Em Alagoas: União dos Palmares, Rio Largo e Santana do Mundaú
Em
2010, uma enchente terrível devastou muitas cidades do interior de
Alagoas e de Pernambuco. Uma situação dramática, que a imprensa mostrou
para todo o mundo. Milhões em dinheiro público foram enviados para
reconstruir esses lugares.
Quatro anos depois, a
reportagem da revista eletrônica Fantástico (TV Globo), exibida neste
domingo (14), mostrou postos de saúde que não atendem ninguém, escolas
caindo aos pedaços e verbas que saíam da prefeitura, para pagar serviços
que jamais foram feitos.
Junho de 2010, Alagoas. “A água toma conta do centro da cidade. A população entra em pânico”, disse um morador na época.
Alagoas,
hoje, quatro anos depois. Um posto de saúde foi construído justamente
para atender as famílias das vítimas da enchente. Mas o posto está com
portas quebradas e pedaços de madeira espalhados pelo corredor, em uma
situação de abandono.
São obras atrasadas. Além de
desperdício e desvio de dinheiro público que afetam a vida de famílias
inteiras. Gente que primeiro tinha sido vítima da natureza. Depois,
chegaram R$ 3,5 bilhões para educação, saúde para reconstruir as
cidades.
Mas... Fiação elétrica exposta e mais buraco no
teto. E é assim que os alunos estudam aqui em uma das escolas destruídas
na cidade de Palmares.
A enchente de 2010 no Rio Mundaú
atingiu 19 cidades alagoanas e 68 de Pernambuco. Quase 100 mil pessoas
ficaram desabrigadas, 45 morreram. O Fantástico voltou nas cidades que
visitou há quatro anos, para ver que fim levou o dinheiro da
reconstrução.
Em Santana do Mundaú, Alagoas, existem 11
mil habitantes. Mais de 700 crianças estudam na beira do rio que
transbordou em 2010. É uma área de risco, condenada pela Defesa Civil.
Os alunos não deveriam estar no local.
Mas veja só o que
aconteceu. Fotos mostraram um colégio novo, pronto para receber os
estudantes. Mas de uma hora para outra, a escola caiu.
“A
construtora já assumiu o erro, o equívoco que teve na falta de estudo de
solo, já notificamos e isso não vai ter nenhum custo para o estado”,
disse o coordenador do Programa de Reconstrução de AL, Herbert Motta.
Quatro
anos depois da tragédia em Alagoas, das 55 escolas destruídas pela
cheia, 14 ainda não foram entregues pelo Governo de Alagoas.
Segundo
secretário de Estado do Trabalho, Emprego e Qualificação Profissional,
Herbert Motta, justificou que houve várias dificuldades não só
climáticas como de terreno. "E o compromisso do governo é que a gente
entregue, feche esse ano, entregando 100 % dessas unidades", disse.
Dinheiro para escola existe, mas a obra ainda não começou
O
colégio fica em Rio Largo, 75 mil habitantes. O Fantástico chegou no
horário das aulas. “Nós temos 722 alunos”, diz a diretora de uma das
escolas, Luciene dos Santos.
Fantástico: 722? Só um banheiro?
Luciene: Só um banheiro.
Fantástico: Merenda é servida ao lado do banheiro?
Luciene: Do lado do banheiro.
Fantástico: Cheio de buraco no telhado. Quer dizer que quando chove então?
Luciene: Alaga tudo.
Unidade de saúde que custou R$ 500 mil está abandonada
A
construção da nova escola ficou parada por vários meses. Segundo o
prefeito de Rio Largo, Toninho Lins (PSB), o motivo foi uma crise
política. Crise que envolve o próprio prefeito. Acusado de
irregularidades, como improbidade administrativa e formação de
quadrilha, ele chegou a ser preso em 2012 e passou um ano e meio
afastado da prefeitura. E na saúde, mais problemas e dinheiro jogado
fora. Uma unidade está abandonada, no meio do mato. E sabe quanto
custou? Quase R$ 500 mil.
