Audição vagamente
prejudicada, visão cansada, mobilidade comprometida nos últimos dois
meses, com 35 quilos em um pouco mais de 1,50 metros. Características
estas que representam certa debilidade, porém, por se tratar de uma
pessoa com certidão de nascimento de 1900, torna-se algo irrelevante.
Filomena Maria da Conceição,
114 anos, passa os dias sentada em uma cadeira de área, em Douradina
(PR), enrolada em uma coberta e, sonhando em reencontrar duas filhas
deixadas, há 59 anos, em União dos Palmares – cidade da zona da mata,
situada a cerca de 70 quilômetros de Maceió (AL).
A supercentenária,
denominação dada às pessoas com mais de 110 anos, lembra pouco da
infância, no entanto, o que não consegue apagar da memória foram os anos
de sofrimento diante do marido, a quem a tinha como propriedade ainda
desde os 15 anos.
“Sempre trabalhei na lavoura,
apanhava de meu marido e não aguentava viver com meus seis filhos
naquela miséria. Meu marido tinha outra mulher, então aceitei o convite
de um irmão para vir ao Paraná em 1966”, lembra, com auxílio da filha
Tereza Filomena dos Santos, 68.
Filomena diz que se estava
difícil em Alagoas, no Paraná tudo piorou. Como boia-fria sustentou os
quatro filhos que a acompanharam. “Muito sofrimento, trabalho duro de
sol a sol para viver”, observa.
Iletrada e com a memória confusa, Filomena nada sabe sobre a importância histórica de sua cidade de origem.
Devolve com outra pergunta,
seguida de uma resposta objetiva o questionamentos acerca da escravidão,
haja visto que nasceu 12 anos após a assinatura da Lei Áurea e, sequer
ouviu falar sobre o protagonismo de Zumbi dos Palmares – maior
personalidade de sua cidade natal. “Zumbi? Não sei”.
Outros fatos que poderia ter
testemunhado, tais como as duas grandes guerras, revoluções ou golpes de
1930 e de 64, bem como governos populares de Kubitschek e Vargas, nada
sabe. “Não lembro”, termina.
Quanto ao segredo da
longevidade atribui a Deus. Afirma que sempre comeu de tudo, nunca bebeu
bebida alcoólica e só deixou de fumar aos 74 anos. Para ela, cada um
tem que viver a vida e não se importar com a vida alheia. Aconselha a
não beber e a não jogar.
“A vida não dá nada a
ninguém. Quem dá é Deus. Não tenho nada a agradecer. Tudo o que fiz foi
trabalhar para os outros para viver. A única coisa que quero é
reencontrar Maria e Josemilda, as duas filhas que tive que deixar em
Alagoas”, emociona-se.
Com uma das certidões de
nascimento mais antiga do Brasil, Filomena nunca teve graves problemas
de saúde. Entretanto, submeteu-se a uma cirurgia intestinal há 60 dias.
Depois disso fragilizou-se, pressente que não verá a passagem de novas
décadas e aguarda socorro para ‘ver as meninas’, só então, aproveitar
seus últimos dias de uma jornada exaustiva.
Onde estão ‘as meninas’?
Filhos e alguns dos 15 netos
conhecidos de Filomena tentaram procurar Maria e Josemilda. As buscas se
concentraram, sobretudo, por meio de redes sociais, sem grande sucesso.
“Tentamos, mas é difícil. Não sabemos se elas estão em União dos
Palmares ou para aonde foram. Nunca mais tivemos notícias e só com a
ajuda da televisão, poderemos encontrar”, solicita.
Filomena diz que o marido se
chamava José Sebastião Martins e sabe que nos registros de Maria e
Josemilda há somente o sobrenome do pai, Martins. “Elas devem ter casado
e recebido os sobrenomes de seus maridos, mesmo assim, com os nomes dos
avós: Izabel Maria da Conceição e João Antônio da Silva, dos irmãos e
dos pais é possível encontrá-los”, destaca Tereza.
Quem poder colaborar para o
reencontro pode entrar em contato com o Ilustrado, pelo telefone (44)
3621-2500 – em horário comercial – ou pelo e-mail
editoria@ilustrado.com.br.
Mais velha
Análise pela internet e pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sugere que, caso
realmente tenha 114 anos, Filomena Maria da Conceição, não é apenas a
pessoa viva mais velha da região, mas de todo o país.
O problema é que uma análise superficial já é suficiente para certificar algumas inconsistências diante da questão.
Conforme depoimento de
Tereza, a segunda dos seis filhos, Filomena se casou aos 15 anos e só
teria o primeiro filho aos 44 anos. Algo improvável pela idade e,
principalmente, para uma época em que métodos contraceptivos relevantes
não tinham abrangência.
A dúvida aumenta se for
levada em consideração que em um período de 10 anos Filomena teve seis
filhos, uma média de um bebê a cada 1,6 anos, compreensível, porém,
pouco provável com a possibilidade dela ter tido seu último filho com 54
anos, seis anos depois de deixar seu único marido.
Tereza conta que a Certidão
de Casamento foi perdida e para vir ao Paraná, em 1966, teve que refazer
a Certidão de Nascimento, onde comprova ter nascido no dia 6 de março
de 1900.
Naquela época registrar os
filhos era incomum no Brasil. Uma lei de 1949 tentou amenizar o problema
permitindo que qualquer pessoa, acompanhada de duas testemunhas,
poderia solicitar seu registro simplesmente dizendo o ano de seu
nascimento.
Reconhecidamente, ou seja,
com documentos válidos, a pessoa que mais tempo viveu foi a francesa
Jeanne Calment. Ela morreu em 1997, aos 122 anos.
No Brasil há relatos de que
Maria Olívia da Silva, de Astorga (PR), morta em 2010, tenha vivido 130
anos, sem comprovação do Guiness Book e reconhecido pelo RankBrasil.
Para se chegar a uma
conclusão definitiva é preciso realizar alguns estudos, mas uma coisa
ninguém pode contestar, particularidades à parte, o documento oficial
atesta que Filomena é do século XVIII, portanto, provavelmente, a mais
velha do Brasil. (C. E. Z.)
Fonte: Cleverson Zanquetti/Umuarama Ilustrada
Fonte: Alagoas 24hs