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terça-feira, 14 de março de 2017

Crônica de um desagravo alagoano

Está circulando pela internet um comentário postado recentemente no facebook em que um cidadão diz que deveria ser soltada uma bomba no Senado e também no Estado de Alagoas, a fim de que não se proliferassem “essas crias do inferno”, referindo-se a alguns parlamentares que ocuparam cadeiras no Senado Federal.

Nas palavras raivosas do citado cidadão, “Alagoas é um ninho destas pestes, uma ratoeira.” Ele fez referência expressa a alguns representantes políticos do Estado de Alagoas que estariam “infectando” todo o país.
O que responder a uma pessoa com esta, que é movida por tanta ignorância e intolerância?

Antes de tudo, não pretendo fazer aqui uma defesa dos mencionados políticos, posto que além de não ter votado nos mesmos, tão pouco os considero como bons políticos (sim, há bons políticos). Também gostaria de dizer que políticos de péssima qualidade, seja no aspecto ético-moral ou mesmo técnico (em geral nos dois aspectos), existem em todos os lugares. Que atire a primeira pedra em Alagoas aquele que vive em um Estado brasileiro que não tem políticos corruptos e despreparados em quantidade superior ao quantitativo que esperávamos. Sei que já foi dito que cada povo tem o Governo que merece, mas certamente não se pode atribuir à população as características pessoais de alguns de seus integrantes. Não estou passando a mão na cabeça do povo alagoano. De jeito nenhum. Que, em inúmeras situações, nós escolhemos mal  nossos representantes, isto é fato e a história está aí para confirmar. Mas jamais direi (ou ficarei calado diante de quem afirme) que o alagoano, ou quem quer que seja, é desonesto ou calhorda porque tem representantes políticos de péssima estirpe.

É um gesto de infinita ignorância achar que somente os que vivem em determinada região do país são os únicos (ou até mesmo os maiores) portadores de mazelas nacionais. O citado ato veiculado pelo facebook, longe de ser um fato isolado, provém de uma grande intolerância, especialmente com os nordestinos, situação que não deve ser calada.

O que fazer com um sujeito com esse e seus pensamentos tacanhos?

Imagino a realização de uma reunião com algumas figuras alagoanas ilustres para discutir o destino deste infeliz e preconceituoso indivíduo (uma reunião no estilo Meia Noite em Paris, de Wood Allen, onde personagens do presente e do passado se misturam). Nesta reunião, estariam presentes Graciliano Ramos, Nise da Silveira, Arthur Ramos, Pontes de Miranda, Aurélio Buarque de Holanda, Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto,  Zumbi, Zagallo, Marta, Cacá Diegues, Paulo Gracindo e Djavan.

Iniciada a reunião, o Mestre Graça diria:

– Nem em minha “Infância”, vi pessoa com tanta “Angústia”. Acho que pessoas com esta criatura têm “Vidas Secas”. Mal sabe ele que os “Viventes das Alagoas” são pessoas de bem, humildes, trabalhadoras, que honram suas origens “Caetés”. Minha cara Nise, creio que este rapaz precise de um sério tratamento psiquiátrico. Veja o que você pode fazer por esta pobre alma.

– Graciliano (eleito o alagoano do século XX, um dos maiores escritores da língua portuguesa), responde Nise da Silveira (psiquiatra, precursora dos tratamentos psiquiátricos humanizados no país), apesar de sempre ter defendido a utilização de terapias mais humanizadas, creio que para este senhor, não há muito que a psiquiatria possa fazer. Acho que ninguém melhor que o Mestre Aurélio para lhe dar algumas palavras.

– De fato, disse Aurélio Buarque de Holanda (filólogo, dicionarista, autor do principal dicionário da língua portuguesa), este rapaz tem que saber que tolerância é a “disposição de admitir, nos outros, modos de pensar, de agir e de sentir diferentes dos nossos” e que ignorância, de que julgo que ele é um grande possuidor, significa “Falta geral de conhecimento, de saber, de instrução./ Estado de quem ignora”. Creio que Arthur poderia analisar a condição deste indivíduo.

– Claro Aurélio, disse Arthur Ramos (etnólogo e antropólogo brasileiro, foi diretor da UNESCO), como sempre fui um estudioso das questões sociológicas, em especial da condição de segmentos objeto de discriminação, como os negros, sei que este cidadão é um reflexo de uma sociedade de exclusão: exclusão do pobre, do diferente, do que não vive perto dos grandes centros. Como ele, existem muitos outros que passam a vida se julgando superiores, detentores de uma moral e capacidade acima dos demais. Em outras palavras, merecedores de pena.

Neste momento, Pontes de Miranda (jurista, escritor, considerado por muitos o maior jurista brasileiro de todos os tempos, autor da maior obra jurídica da história da humanidade) acrescentou:

– De pena e dos rigores da lei. Atitudes como a deste rapaz configuram crime e devem ser apuradas e punidas, evitando novos gestos de racismo, preconceito e intolerância.

Neste exato momento, sentado ao lado de Floriano Peixoto (segundo presidente da República e consolidador desta), Deodoro da Fonseca (proclamador da República, primeiro presidente do Brasil) bradou:

– Se acharmos necessário para garantir os fins da República, a igualdade entre os cidadãos e o respeito aos direitos fundamentais, podemos reunir mais pessoas e criar um movimento revolucionário contra a ignorância e a intolerância. Meu amigo Zumbi dos Palmares, você que é um herói nacional como eu sou, o que você acha ?

Zumbi (líder negro, comandou a maior movimento de libertação das Américas no período colonial) então respondeu:

– Dei minha vida pela liberdade, e voltaria a fazê-lo, mas a liberdade deve ser exercida para o bem da humanidade. Ninguém tem o direito de se utilizar de forma indevida da liberdade de expressão para agredir as pessoas. Se o fazem, devem responder por tais atos.

Sugeriram que fossem enviadas poesias de Jorge de Lima e Lêdo Ivo para o citado cidadão se tornar mais civilizado.


Zagallo (único futebolista tetracampeão do mundo), que também estava presente, disse:

– Esse cidadão, goste de nós alagoanos ou não, ele vai ter que nos engolir.
A Rainha Marta (quatro vezes melhor jogadora de futebol do mundo) concordou com a opinião do Velho Lobo.

Cacá Diegues (grande cineastra brasileiro) emendou:

– Este cidadão  deveria ser informado que se Deus é Brasileiro, Alagoas é seu Paraíso das Águas.

Paulo Gracindo sugeriu:

– Este sujeito não deve ser Bem Amado.

Convidado para animar a reunião com seu talento musical, Djavan (compositor, cantor, um dos grandes da MPB), concluiu a reunião cantando:

– Você me deu liberdade
Pra meu destino escolher
E quando sentir saudades
Poder chorar por você
Não vê, minha terra mãe
Que estou a me lamentar
É que eu fui condenado a viver do que cantar
A–la, a–la, ala, Alagoas

Publicado por fabiolinslessa

Esse foi o comentário INFELIZ do cidadão Luiz Carlos Pielak sobre os alagoanos.