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terça-feira, 2 de julho de 2019

Os professores da minha vida...

Dinorá é o nome da primeira professora de quem me lembro. Era morena, estatura mediana, cabelos cacheados, lecionou para a segunda série do ensino fundamental na Escola Estadual Marechal Rondon, em São José dos Quatro Marcos, na década de 80.

-Até hoje tenho fotos dela no meu álbum. Como havia perdido o pai recentemente, ela acabou me salvando de vários episódios de bullying: "Olha lá a menina sem pai", "sem pai, sem pai, ela não tem pai" (em tom de música), "você deve morrer igual seu pai" ou "vem aqui, vou te dar um tiro". Dinorá geralmente me resgatava em algum canto, com medo e chorando.

Se por um lado admirava absurdamente os professores, por outro, vivia uma contradição infantil: Por que eles eram tão maltratados pelo governo? Era comum fazerem rifa ou cota para colocar comida à mesa devido aos sucessivos atrasos salariais. Não sabia explicar, eram pobres, mas pareciam orgulhosos e felizes no cumprimento do seu ofício.

Orivaldo, de história e geografia, é o segundo nome do qual me recordo. Ele era divertido e bem-humorado. O que significa ‘quando dois carros se chocam?’ Parece que foi ontem, ele tentando me soprar a resposta 'acidente geográfico', porém eu ficava repetindo 'é uma batida'. Nunca mais me esqueci, porque errei na prova!

Sempre fui muito elétrica. Quando pequena, me envolvia com tudo que se possa imaginar: trabalho voluntário, teatro, catequese, piano, inglês e até esportes. Mesmo eu sendo péssima em vôlei e basquete, a professora Rosa, de educação física, nunca me disse ‘você não pode fazer’ ou ‘isso é perda de tempo’. Lembro com carinho das tardes divertidas de treino na quadra da escola.

Ah, como tenho saudades do bosque ao lado da sala de aula do 7º ano, onde fazíamos piquenique na hora do recreio e jogávamos queimada. A escola era toda florida, havia primaveras colorindo a fachada. Sinto um aperto no peito e muita gratidão, pois nos anos mais difíceis, aquele era meu mundo encantado.

Os próximos nomes da lista são da família Lessi, Maria Inês e Eliane. A primeira me ofereceu carinhosamente os primeiros passos em língua portuguesa. Já no 8º ano, um choque ao primeiro contato com a Escola Estadual Bertoldo Freire: a temida e carrasca professora de matemática. Sempre gostei de desafios e conquistar o carinho dela levou pouco tempo.

Além de uma excelente professora, o que mais me marcou em Eliane Lessi foi o seu carinho de mãe. Estávamos na adolescência, com descobertas acontecendo. Ela poderia ser indiferente, mas passou uma aula inteira, brava, explicando à turma sobre respeito nos relacionamentos. “Nunca mais quero vocês, meninas, sentadas no colo de ninguém!”.

Uma professora incrível, assim era a Nancy. Costumava ver Jô Soares diariamente até tarde, para participar ativamente das suas aulas! Não me importava em chegar chorando na escola por causa da violência doméstica, porque sabia que a professora de português estaria lá, para me ouvir, debater e me fazer pensar. Ela foi ao longo de dois anos a minha razão de viver. (obrigada!)

Também tenho boas lembranças do professor Júlio, do ensino médio, em Cuiabá. Ele falava baixinho e era todo educado. Mas eu não entendia direito o que ele dizia ou explicava, então, o que tinha de melhor? Era marido da Emiko, a inesquecível professora de geografia do colégio Isaac Netwon. "Minha estrela tem alguma contribuição à aula de hoje?". Emiko me fazia superar limites.

Janis, de gramática, certamente determinou meu gosto pela profissão e a escrita, me comparando à grande escritora Clarice Lispector no terceiro ano. Suas aulas eram divertidas, suas dicas valiosas. Tanto que passei na universidade federal sem muito esforço, mesmo duvidando da minha capacidade.

Quero prestar uma homenagem a todos os professores, que me fizeram ser quem sou como profissional e cidadã. Sei que os governos querem criminalizar e fazer caça às bruxas a eles, mas me parece tão absurdo. Incompetentes? Bem pagos? Truculentos ou comunistas? Desculpe, isso parece um lapso de juízo ou memória.

Vamos aos fatos. Manchete de O Globo, dezembro de 2018: ‘Brasil é o país que menos valoriza professores, diz estudo; China lidera’. No mês de junho deste ano, no Uol Educação: ‘Salário de professor no Brasil é "horrível", diz ex-presidente do Inep’. Dois anos atrás, no G1/Globo: ‘99% dos professores brasileiros ganham em média menos de R$ 3,5 mil, diz estudo’.

Deste ano, no El País: ‘No Brasil, Obama pede valorização dos professores e diz que educação não é caridade’. No entanto, para o Estado de Mato Grosso, em guerra há mais de um mês com os professores em greve, vale o argumento que paga o terceiro melhor salário do país a eles (R$ 5.553,00 – 30h semanais).

Agora, tomo a liberdade de uma réplica, com a manchete do próprio RD News de janeiro deste ano: ‘Maiores salários custam R$ 4,8 milhões para o Estado; sargento recebe R$ 108 mil’. Em maio, outra notícia dizia assim: ‘Folha de Poderes e órgãos alimenta marajás de MT’, pois alguns ganham até R$ 50 mil por mês!

Eu não sei qual a real intenção dos governos, refletindo minimamente não parece boa. Suponhamos que o Brasil fosse uma empresa em crise, os empresários cortariam seu órgão vital e principal insumo de crescimento? Espantariam ou perseguiriam as suas mentes mais brilhantes? 

Falei até aqui para concluir que o principal problema desse país é a hipocrisia e a falta de bom senso. Porque salário decente e condições de trabalho é o mínimo que podemos oferecer a quem tanto faz pelas nossas crianças e os nossos jovens. Então, quando se tratar dos meus professores, me faça um favor, mais respeito!

Rose Domingues Reis, jornalista graduada pela UFMT, especialista em Liderança e Coaching – MBA pela Unic, formação em Psicologia Positiva pelo Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC) de São Paulo, rosidomingues@gmail.com.