A pedido do meu amigo José
Marcelo, escrevo estas linhas que não quero que pareçam autobiográficas, senão
uma tentativa de me reencontrar com a minha gente querida da terra de onde vim.
Pois bem, para começar a
esclarecer, não nasci em União dos Palmares mas sim em Santana do Mundaú, que
por sua vez, um dia, já pertenceu aos domínios de Maria Madalena. Ou seja, que
eu estava condenado a ser palmarino um dia. Já em Mundaú, levava uma vida
ligada à igreja católica e muito próxima aos movimentos sociais. Aos 15 anos
cheguei à Rua da Ponte. Confesso que cheguei um pouco confuso, adolescente
quase jovem, com sonhos, mas naquele momento diante de novas situações, com
gente nova por conhecer, escola nova, enfim, um desafio para o adolescente meio
provinciano que vinha para o que se me apresentava, naquele então, como uma
grande cidade! União era isso! Só para terem uma ideia do que escrevo, comecei
a ler a trilogia “O tempo e o vento” do Érico Veríssimo, na biblioteca de
Santana do Mundaú. Porém, lá, só havia os dois primeiros volumes (“O
continente” e “O retrato”).... Tive que vir à minha “metrópole” palmarina para ler
o terceiro volume, “O arquipélago”!
A Rua da Ponte surpreendeu-me.
Em plena efervescência dos 15-16 anos, tinha eu, à minha disposição, novos
amigos, figuras humanas incríveis, elementos que não poderia viver em Mundaú
(uma casa de Umbanda, por exemplo, a casa de Dona Laura) e a possibilidade de
manter a mesma linha de compromissos eclesiais e sociais, mas agora numa
dimensão mais ampla. Tinha até o Ivan Nunes, que era já uma figura polêmica,
ligado ao jornalismo e à política. E tinha o “Dr. Mano”, como o chamavam....
objeto da minha descrença política desde sempre. Sem falar que tínhamos a Serra
da Barriga atrás das nossas casas! O Centro Comunitário Nossa Senhora da Ponte
era o lugar dos encontros para a catequese e o grupo de jovens, o FJUC.
Foi a época do encontro com as
irmãs Zely, Lourdes e Célia, além do inesquecível encontro com amigos eternos:
Luciene Barros, Idabel, Telma, Denilson, Ednaldo (hoje padre), Cizino, Edjane,
Zé Gomes, Neilton, Teresa Morais, Cláudia Amália, Mário Bispo e, como não.... a
querida Genilda Santos, que hoje já não está entre nós, pelo menos fisicamente.
Isso sim, posso dizer, pessoas ligados ao meio popular. O trabalho ligado à
igreja levava-nos a uma linha popular. Catequese renovada, jovens do meio
popular, etc.
Surgiu nessa época a militância
política, gerando dúvidas se militava no PT ou no PC do B. Acabei ficando no
PT, onde ganhei muita experiência de organização política e social e um bom
ganho de consciência política, com os chamados núcleos de base do PT. Foi fundamental
nessa época o meu encontro com Genisete Sarmento, pessoa a quem dedico um
imenso carinho.
A escola escolhida para iniciar
o antigo 2º grau, foi, sem dúvida, o Carlos Gomes. Imaginem, sair da Rua da
Ponte para os Terrenos, para estudar à noite, não era tarefa fácil. Mas nem por
isso desestimulante. Foi no Carlos Gomes onde encontrei gente tão fantástica
como os professores Navarro, Lúcia Mendonça, Doralice e Mariné, entre outros.
Era um gosto andar pelas ruas
de União à noite. Tranquilidade é uma palavra que não consegue definir a paz
com que se andava naquele tempo. Cruzar a ponte às 23 horas ou à meia-noite
era, para mim, aos 18 anos, algo tão normal e prazenteiro como estar em casa
lendo um livro. Ouvia-se, sim, muitos cães e aves noturnas. Mas nada de bala
perdida. Nada!
Comecei
a trabalhar no mesmo ano em que cursava o 1º ano. Através de uma amiga que
trabalhava na Laginha, fui até à Usina para uma seleção entre outros tantos
rapazes e fui selecionado! A função? Era algo que se dizia “office-boy”. Garoto
de recados? Pode ser, mas abriu-me inúmeras possibilidades na vida. Fiquei na
Usina durante 3 anos, até que senti que era chegada a hora de dar um passo
mais. Ser um jovem de esquerda fazia-me ver que não só era difícil chegar da
Usina às 18 horas na minha casa da Rua da Ponte para estar às 19 horas no
Carlos Gomes, como também.... vi tanta injustiça social naqueles “acordos” de
fim de safra.... como eram ludibriados os trabalhadores rurais!
Pois bem, era o ano 1987,
último ano do segundo grau. Vontade imensa eu tinha de aprovar o vestibular
para o curso de letras na UFAL. Mas ao mesmo tempo, já havia uns 2 anos, tinha
começado a discutir com os grupos da igreja a possibilidade de entrar para o
seminário. Tanto os padres Donald e Emilio, como a Ir. Zely Perdigão
participaram exaustivamente do meu processo de discernimento. Não era fácil....
Ser padre? E os projetos políticos que me surgiam? E a vida pessoal? E os meus
pais, família e amigos que ficariam aqui? Mas foi assim. Deixei a Usina em outubro
de 1987. Naquela época, Genisete participava de uma comissão que administrava a
antiga Palmarina, junto com Carlos Leal. Foi assim como estive na secretaria da
Palmarina de outubro de 1987 até fevereiro de 1988, quando decidi levantar voo.
