O Quilombo dos Palmares é um dos
símbolos maiores da resistência negra contra a escravidão no Brasil colonial.
Em seu tempo, foi o maior foco de resistência contra a escravidão em todas as
Américas. A memória do quilombo traz a tona a imagem de seu líder, Zumbi dos
Palmares, que lutou até o fim de sua vida pela liberdade, perdendo a própria
vida nesta batalha contra o colonialismo português.
Se o herói de Palmares hoje é celebrado com o Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, data em que Zumbi teve a cabeça degolada num golpe à resistência negra, um ano e nove meses já teriam transcorrido da morte igualmente trágica da face feminina do Quilombo de Palmares, Dandara. A história desta figura que é apontada como sua mulher permanece cercada de muitas incertezas, com escassos registros historiográficos.
Na “Enciclopédia Brasileira da
Diáspora Africana”, o pesquisador da cultura afro-brasileira e compositor Nei
Lopes descreve no verbete Dandara: “Personagem lendária da história de
Palmares. Celebrada como a grande liderança feminina da epopeia quilombola,
teria morrido quando da destruição de Macaco (nome do principal quilombo
Palmarino). Contudo sua real existência está ainda envolta em uma aura de
lenda.” Lopes explicaria estes seus questionamentos, apontando "Será que
ela existiu mesmo? A história de Palmares, de um modo geral, é baseada em
documentos, mas há também muita invencionice. É difícil dizer se a personagem
existiu e de onde surgiu.."
Mesmo com as lacunas sobre sua
trajetória, a figura de Dandara ganhou um lento, mas permanente, resgate de seu
papel e importância, tanto que e atualmente é lembrada e celebrada como uma das
figuras simbólicas da resistência e das lutas das mulheres negras no Brasil,
uma referência no movimento negro e homenageada por grupos feministas.
Indo em uma direção oposta a de Nei Lopes, a historiadora Sandra Santos, afirma que história de Dandara não ganhou espaço nos registros oficiais por vivermos“ num mundo sexista e racista”. O que justifica o fato de "Dandara, assim como Maria Felipa (heroína da independência da Bahia e, por conseguinte, do Brasil) e Luísa Mahin (líder dos Malês e participante da Sabinada), simplesmente são ignoradas pelos livros didáticos, porém sobrevivem no imaginário popular porque se identificam e são identificadas com as mães e companheiras espalhadas por todo o território nacional." — defende. — "O que a historiografia não supre, a literatura resolve. As crenças populares abraçam, recriam, a boca do povo favorece. Os contos e lendas que crescem em volta dessas personagens as transformam em mitos, exemplos. Os textos oficiais não as reconhecem ainda, mas elas teimam em subsistir de outras maneiras. Ninguém as esquece porque são mais lindas que a verdade dos homens, mais fortes que a história construída à força, imposta pelo poder dos vencedores."
A construção que se fez de sua imagem a descreve como uma heroína. Dandara dominava técnicas da capoeira e teria lutado ao lado de homens e mulheres nas muitas batalhas consequentes aos ataques contra Palmares, estabelecido no século XVII na Serra da Barriga, região de Alagoas, cujo acesso era dificultado pela geografia e também pela vegetação densa.
Não se tem a informação se a mulher de Zumbi nasceu no Brasil ou no continente africano, mas sabe-se que teria se juntado ainda menina ao grupo de negros rebeldes que desafiaram o sistema colonial escravista por quase um século. É apontado que Dandara teve três filhos com Zumbi: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Ela participava também da elaboração das estratégias de resistência do quilombo.
Os ataques a Palmares teriam se tornado frequentes a partir de 1630, com a invasão holandesa. Segundo a narrativa em torno de Dandara, ela teria tido importante papel no rompimento do marido com seu antecessor, Ganga-Zumba, primeiro grande chefe do Quilombo de Palmares e tio de Zumbi.
Em 1678, Ganga-Zumba assinou um tratado de paz com o governo de Pernambuco. O documento previa que as autoridades libertassem palmarinos que haviam sido feito prisioneiros em um dos confrontos. E também a liberdade dos nascidos em Palmares, além de permissão para realizar comércio. Em troca, a partir dali, os habitantes do quilombo deveriam entregar escravos fugitivos que ali buscassem abrigo. Dandara, ao lado de Zumbi, teria sido contrária ao pacto por entender que se tratava de um acordo que não previa o fim da escravidão. Ganga-Zumba acabou sendo morto por um dos quilombolas contrários à sua proposta.
Nesta perspectiva, Dandara, assim como Zumbi, eram intransigentes quanto se tratava de defender a condição de liberdade de seu povo. O centro de suas ações era a segurança do quilombo e a eliminação do inimigo. Ela defendia que a paz em troca de terras no Vale do Cacau, que era a proposta do governo português, seria um passo para a destruição da República de Palmares e a volta à escravidão. O cerco militar contra o quilombo mostrou-se mais forte e Dandara teria sido derrotada em uma das ações das forças coloniais. Suicidou-se depois de presa, em 06 de fevereiro de 1694, para não ser escravizada, Dandara preferiu morrer livre. Mantendo-se livre, nascia o mito inspirador de liberdade que ela é nos nossos dias.
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