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segunda-feira, 11 de julho de 2016

"Nunca me senti inferior ou superior aos professores que trabalham na zona urbana" Verônica Cândido



Entrevista: Professora Verônica Cândido

Jmarcelo Fotos: Verônica, você é natural de Rocha Cavalcante/barra do canhoto? Fale como foi sua infância.

Olá Marcelo!
 
Bom dia!
Sou naturalíssima de Rocha Cavalcante e amo esse pedacinho de chão. De família humilde, sou a segunda filha de oito filhos, meu pai agricultor, minha mãe doméstica, tinha que cuidar dos meus irmãos menores enquanto minha mãe ajudava meu pai na roça, o que ganhava, dava apenas para o sustento básico da família. Me sobrava pouco tempo para brincar, mas muito sabia aproveitar. Nunca tive uma boneca bonita, a única lembrança que tenho é de uma boneca que conhecíamos como Vanderléia, que há muito tempo não lembro de ter visto nenhuma criança com uma igual. Gostava muito de jogar queimado na rua, do banho de rio e de chuva em dias de trevuadas e também de tocar a campainha da casa do saudoso Biu da Barra e de dona Miriam e sair correndo.Ô tempo bom!!!

JMarcelo Fotos: O que mudou no distrito e o que continua igual?

Pouco mudou. A população cresceu, claro, mas as condições de sobrevivência continua igual, e todos os dias vemos nossos jovens deixar sua terrinha em busca de melhores condições em outro estado. 

Uma das mudanças que ocorreu e que nos deixa triste, é que na minha infância podíamos correr e brincar na rua até tarde, se possível a noite inteira, enquanto hoje não estamos seguros nem mesmo dentro da própria casa. Parte dos nossos jovens se envolvendo em drogas, o que é lamentável, colocando em risco suas vidas e da comunidade.

Jmarcelo Fotos: Como morador do distrito, lembro-me das brincadeiras das crianças como: jogar bola, pinhão, de carrinho ou boneca. Hoje não vemos mais esses encontros nas ruas e, por outro lado a violência até nas brincadeiras hoje em dia, por que as boas tradições estão de perdendo?

O avanço tecnológico que muito ajudou, mas também contribuiu para isso. Hoje pouco, ou quase não se ver a criança construindo seu próprio brinquedo, tipo carrinho de lata de óleo ou de garrafa de água sanitária ou até mesmo da madeira dos caixotes de peixes que pegavam na feira livre. Hoje praticamente tudo é virtual, carrinhos de controle remoto que faz tudo sozinho, tirando o prazer das crianças de por as mãos na massa, assim se acomodando.  E a violência que não permite as brincadeiras de rua.

JMarcelo Fotos: Como era a Verônica aluna?

Modéstia parte, muito dedicada, gostava muito de estudar, gostava de aparecer, me destacar, era ousada, nunca fiz provas de recuperação, sempre tirei boas notas, respeitava meus professores como a meus pais, assim como quase todas as crianças da minha época, gostava de interagir, fazer amizades na sala de aula e ajudava a quem precisava. O meu pai foi meu grande professor de reforço, principalmente em matemática, cantava a tabuada, aos 10 anos dominava as quatro operações.

JMarcelo Fotos: Sempre quis lecionar ou pensou seguir outra carreira? 

Na verdade meu primeiro trabalho foi de balconista aos 13 anos na mercearia do senhor Otávio, pesei muito açúcar, bolacha seca, feijão, arroz e também cortei muito sabão, não tinha ainda uma opinião formada em relação a profissão que deveria seguir. Mas venho de uma família que tinha muitos professores, como tias, primas e até minha mãe foi professora do projeto MOBRAL, acredito ter me inspirado nelas.

JMarcelo Fotos: Você começou a lecionar aos 16 anos, como tudo aconteceu? O que é ser Professor/a para você?

