz pelo reconhecimento
Lembro sim. Veio várias lembranças com o reencontro
Mas os principais responsáveis foram seus pais, sempre presente.
Claro, claro, tenho total consciência disso. Mas
eles fazem por obrigação, a senhora fez por amor a profissão e carinho que eu
sei que teve...rsrsrsrs
Meu lindo... estou feliz de te
encontrar e saber q está muito bem, louvo ao SENHOR por isso, mas preciso sair,
amanhã acordar cedo.
Não quero perder o contato contigo
Agora q te encontrei não quero te perder de vista.
Obrigado professora!!!!
Pode ter certeza que a emoção foi
mútua. E claro que não perderemos. Qualquer coisa só falar.
E hoje, como ex aluno, quero
agradecer e Parabenizá-la pelo meu e de muitos outros alunos.
Meu ensino*
Imagina meu anjo!
Mas obrigada pelo carinho.
Anjo hoje né!?!? Kkkk na época...
Kkkkkkkkkk
Obrigado mesmo.
Santos " diabinhos"
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Kkkkkkkkkk
Boa noite professora. Fique com Deus.
IDEM!
Não existe satisfação maior que o reconhecimento, confesso que não tive
como conter as lágrimas enquanto dialogava com esse menino, que para mim não
cresceu, continua sendo o mesmo menino rebelde, a quem eu tinha tanto carinho.
Jmarcelo Fotos: Cite
algumas conquistas como gestora, a exemplo do melhor projeto de meio ambiente
onde aluna e coordenadora da Escola Antonio Gomes foram a Brasília.
Meu querido amigo...
As
conquistas são muitas, são diárias, a cada final de um dia de trabalho com
aquela sensação de dever cumprido, e essas conquistas atribuo a todos aqueles
que compõe a família Antônio Gomes, pois temos uma equipe invejável. Mas uma
das maiores conquistas nossa, foi a elevação do índice do IDEB no ano de 2013,
quando a nossa escola era taxada como o pior ensino do município, nossa equipe
provou na garra que não era verdade. Embora não acredite em quantidade, e sim
na qualidade do ensino.
Edvan Alves, professor: No geral o que você está achando do trabalho dos
professores da Escola Antonio Gomes? Em que eles podem contribuir mais?
(Levando em conta o suporte oferecido pela direção e coordenação).
Caro Edvan...
No nosso campo profissional, sempre precisamos se esforçar mais,
aprender mais, ensinar mais, isso é fato. Estamos sempre aprendendo a medida
que ensinamos, e melhorando a medida que aprendemos. Observo que como em toda
escola sempre existe aquele professor desmotivado, aquele que percebemos que
ainda está perdido, talvez pelo fato de está iniciando, adquirindo experiência,
se encontrando ainda. Mas todos nós um dia precisemos começar, tropeçar uma vez
ou outra até se sentir seguro. O que não devemos é se acomodar, por itens
motivos que sei que existe, mas que não depende de nós solucionar.
Simone Araújo, professora: Para você, qual o maior problema que a gestão
escolar enfrenta?
Minha querida Simone...
O maior problema de qualquer gestão será a não aceitação por parte de
alguns funcionários, quando isso ocorre se torna impossível desenvolver um bom
trabalho em parcerias. Eu particularmente não consigo trabalhar de forma
isolada, gosto de buscar opiniões, dividir tarefas, até o momento está sendo
satisfatória. Um dos problemas seria a falta de um suporte da família na
escola.
Jmarcelo Fotos: Como você
se sentiu por ter sido lesada no episódio da sua formação em pedagogia? E como
é voltar à sala de aula para terminar sua graduação.
No início
foi difícil, creio que ninguém pode imaginar, só sabe quem passou, mas depois
comecei a aceitar, pois no dia da colação recebi um canudo vazio, porém minha
mente está recheada de um aprendizado que levarei por toda a vida. Voltar a
sala de aula foi muito bom, pois gosto muito de estudar e conhecer pessoas e
metodologias novas, o curso só está enriquecendo, lapidando o conhecimento que
adquiri anteriormente.
Jmarcelo Fotos: Quais são as
vantagens e desvantagens de morar em um lugar com poucas opções de serviços
básicos como: comércios, consultórios médicos, lazer etc? Já pensou em sair da
Barra do Canhoto?
A única
vantagem hoje diante de tanta violência é que em relação a outros lugares ainda
é mais tranquilo, e talvez eu já esteja tão acostumada com essas poucas
opções de serviços básicos que não me
sinto incomodada . Já pensei sim em sair daqui, não por mim e sim por meus
filhos, pra que eles possam ter oportunidades de trabalho e possam investir no
futuro.
JMarcelo
Fotos: Como cidadã de um distrito carente que é Rocha Cavalcante, como você
analisa a atual situação econômica do município?
A situação
econômica é precária, as únicas fontes de trabalho são os cortes de cana, que
com o fechamento da Usina Laginha dificultou ainda mais, e um mero contrato de
trabalho de prefeitura que há muitos causam constrangimento e humilhações.
Praticamente não temos opções, cada dia se torna mais difícil essa situação.
JMarcelo Fotos: O que você dá nota 10 e nota 0 aqui em União
dos Palmares?
Sinceramente não vejo a que dar nota 10 em União.
Mas teria uma infinidade de itens que daria nota 0, começando com a falta de respeito ao cidadão palmarino, falta de segurança, saúde precária , etc, etc, etc
JMarcelo
Fotos: Como é Verônica esposa? E como é ser mãe de três filhos jovens?
Procuro
desempenha bem o meu papel de esposa, sou muito amiga, companheira, dedicada,
me sinto realizada.
Ser mãe é
o mais precioso dos dons, e ser mãe de
Vanessa, Thiago e Victória não tem preço. Sou muito possessiva, talvez
até exagerada, para mim são sempre meus bebês. Agradeço todos os dias a DEUS os
filhos que me concedeu; obedientes, educados, filhos que toda mãe gostaria de
ter.
Jmarcelo Fotos: Qual seu
maior sonho hoje?
Me
aposentar. Pendurar as chuteiras, ou seria o apagador e as cadernetas? Kkkkkkkk
JMarcelo Fotos: Vera, obrigado pela entrevista e
fique a vontade para se despedir de nossos leitores.
Agradeço ao Blog do amigo por me conceder a
entrevista, aos professores que tiveram sua participação, e dizer que não vejam
nenhuma resposta como indireta ou crítica e sim, que possam a partir delas
tirar algum aprendizado.
Espero que as respostas tenham sido
satisfatórias.
Marcelo querido... Um super, hiper, mega abraço.
Verônica com o esposo Limeira e os filhos Victória, Thiago e Vanessa.
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