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domingo, 3 de abril de 2016

Como se faz um bom aluno?

O que é preciso para ser um bom aluno? De que forma pais e escola podem ajudar no sucesso educativo? Professores e especialistas dão algumas respostas. 
As boas notas começaram a surgir no 10.º ano quando ingressou na Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. Até lá chegar, Jorge (nome fictício) era um “aluno médio”. Do tipo: chega o três; não é preciso estudar para o quatro. Qual a razão para a mudança?

Ao fazer o exercício de olhar para trás, o aluno, atualmente no 12.º ano, percebe que “muita coisa mudou”. Para começar pode, finalmente, frequentar a escola para onde queria ser transferido desde o 7.º ano. Depois, ao escolher o curso de Línguas e Humanidades, conseguiu um currículo com as suas disciplinas preferidas: Língua Portuguesa, História, Filosofia, Inglês. Nunca mais se contentou com a mediania dourada de até então. No final do primeiro período a pauta mostrava muitas classificações acima dos 15 valores.

Motivação e esforço. São duas palavras sem as quais não se pode abordar o tema do “sucesso educativo”, dizem os especialistas em pedagogia e psicologia. Como se faz um bom aluno? “A resposta passa pela diferença entre ter rendimento e aprender”, esclarece Ana Salgado, investigadora na área da autorregulação, na Universidade do Minho. 
Antes convém pensar no que significa atualmente “ser bom aluno”. Será aquele aluno que consegue tirar 20 a tudo? Ou que é capaz de resolver problemas? Ana Salgado prefere a segunda visão. “Cada vez se reconhece mais a importância do aprender a aprender. Saber onde estão os recursos, como os utilizar para resolver o problema e aplicar o que se aprendeu a outros contextos.”

Para Luísa Moreira, coordenadora nacional do FMS Fénix, um projeto contra o insucesso escolar, entende que um bom aluno não acumula apenas competências cognitivas, mas também sociais e emocionais. Importa que o saber não ocupe espaço à consciência cívica e à interação social. Outro aspeto importante, para se ser um bom aluno, diz a professora, é “encarar a adversidade e o erro como algo natural que faz parte do processo de aprendizagem”.
Vários estudos internacionais têm mostrado o quanto o insucesso escolar não está apenas dependente da escola e dos próprios alunos. A condição financeira das famílias pode ser decisiva nesta equação.

O último relatório do PISA, intitulado “Low Performing Students: Why They Fail and How to Help Them Succeed”, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), confirma precisamente isso. Na lista de fatores de risco associados aos maus resultados dos alunos de 15 anos lê-se que “em todos os países os alunos oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos são mais suscetíveis de obter piores resultados que os seus colegas mais favorecidos”.

O estudo reconhece ainda que a autonomia das escolas é benéfica para os resultados dos alunos. Por um lado, refere que a existência de recursos e a melhoria das infraestruturas escolares são fatores importantes, mas só produzem resultados até ao momento em que estão reunidas as condições mínimas de qualidade. Significa que não basta aumentar os orçamentos na área da educação para contrariar os maus resultados. É preciso pensar quando e onde é necessário investir.

Dados nacionais resultantes de uma avaliação dos percursos de sucesso dos alunos do 3.º ciclo em mil escolas públicas, divulgados pelo Ministério da Educação a 24 de fevereiro, confirmam a mesma desigualdade mostrada pela OCDE. Quanto melhores são as condições económicas das famílias e mais alto o nível de habilitações literárias das mães, melhores são os resultados dos alunos.

Luísa Moreira concorda que “o sucesso educativo é plural”. Significa que não depende só das motivações intrínsecas do aluno, mas também dos contextos familiares e dos recursos da escola. “O segredo está em construir uma resposta, tendo em conta toda esta complexidade, atendendo aos desafios que os alunos colocam ao longo do seu percurso escolar.”

Os docentes são uma espécie de terceira pessoa deste plural. “Têm aqui um papel muito forte, pois é sabido que a relação professor-aluno é fulcral para favorecer a aprendizagem dos seus alunos”, lembra Luísa Moreira. E quanto à instituição educativa? As expectativas sobre o papel a desempenhar no sucesso escolar dos alunos são conhecidas: “A escola pode e deve mobilizar os seus recursos humanos e materiais para potenciar condições favoráveis para que cada aluno, de acordo com as suas características, se torne o melhor possível nas mais diversas áreas do seu desenvolvimento.”

Planear, executar e avaliar
Mas não basta a motivação para se ser um bom aluno. “É preciso trabalho, treino e esforço”, acrescenta Ana Salgado. Resumindo, há que estudar. Mas nem todo o estudo alcança os melhores resultados. Porquê? A especialista responde que “nesta era das tecnologias, as distrações e as solicitações são muitas”. Televisão. Computador. Telemóvel. São fortes adversários na luta de estar sentado na secretária a estudar a matéria. “Não digo que o aluno tenha de repetir cem vezes a mesma tarefa. Mas tem de ter uma rotina, um hábito de trabalho e sacrifício de determinadas atividades.” A chave para gerir tudo isto, diz, está na autorregulação do comportamento.