Era o ano de 1985, gestão municipal do saudoso Rosiber Oliveira, o secretário de educação era o saudoso José Alves, eu cursava 7ª série na Escola Cenecista Adélia da Cunha Machado Pedrosa que funcionava a noite no antigo prédio da Escola Antônio Gomes. Meu pai havia sofrido um acidente em janeiro de 1983 do qual veio há falecer, e minha mãe tinha que manter oito filhos menores apenas com uma aposentadoria e com o que recebia como serviçal na escola Papa Paulo Vl, e também com o que eu e meu irmão mais velho ganhávamos trabalhando em mercearias, mal dava para suprir as necessidades básicas. Nesse mesmo ano surgiu uma vaga de professor na escola Papa Paulo Vl e a diretora era minha prima, minha mãe a procurou e lhe pediu essa vaga, mas para sua surpresa ela respondeu que não, porque eu não tinha tipo, na verdade eu era muito magrinha, porém muito inteligente. Mas como tudo só acontece conforme a vontade de Deus, nesse mesmo ano, uma professora da escola Antônio Gomes precisaria se ausentar por uma semana e a diretora que era minha tia me pediu pra assumir sua turma e que eu seria remunerada pela professora, em um desses dias o secretário de educação visita a escola, e estava eu explicando o conteúdo com esse timbre de voz que Deus me concedeu do qual muito me orgulho, o que chamou a atenção do secretário que logo quis saber quem era a professora. Foi informado que se tratava de uma substituta. Havia na escola uma turma de pré-escolar com 40 alunos e a professora não estava tendo condições de controlar tantos alunos, então a diretora procurou o secretário e solicitou outra professora, e para sua surpresa ele concedeu que dividisse a turma mas lhe fez um pedido, que ela contratasse aquela professora magrinha que ele havia conhecido em uma de suas visitas aquela escola, mal sabia ele que aquela professorinha era sobrinha da diretora e que a deixaria muito feliz. Então, no dia 05 de agosto de 1985, eu me tornaria oficialmente professora da ESCOLA MUNICIPAL DR. ANTÔNIO GOMES DE BARROS onde lá estou há exatos 31 anos com muito orgulho. 

Por ironia do destino, no ano de 1987, a escola Papa Paulo Vl, a qual eu não tinha tipo para ser professora, tem necessidades de uma professora para lecionar na 4ª série, pois não tinha uma professora com esse perfil, e a diretora viabilizou na secretaria de educação uma possível troca, e a própria trouxe uma transferência de troca de professores de uma escola para a outra, e nessa troca estava eu, como não tenho papa na língua e sempre procuro oportunidades, fiz questão de trazer a transferência, entregar a diretora e ironicamente dizer olhando nos olhos dela eu sentia muito, mas infelizmente não tenho tipo pra lecionar nessa escola.

JMarcelo Fotos: Nesses 30 anos de profissão sentiu algum tipo de descriminação por trabalhar em escola da zona rural? 

Não que eu lembre.
Sempre fui muito organizada, dedicada, sentia prazer em lecionar, nunca me senti inferior ou superior aos professores que trabalham na zona urbana.

Jmarcelo Fotos: Atualmente como diretora da Escola Municipal Dr. Antonio Gomes de Barros e, já tendo trabalhado em duas escolas particulares como a José Correia Vianna e Santa Maria Madalena, existe diferença no ensino entre as escolas da rede pública e privada?

Não no ensino como um todo, eu diria na aprendizagem, pois os professores da escola privada geralmente é o mesmo da escola pública, porém os alunos da escola privada para os pais são vistos como investimento, querem retorno, enquanto a maioria dos pais ver a escola pública como passa tempo dos filhos, hoje, para garantir uma bolsa família. Claro que na escola pública temos professores que quer fazer de qualquer jeito, enquanto na privada ou faz bem feito ou não fica, seu produto deve ser de qualidade para atrair a clientela.

Jussan Gonçalves, professor: Com todos esses anos se dedicando a educação palmarina, seja como professora, coordenadora ou como diretora, qual seria a principal dificuldade enfrentada por você ao longo desses anos convivendo com todas as dificuldades que a escola pública apresenta? E qual foi o momento de maior satisfação profissional em sua vida?