Depois do carnaval, saí de
casa, fui para o seminário. Todo o ano de 1988 morei na cidade de Garanhuns
para o que se chama “propedêutico”, ou ano preparatório para o ingresso no
seminário maior, onde se cursam filosofia e teologia. Por falar em Garanhuns,
que cidade tão agradável para se viver! Ainda naquele ano, e através de uma
antiga revista pertencente ao “Clube do Livro”, fui premiado com um carro Gol,
que o vendi e aproveitei para comprar a casa onde até hoje mora a minha
família, fora da Rua da Ponte. O negócio foi o seguinte: a minha amiga Luciene
Barros apresentou-me ao clube. Sempre gostei de ler. Portanto, comprar livros
não era difícil, embora fosse caro. Cada livro comprado, um selo para
participar do concurso. Bem, enviei os benditos selos sem nenhuma esperança de
ganhar. Mas as coisas são assim.... em maio de 1988, recebi já em Garanhuns uma
ligação da Luciene informando-me que a tinham contactado à minha procura. E
vejam só.... um ano mais tarde, em 1989, o Rio Mundaú elevou as suas águas a um
nível terrivelmente alto. O que teria acontecido com a minha família se ainda
morasse lá? Não se sabe, mas se agradece a bondade divina, não é? Ainda em
Garanhuns ganhei um companheira que jurou que me acompanharia pelo resto da
minha vida, a minha companheira diabetes mellitus, esta impertinente.
1989 foi o ano em que, outra
vez, conheci uma nova “metrópole”, a cidade do Recife. Se União representou aos
meus 15 anos a rebelião, o Recife representou aos meus 19 anos a própria
revolução! Fui estudar filosofia e teologia num dos maiores institutos de
teologia da América Latina, o antigo ITER (Instituto de Teologia do Recife). 1
milhão e meio de habitantes, foros sociais, discussões, cultura, festa, enfim!
Dizia o poeta alagoano Lêdo Ivo: “Amar mulheres, várias; amar cidades, só uma:
Recife”. E o Recife é mesmo uma cidade para se viver, aprender e absorver Foi
no Recife que conheci a Nádia Seabra, quase uma diabetes para mim!
Mas falando na enchente de
1989, Vim a União para as férias de julho e acordei numa daquelas manhãs frias
e chuvosas como são as manhãs de julho na zona da mata alagoana, com o meu pai
avisando-me da enchente, que já inundara o Taquiri. Imediatamente levantei-me e
fui à Rua da Ponte tentar encontrar os antigos amigos. Por volta das 10h da
manhã já não se podia sair da rua, porque o rio tinha coberto a ponte. Ficamos
ilhados, umas 20 pessoas, até que tivemos que subi ao telhado da padaria do
“seu” Lula, pai de Luciene Barros. Nunca tinha imaginado nada igual! A água
banhava o telhado. Éramos 20 pessoas trepados ali, desde as 11horas
da manhã, sem água, sem comida, sem saber se sairíamos vivos. Ficamos até às 6
horas da manhã do dia seguinte, quando baixou o nível das águas. Ao descer,
parecia ser que um furacão tinha passado por ali, derrubando postes, abrindo
buracos na rua, derrubando casas.... (sinceramente, não vivi a enchente de
2010, mas ao ler as notícias por internet, foi como se estivesse vivendo tudo
aquilo).
Terminando a minha formação
acadêmica no Recife, após a conclusão do mestrado em educação, entraram-me
vontades de voltar a União, de contribuir com a sua modernização. Já eram 10
anos de Recife, era hora de dar outro passo. Tinha já adotando o meu filho e
também queria oferecer-lhe um lugar mais tranquilo para crescer. Decidido, voltei
para a terrinha. Nessa época, conheci outras pessoas com quem mantive boas
relações, entre elas, as professoras Aída e Edvanice, a Gedilma, o meu primo
Nivaldo Marinho passou a ser mais intimo e, como não, o autor deste blogue, O
Marcelo. Mas depois de 10 anos numa grande cidade, não consegui me readaptar à
pequena realidade... Ao mesmo tempo, não queria voltar para o Recife, que
naquela época enfrentava altos níveis de violência, mais precisamente, a 2ª
cidade mais violenta do país.
Foi então que comecei a pensar
em sair do Brasil, emigrar, procurar outros rumos, “auto-exilar-me”. Já
conhecia a Espanha, através de uma viagem feita no ano 1988. Gostara muito da
vida madrilena, portanto, a ideia começou a amadurecer. Em janeiro do ano 2000
decidi lançar as cartas e vim a Madrid para solicitar o meu acesso num programa
de doutorado em educação na Universidade Complutense. Pedi também uma bolsa de
estudos, pois não costumo fazer loucuras. Ousar é preciso, mas sempre com
responsabilidade. Ganhei a bolsa e, 9 meses depois, no dia 3 de outubro de
2000, pus os livros mais interessantes da minha biblioteca em duas caixas,
algumas roupas (estava começando o inverno na Europa e não precisaria das
roupas brasileiras), alguns CD’s, um tanto de força e outro de coragem, peguei
o ônibus da Progresso às 11 horas da manhã, cheguei ao Recife por volta das 17
horas e, às 23 horas já embarcava para Madrid via Lisboa. São já quase 15 anos.
Deixei o meu filho com Genisete
por 1 ano. Em 2001, trouxe-o para viver comigo. Hoje tem 22 anos. Atualmente
sou professor, trabalho com o ensino da língua portuguesa para espanhóis,
chegando a publicar um manual de aprendizagem que, modéstia à parte, é sempre
bem considerado por quem o usa. Além da atividade docente, desenvolvo também
outra atividade profissional, a de guia turístico na Itália. Ou seja, moro em
Madrid, trabalho na Itália e tenho um imenso amor por União!
É tudo! Espero-vos por aqui, por
que não?