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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Da Rua da Ponte para o mundo Por José Lucimar Lourenço

A pedido do meu amigo José Marcelo, escrevo estas linhas que não quero que pareçam autobiográficas, senão uma tentativa de me reencontrar com a minha gente querida da terra de onde vim. 

Pois bem, para começar a esclarecer, não nasci em União dos Palmares mas sim em Santana do Mundaú, que por sua vez, um dia, já pertenceu aos domínios de Maria Madalena. Ou seja, que eu estava condenado a ser palmarino um dia. Já em Mundaú, levava uma vida ligada à igreja católica e muito próxima aos movimentos sociais. Aos 15 anos cheguei à Rua da Ponte. Confesso que cheguei um pouco confuso, adolescente quase jovem, com sonhos, mas naquele momento diante de novas situações, com gente nova por conhecer, escola nova, enfim, um desafio para o adolescente meio provinciano que vinha para o que se me apresentava, naquele então, como uma grande cidade! União era isso! Só para terem uma ideia do que escrevo, comecei a ler a trilogia “O tempo e o vento” do Érico Veríssimo, na biblioteca de Santana do Mundaú. Porém, lá, só havia os dois primeiros volumes (“O continente” e “O retrato”).... Tive que vir à minha “metrópole” palmarina para ler o terceiro volume, “O arquipélago”! 

A Rua da Ponte surpreendeu-me. Em plena efervescência dos 15-16 anos, tinha eu, à minha disposição, novos amigos, figuras humanas incríveis, elementos que não poderia viver em Mundaú (uma casa de Umbanda, por exemplo, a casa de Dona Laura) e a possibilidade de manter a mesma linha de compromissos eclesiais e sociais, mas agora numa dimensão mais ampla. Tinha até o Ivan Nunes, que era já uma figura polêmica, ligado ao jornalismo e à política. E tinha o “Dr. Mano”, como o chamavam.... objeto da minha descrença política desde sempre. Sem falar que tínhamos a Serra da Barriga atrás das nossas casas! O Centro Comunitário Nossa Senhora da Ponte era o lugar dos encontros para a catequese e o grupo de jovens, o FJUC. 

Foi a época do encontro com as irmãs Zely, Lourdes e Célia, além do inesquecível encontro com amigos eternos: Luciene Barros, Idabel, Telma, Denilson, Ednaldo (hoje padre), Cizino, Edjane, Zé Gomes, Neilton, Teresa Morais, Cláudia Amália, Mário Bispo e, como não.... a querida Genilda Santos, que hoje já não está entre nós, pelo menos fisicamente. Isso sim, posso dizer, pessoas ligados ao meio popular. O trabalho ligado à igreja levava-nos a uma linha popular. Catequese renovada, jovens do meio popular, etc. 

Surgiu nessa época a militância política, gerando dúvidas se militava no PT ou no PC do B. Acabei ficando no PT, onde ganhei muita experiência de organização política e social e um bom ganho de consciência política, com os chamados núcleos de base do PT. Foi fundamental nessa época o meu encontro com Genisete Sarmento, pessoa a quem dedico um imenso carinho.
A escola escolhida para iniciar o antigo 2º grau, foi, sem dúvida, o Carlos Gomes. Imaginem, sair da Rua da Ponte para os Terrenos, para estudar à noite, não era tarefa fácil. Mas nem por isso desestimulante. Foi no Carlos Gomes onde encontrei gente tão fantástica como os professores Navarro, Lúcia Mendonça, Doralice e Mariné, entre outros. 

Era um gosto andar pelas ruas de União à noite. Tranquilidade é uma palavra que não consegue definir a paz com que se andava naquele tempo. Cruzar a ponte às 23 horas ou à meia-noite era, para mim, aos 18 anos, algo tão normal e prazenteiro como estar em casa lendo um livro. Ouvia-se, sim, muitos cães e aves noturnas. Mas nada de bala perdida. Nada! 

Comecei a trabalhar no mesmo ano em que cursava o 1º ano. Através de uma amiga que trabalhava na Laginha, fui até à Usina para uma seleção entre outros tantos rapazes e fui selecionado! A função? Era algo que se dizia “office-boy”. Garoto de recados? Pode ser, mas abriu-me inúmeras possibilidades na vida. Fiquei na Usina durante 3 anos, até que senti que era chegada a hora de dar um passo mais. Ser um jovem de esquerda fazia-me ver que não só era difícil chegar da Usina às 18 horas na minha casa da Rua da Ponte para estar às 19 horas no Carlos Gomes, como também.... vi tanta injustiça social naqueles “acordos” de fim de safra.... como eram ludibriados os trabalhadores rurais! 

Pois bem, era o ano 1987, último ano do segundo grau. Vontade imensa eu tinha de aprovar o vestibular para o curso de letras na UFAL. Mas ao mesmo tempo, já havia uns 2 anos, tinha começado a discutir com os grupos da igreja a possibilidade de entrar para o seminário. Tanto os padres Donald e Emilio, como a Ir. Zely Perdigão participaram exaustivamente do meu processo de discernimento. Não era fácil.... Ser padre? E os projetos políticos que me surgiam? E a vida pessoal? E os meus pais, família e amigos que ficariam aqui? Mas foi assim. Deixei a Usina em outubro de 1987. Naquela época, Genisete participava de uma comissão que administrava a antiga Palmarina, junto com Carlos Leal. Foi assim como estive na secretaria da Palmarina de outubro de 1987 até fevereiro de 1988, quando decidi levantar voo. 