Meu querido Jussan...
A maior dificuldade que enfrentei, foi em um período que tínhamos que comprar até mesmo o giz para ministrar nossas aulas, pois nem mesmo este a secretaria disponibilizava, e passamos 9 meses sem receber remuneração, que era tão pouco que se calcularmos hoje, seria a terça parte do salário mínimo.  Satisfação é olhar em minha volta e ver tantos pedagogos, engenheiros, agrônomos, enfermeiros, entre outros profissionais, e saber que contribui para aquela formação. Mas a maior satisfação que me emocionei a ponto de deixar as lágrimas rolar foi quando um ex-aluno me encontrou pelo facebook e tive com ele esse diálogo:


dvogado na empresa Lins e Beltrão Advocacia
Mora em Olinda
15/9/2015 00:24
Querida professora!!!!!! Boa noite!!!??
Oi
Que bom lhe encontrar por aqui. Como estas!? Ainda lecionando!?
Anastácio ...
É vc msm?
Sim...rsrsrs. Sou eu mesmo. Em carne, osso e internet. Rsrs RS
Meu DEUS!
Sim, sim... Ainda
Nossa! estou até emocionada !
Rsrsrsrs... Tbm professora. Muito bom reencontrar alguém responsável pela minha formação acadêmica e ética.
Segunda série...rsrs
Não, não... 3° e 4º série
Acho q nao, salve-se engano, quarta série foi com Edjane.
Então deve ter sido 2 e3
Podes não acreditar , mas chorei agora em te encontrar
Rsrsrsrs
Obrigado professora. Acredito sim.
Isso significa o amor que vc tem pela sua profissão e seus alunos.
Tbm estou muito emocionado.
E seus pais, como estão?
Estão bem, a idade chegou né!? Com isso vem as doenças, manias e os derivados... Kkkkkk
Mas estão bem, Obrigado mesmo
Vc se tornou um homem mto lindo
Rsrsrs... Obrigado... A senhora rbm, continua a mesma coisa. Tanto que mesmo depois de anos, lembre na hora de quem se tratava.
Pelo seu perfil, é advogado ,acertei ?
Sim, sou advogado
Graças a senhora!!!
Rsrsrs
Fez parte da minha formação.
Lembro que de tantas professoras que tive, era uma das, se não a única que tinha um carinho por aquele menino capelinha e danado!!!! Kkkkkkk
Fico feliz pelo reconhecimento
Lembro sim. Veio várias lembranças com o reencontro
Mas os principais responsáveis foram seus pais, sempre presente.
Claro, claro, tenho total consciência disso. Mas eles fazem por obrigação, a senhora fez por amor a profissão e carinho que eu sei que teve...rsrsrsrs
Meu lindo... estou feliz de te encontrar e saber q está muito bem, louvo ao SENHOR por isso, mas preciso sair, amanhã acordar cedo.
Não quero perder o contato contigo
Agora q te encontrei não quero te perder de vista.
Obrigado professora!!!!
Pode ter certeza que a emoção foi mútua. E claro que não perderemos. Qualquer coisa só falar.
E hoje, como ex aluno, quero agradecer e Parabenizá-la pelo meu e de muitos outros alunos.
Meu ensino*
Imagina meu anjo!
Mas obrigada pelo carinho.
Anjo hoje né!?!? Kkkk na época... Kkkkkkkkkk
Obrigado mesmo.
Santos " diabinhos"
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Kkkkkkkkkk
Boa noite professora. Fique com Deus.
IDEM!

Não existe satisfação maior que o reconhecimento, confesso que não tive como conter as lágrimas enquanto dialogava com esse menino, que para mim não cresceu, continua sendo o mesmo menino rebelde, a quem eu tinha tanto carinho.

Jmarcelo Fotos: Cite algumas conquistas como gestora, a exemplo do melhor projeto de meio ambiente onde aluna e coordenadora da Escola Antonio Gomes foram a Brasília.

Meu querido amigo...
As conquistas são muitas, são diárias, a cada final de um dia de trabalho com aquela sensação de dever cumprido, e essas conquistas atribuo a todos aqueles que compõe a família Antônio Gomes, pois temos uma equipe invejável. Mas uma das maiores conquistas nossa, foi a elevação do índice do IDEB no ano de 2013, quando a nossa escola era taxada como o pior ensino do município, nossa equipe provou na garra que não era verdade. Embora não acredite em quantidade, e sim na qualidade do ensino.

Edvan Alves, professor: No geral o que você está achando do trabalho dos professores da Escola Antonio Gomes? Em que eles podem contribuir mais? (Levando em conta o suporte oferecido pela direção e coordenação).