Aplicada ao estudo, a autorregulação surge como uma estratégia - quase empresarial - para atingir o sucesso educativo. “Se o aluno conseguir aplicar a lógica do bom planeamento, ir monitorizando a execução e no final avaliar o que correu menos bem e tentar implementar uma mudança no dia seguinte, gradualmente, vai aproximar-se de uma eficácia máxima.”

Chegar a essa competência de organização requer muitos passos. Mas que podem ser dados desde o pré-escolar, com crianças entre os 3 e os 5 anos. Como? Colocando uma série de perguntas que ajudam a criança a regular o seu comportamento. Por exemplo: O que correu bem? O que gostas? O que não gostas? “São questões fundamentais para aos poucos a criança ir treinando a forma de pensar sobre a abordagem às tarefas.”

Cinco minutos de planeamento tornam o estudo mais rentável, garante Ana Salgado. Para o aluno perceber o que tem de fazer, que materiais necessita e o tempo que dispõe. Depois quando se passa à fase da realização da tarefa, seja estudar para um exame ou fazer os trabalhos de casa, duas horas de estudo efetivo, sem publicações nas redes sociais ou mensagens no telemóvel, são preferíveis a quatro horas a fazer um pouco de tudo.

De pequenino...
“Fazer um bom aluno é um processo que começa no nascimento e se prolonga até ao alcançar da autonomia”, diz Diogo Simões Pereira, diretor-geral da EPIS- Associação de Empresários pela Inclusão, um grupo de mais de 100 empresários que em 2006 se uniram para promover a inclusão social em Portugal.

Um processo “complexo” que o empresário – também pai – associa ao desenvolvimento da criança e onde família e escola vão tendo mais ou menos responsabilidades. Mas para o qual, alerta, “não existem receitas”. Ainda que se disponha a sugerir um conjunto de tópicos onde se percebe que o tema mereceu uma reflexão profunda.

Ora, fazer um bom aluno, na opinião de Diogo Simões Pereira, começa por uma infância feliz: “Com afetos, regras e valores assentes em bons exemplos dos pais e das pessoas envolventes”. Implica uma boa estimulação cognitiva e social antes dos 6 anos. “Se a criança estiver no pré-escolar dos 3 aos 6 estas questões estão muito facilitadas, mas ainda há muitos alunos em Portugal que saem de casa para o 1.º ano e perdem oportunidades de desenvolvimento.”

A promoção do sucesso desde o 1.º ciclo tem de ser uma prioridade. “É importante que a criança goste de ir à escola, goste dos colegas e dos professores”, nota Diogo Simões Pereira, para que sem problemas maiores possa realizar outra etapa “fundamental”: a do “aprender a ler, escrever e a contar”. É altura de sinalizar eventuais problemas que possam dificultar as aprendizagens: ao nível da visão, audição e da fala. E de estimular a autoaprendizagem.

Se o que está a impedir o aluno de aprender é a falta de conhecimentos prévios, como muitas vezes os professores reconhecem, a intervenção tem de ser rápida, diz Ana Salgado, para minimizar o impacto dessa experiência negativa. “Se a criança experienciar repetidamente insucesso, fica desmotivada e entra em evitamento com aquela disciplina, professor ou a escola como um todo, porque está continuamente a sentir que falha." No caso de défice de conhecimentos base, a solução, aponta a psicóloga, “é voltar atrás e trabalhar a tabuada, o cálculo, a matemática ou a leitura. O objetivo é perceber o que falhou e tentar recuperar através de um trabalho muito concreto naquele conteúdo”.

Além dos conteúdos, há outros aspetos que convém começar a nutrir nas crianças dos 6 aos 10 anos. “É importante começar a trabalhar a ideia do mérito e da atitude positiva face ao esforço, ao sucesso e ao fracasso”, diz Diogo Simões Pereira. Para o empresário, é vital que as crianças percebam desde cedo uma ideia-chave para toda a vida: “Que há duas formas de fazer as coisas, uma é bem, a outra é mal. E a segunda dá o dobro do trabalho, porque depois tem de se repetir para fazer bem.” 

Por último, o sucesso garante-se também com emancipação. “Entre os 10 e os 12 anos é altura de começar a libertar o aluno para o estudo autónomo, ensiná-lo a gerir o seu tempo e a sua vida – como acordar sozinho, vestir-se, sair de casa ir de transportes públicos – toda essa autonomia é importante para o crescimento.”

A partir de certa idade é necessário trabalhar as ambições e os objetivos individuais. “Em muitos momentos, estar na escola é um esforço e os jovens têm de perceber para que serve.” Depois dos 14, 15 anos e a coincidir com a entrada no 9.º ano, os pais e os professores devem ajudar os alunos a encontrar a sua vocação.

Jorge descobriu a aptidão para o turismo ao participar numa visita guiada por Joel Cleto, historiador, pelas lendas de Matosinhos. Quer aliar numa profissão o gosto pela História e o Português. Conseguiu o que Diogo Simões Pereira considera essencial para alcançar o sucesso escolar no presente e profissional no futuro: “Devemos escolher as áreas de que gostamos mais e onde somos mais fortes. Até porque somos sempre melhores a fazer o que nos dá prazer.”
Fonte: Educare.Pt