Depois do carnaval, saí de casa, fui para o seminário. Todo o ano de 1988 morei na cidade de Garanhuns para o que se chama “propedêutico”, ou ano preparatório para o ingresso no seminário maior, onde se cursam filosofia e teologia. Por falar em Garanhuns, que cidade tão agradável para se viver! Ainda naquele ano, e através de uma antiga revista pertencente ao “Clube do Livro”, fui premiado com um carro Gol, que o vendi e aproveitei para comprar a casa onde até hoje mora a minha família, fora da Rua da Ponte. O negócio foi o seguinte: a minha amiga Luciene Barros apresentou-me ao clube. Sempre gostei de ler. Portanto, comprar livros não era difícil, embora fosse caro. Cada livro comprado, um selo para participar do concurso. Bem, enviei os benditos selos sem nenhuma esperança de ganhar. Mas as coisas são assim.... em maio de 1988, recebi já em Garanhuns uma ligação da Luciene informando-me que a tinham contactado à minha procura. E vejam só.... um ano mais tarde, em 1989, o Rio Mundaú elevou as suas águas a um nível terrivelmente alto. O que teria acontecido com a minha família se ainda morasse lá? Não se sabe, mas se agradece a bondade divina, não é? Ainda em Garanhuns ganhei um companheira que jurou que me acompanharia pelo resto da minha vida, a minha companheira diabetes mellitus, esta impertinente. 

1989 foi o ano em que, outra vez, conheci uma nova “metrópole”, a cidade do Recife. Se União representou aos meus 15 anos a rebelião, o Recife representou aos meus 19 anos a própria revolução! Fui estudar filosofia e teologia num dos maiores institutos de teologia da América Latina, o antigo ITER (Instituto de Teologia do Recife). 1 milhão e meio de habitantes, foros sociais, discussões, cultura, festa, enfim! Dizia o poeta alagoano Lêdo Ivo: “Amar mulheres, várias; amar cidades, só uma: Recife”. E o Recife é mesmo uma cidade para se viver, aprender e absorver Foi no Recife que conheci a Nádia Seabra, quase uma diabetes para mim! 

Mas falando na enchente de 1989, Vim a União para as férias de julho e acordei numa daquelas manhãs frias e chuvosas como são as manhãs de julho na zona da mata alagoana, com o meu pai avisando-me da enchente, que já inundara o Taquiri. Imediatamente levantei-me e fui à Rua da Ponte tentar encontrar os antigos amigos. Por volta das 10h da manhã já não se podia sair da rua, porque o rio tinha coberto a ponte. Ficamos ilhados, umas 20 pessoas, até que tivemos que subi ao telhado da padaria do “seu” Lula, pai de Luciene Barros. Nunca tinha imaginado nada igual! A água banhava o telhado. Éramos 20 pessoas trepados ali, desde as 11horas da manhã, sem água, sem comida, sem saber se sairíamos vivos. Ficamos até às 6 horas da manhã do dia seguinte, quando baixou o nível das águas. Ao descer, parecia ser que um furacão tinha passado por ali, derrubando postes, abrindo buracos na rua, derrubando casas.... (sinceramente, não vivi a enchente de 2010, mas ao ler as notícias por internet, foi como se estivesse vivendo tudo aquilo). 

Terminando a minha formação acadêmica no Recife, após a conclusão do mestrado em educação, entraram-me vontades de voltar a União, de contribuir com a sua modernização. Já eram 10 anos de Recife, era hora de dar outro passo. Tinha já adotando o meu filho e também queria oferecer-lhe um lugar mais tranquilo para crescer. Decidido, voltei para a terrinha. Nessa época, conheci outras pessoas com quem mantive boas relações, entre elas, as professoras Aída e Edvanice, a Gedilma, o meu primo Nivaldo Marinho passou a ser mais intimo e, como não, o autor deste blogue, O Marcelo. Mas depois de 10 anos numa grande cidade, não consegui me readaptar à pequena realidade... Ao mesmo tempo, não queria voltar para o Recife, que naquela época enfrentava altos níveis de violência, mais precisamente, a 2ª cidade mais violenta do país. 

Foi então que comecei a pensar em sair do Brasil, emigrar, procurar outros rumos, “auto-exilar-me”. Já conhecia a Espanha, através de uma viagem feita no ano 1988. Gostara muito da vida madrilena, portanto, a ideia começou a amadurecer. Em janeiro do ano 2000 decidi lançar as cartas e vim a Madrid para solicitar o meu acesso num programa de doutorado em educação na Universidade Complutense. Pedi também uma bolsa de estudos, pois não costumo fazer loucuras. Ousar é preciso, mas sempre com responsabilidade. Ganhei a bolsa e, 9 meses depois, no dia 3 de outubro de 2000, pus os livros mais interessantes da minha biblioteca em duas caixas, algumas roupas (estava começando o inverno na Europa e não precisaria das roupas brasileiras), alguns CD’s, um tanto de força e outro de coragem, peguei o ônibus da Progresso às 11 horas da manhã, cheguei ao Recife por volta das 17 horas e, às 23 horas já embarcava para Madrid via Lisboa. São já quase 15 anos. 

Deixei o meu filho com Genisete por 1 ano. Em 2001, trouxe-o para viver comigo. Hoje tem 22 anos. Atualmente sou professor, trabalho com o ensino da língua portuguesa para espanhóis, chegando a publicar um manual de aprendizagem que, modéstia à parte, é sempre bem considerado por quem o usa. Além da atividade docente, desenvolvo também outra atividade profissional, a de guia turístico na Itália. Ou seja, moro em Madrid, trabalho na Itália e tenho um imenso amor por União! 

É tudo! Espero-vos por aqui, por que não?


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