Um outro Posto de Saúde era para
atender os moradores de Rio Largo, depois da enchente de 2010. Foi até
inaugurado, mas nunca recebeu um paciente. Móveis e equipamentos foram
roubados.
“A gente já está em contato com a Secretaria de
Estado de Saúde para que a gente possa, verdadeiramente, refazer o que
tem que fazer e entregar para comunidade”, falou o prefeito de Rio
Largo, Toninho Lins.
Em Rio Largo, outro problema são
ônibus escolares novinhos, que foram enviados pelo Governo Federal, em
janeiro. Só que até agora são pelo menos sete ônibus parados,
estacionados, que deveriam estar levando os estudantes para as escolas
mas eles estão parados. O motivo, segundo o prefeito, é que os ônibus
não têm seguro. “Nós estamos fazendo essa licitação que demanda de uma
série de tempo para que a gente possa colocar efetivamente esses ônibus
para rodar”, afirmou o prefeito de Rio Largo.
Enquanto os novos não circulam, a prefeitura gasta mais de R$ 100 mil por mês com o aluguel de ônibus particulares.
“Havendo
esses dois gastos de dinheiro público, inclusive envolvendo verbas
federais, no caso da aquisição dos ônibus com certeza está havendo um
dano ao erário e um ato de improbidade administrativa”, destaca o
procurador da República Leandro Mitidieri.
MP sabe que famílias que moram em casas populares não foram vítimas da enchente
A
reportagem foi até União dos Palmares, cidade alagoana com 62 mil
habitantes. Foi nessa cidade que a água destruiu o maior número de casas
em 2010: quase cinco mil.
Seu João e Dona Teresa perderam
tudo e moram hoje no que sobrou da casa deles. O local está condenado
pela Defesa Civil. O casal quer sair e tem direito a uma casa nova no
conjunto habitacional construído para as vítimas da enchente.
Fantástico: Eles falam o quê?
João da Silva, desempregado: Tenha paciência. O seu cadastro está correto.
Fantástico: O senhor quer o que é do senhor...
João da Silva: Eu quero o que é meu.
Por que será então que o Seu João e a Dona Teresa não se mudam?
Em
um dos novos conjuntos de União dos Palmares, muitas casas estão
vazias, outras foram invadidas e algumas estão abandonadas. Mais
dinheiro público jogado no lixo.
Uma das casas está completamente abandonada. Roubaram as janelas, as portas. Não tem nada dentro do local.
O
Ministério Público já sabe que muitas famílias que moram nas casas
populares em União dos Palmares e em outras cidades não foram vítimas da
enchente.
E como o cadastro é de responsabilidade das prefeituras, a suspeita é que alguns imóveis foram liberados em troca de votos.
Prefeitura de União dos Palmares teria usado notas fiscais suspeitas
E
foi em União dos Palmares que o Fantástico encontrou a denúncia mais
grave de corrupção: políticos são acusados de fazer uma farra com o
dinheiro público. A prefeitura teria pago por serviços que nunca foram
realizados. E para tentar legalizar a fraude, usou notas fiscais bem
suspeitas.
“Mil e duzentas notas fazem parte desse esquema
de corrupção. O desvio chega a R$ 10 milhões no ano de 2013”, diz o
relator da Comissão de Inquérito, vereador Paulo César Oliveira, do PMN.
Em
uma das notas fiscais, aparece o pagamento de R$ 2,5 mil para a
construção de 10 banheiros na escola Manoel Rosa da Paz. O Fantástico
foi até lá.
Fantástico: Esses 10 não existem?
José Cizinho, diretor da escola: Não. Banheiro que existe, que foi construído pelo município, são esses aqui.
Fantástico: Só?
José Cizinho: Só.
Fantástico: Foram construídos em 2012, junto com a escola.
José Cizinho: Aqui faltam 10 banheiros.
O Fantástico procurou o prefeito de União dos Palmares.
“São 10 banheiros ou 10 chuveiros?”, pergunta o prefeito de União dos Palmares, Carlos Alberto Baia.
Fantástico: Não, 10 banheiros.
Prefeito: Dez banheiros, né? Será investigado, será apurado e o responsável será responsabilizado.