Caro Edvan...
No nosso campo profissional, sempre precisamos se esforçar mais, aprender mais, ensinar mais, isso é fato. Estamos sempre aprendendo a medida que ensinamos, e melhorando a medida que aprendemos. Observo que como em toda escola sempre existe aquele professor desmotivado, aquele que percebemos que ainda está perdido, talvez pelo fato de está iniciando, adquirindo experiência, se encontrando ainda. Mas todos nós um dia precisemos começar, tropeçar uma vez ou outra até se sentir seguro. O que não devemos é se acomodar, por itens motivos que sei que existe, mas que não depende de nós solucionar.

Simone Araújo, professora: Para você, qual o maior problema que a gestão escolar enfrenta?

Minha querida Simone...
O maior problema de qualquer gestão será a não aceitação por parte de alguns funcionários, quando isso ocorre se torna impossível desenvolver um bom trabalho em parcerias. Eu particularmente não consigo trabalhar de forma isolada, gosto de buscar opiniões, dividir tarefas, até o momento está sendo satisfatória. Um dos problemas seria a falta de um suporte da família na escola.

Jmarcelo Fotos: Como você se sentiu por ter sido lesada no episódio da sua formação em pedagogia? E como é voltar à sala de aula para terminar sua graduação.

No início foi difícil, creio que ninguém pode imaginar, só sabe quem passou, mas depois comecei a aceitar, pois no dia da colação recebi um canudo vazio, porém minha mente está recheada de um aprendizado que levarei por toda a vida. Voltar a sala de aula foi muito bom, pois gosto muito de estudar e conhecer pessoas e metodologias novas, o curso só está enriquecendo, lapidando o conhecimento que adquiri anteriormente.

Jmarcelo Fotos: Quais são as vantagens e desvantagens de morar em um lugar com poucas opções de serviços básicos como: comércios, consultórios médicos, lazer etc? Já pensou em sair da Barra do Canhoto?

A única vantagem hoje diante de tanta violência é que em relação a outros lugares ainda é mais tranquilo, e talvez eu já esteja tão acostumada com essas poucas opções de serviços básicos que não me sinto incomodada . Já pensei sim em sair daqui, não por mim e sim por meus filhos, pra que eles possam ter oportunidades de trabalho e possam investir no futuro.

JMarcelo Fotos: Como cidadã de um distrito carente que é Rocha Cavalcante, como você analisa a atual situação econômica do município? 

A situação econômica é precária, as únicas fontes de trabalho são os cortes de cana, que com o fechamento da Usina Laginha dificultou ainda mais, e um mero contrato de trabalho de prefeitura que há muitos causam constrangimento e humilhações. Praticamente não temos opções, cada dia se torna mais difícil essa situação.

JMarcelo Fotos: O que você dá nota 10 e nota 0 aqui em União dos Palmares?

Sinceramente não vejo a que dar nota 10 em União. 

Mas teria uma infinidade de itens que daria nota 0, começando com a falta de respeito ao cidadão palmarino, falta de segurança, saúde precária , etc, etc, etc

JMarcelo Fotos: Como é Verônica esposa? E como é ser mãe de três filhos jovens? 

Procuro desempenha bem o meu papel de esposa, sou muito amiga, companheira, dedicada, me sinto realizada.

Ser mãe é o mais precioso dos dons, e ser mãe de  Vanessa, Thiago e Victória não tem preço. Sou muito possessiva, talvez até exagerada, para mim são sempre meus bebês. Agradeço todos os dias a DEUS os filhos que me concedeu; obedientes, educados, filhos que toda mãe gostaria de ter. 

Jmarcelo Fotos: Qual seu maior sonho hoje?

Me aposentar. Pendurar as chuteiras, ou seria o apagador e as cadernetas? Kkkkkkkk

JMarcelo Fotos: Vera, obrigado pela entrevista e fique a vontade para se despedir de nossos leitores.

Agradeço ao Blog do amigo por me conceder a entrevista, aos professores que tiveram sua participação, e dizer que não vejam nenhuma resposta como indireta ou crítica e sim, que possam a partir delas tirar algum aprendizado.

Espero que as respostas tenham sido satisfatórias.

Marcelo querido... Um super, hiper, mega abraço.
 
 Verônica com o esposo Limeira e os filhos Victória, Thiago e Vanessa.