Pagamentos de serviços nunca executados
Também
há outros pagamentos suspeitos, de serviços nunca executados. Como a
construção de sala de aula, instalação de aparelhos de ar-condicionado e
transporte de alunos e professores.
Fantástico: Teve instalação de ar condicionado aqui na escola?
Funcionária: Não.
E
como explicar uma nota fiscal de R$ 2.5 mil? Entre as despesas da
prefeitura, aparece o pagamento de um reboque de caminhão usado para
transportar cana. Na nota fiscal, consta que esse reboque foi usado em
duas viagens para levar alunos de União dos Palmares até Recife, um
trajeto de 225 quilômetros.
A Câmara criou uma CPI para
apurar o caso. Entre os investigados, está este homem, pai de um
vereador da cidade. O nome dele aparece em várias notas e com prestação
de serviços diferentes. Em uma de R$ 2 mil, ele teria transportado
professores a um evento. O Fantástico checou a placa do veículo e
descobriu que é de uma moto.
Fantástico: Queria saber se o senhor tem uma moto, prestou serviço para prefeitura?
“Isso foi um erro de digitação mais nada a declarar”, diz o comerciante Carlos Alberto Basilo.
Fantástico: O senhor recebeu quanto por isso, para transportar?
Comerciante: Eu nem lembro que isso foi direto para conta. Eu não sei. Não estou bem a par do valor não.
Fantástico: É dinheiro público, o senhor não acha que deveria dar satisfação disso?
Comerciante: Sim. Exatamente. Na hora que precisar de esclarecimento, vai ser dado.
Erro
de digitação? O Fantástico investigou outras notas. Pela placa,
localizamos um carro. No papel, ele teria sido usado para transportar
professores, em 2013, por R$ 2 mil. A dona do carro diz que não é nada
disso. Ela mora em Ibirité, Minas Gerais, a mais de 1.8 mil quilômetros
de União dos Palmares.
“Nessa data aí, 2013, setembro, ele
já estava na agência para vender. Nunca saiu de lá, não. Eu acho uma
safadeza muito grande, muito grande mesmo”, afirma a funcionária pública
Leila Barbosa.
Prefeito alega que tudo não passou de erro de digitação
O
Fantástico também conferiu uma nota de R$ 3,5 mil, novamente para
transportar professores. E encontramos mais uma moto. Agora, em
Maranguape, no Ceará, a quase 900 quilômetros de distância.
“Nunca
emprestei essa moto para sair do município também pior ainda. Nunca,
nunca, nunca. Ela nunca saiu daqui, de Maranguape”, diz a professora
Marilúcia de Andrade.
O secretário de Educação foi
afastado. O prefeito de União dos Palmares alega que tudo não passou
mesmo de erro de digitação na hora de emitir as notas.
Fantástico: Errar dezenas de notas, o senhor não acha estranho?
Prefeito: O inquérito administrativo que nós estamos fazendo vai apurar isso ai e ver quem é o responsável por esse desmando.
Fantástico: E o senhor não sabia de nada?
Prefeito: Não sabia.
Fantástico: Mas o senhor não se sente constrangido de não saber de nada?
Prefeito: Muito, muito, muito constrangido.
Enquanto
isso, em União dos Palmares, uma escola está sem água desde o início do
ano. O motivo: a falta de um equipamento simples para bombear água do
açude. E na cidade, alunos vão para aula em paus de arara. Os caminhões
não têm nenhuma segurança.
Jovem diz como se sente ao ir para escola de pau de arara
Fantástico: Os alunos vão continuar de pau de arara?
Prefeito: Até a gente ter uma estrada vicinal que dê condição de um ônibus transitar.
Quatro
anos depois de passar por uma grande calamidade - vivendo hoje em meio a
obras atrasadas, denúncias de corrupção e tendo que ir para escola de
pau de arara - um jovem diz como se sente: “Rapaz, o cara se sente um
pouco meio inferior aos outros, porque têm uns que vêm no conforto
enquanto nós estamos vindo no caminhão”, destaca o estudante Jerônimo
Marques.
Fonte: Tribuna União