Davi e Gednéa
Não lembro exatamente com que idade fui ao circo pela
primeira vez, recordo-me que era muito pequena.
Meu irmão, Léo, foi a pessoa responsável a me apresentar
àquele fantástico lugar, sai dali acreditando, verdadeiramente, que era uma
trapezista.
Minha mãe, vez por outra, surpreendia-me pendurada no
mosqueteiro de sua cama, ela não entendia, mas aquele era o meu único
instrumento para treinar minhas habilidades circenses.
Quando menos esperava, ouvia um urro: “Menina, esse
mosqueteiro não aguenta seu peso, você vai se arrebentar aí de cima!”
Descia muito triste e frustrada, no ápice do meu tão
esforçado desempenho, ela acabava com o meu sonho de trabalhar no circo.
Naquela idade tinha plena convicção que minha vocação era
ganhar a vida no circo, porém, minha mãe não entendia nada sobre meus objetivos
infantis, sempre me rebatia com suas chantagens emocionais dizendo: “Vai
trabalhar no circo? Então vai sozinha. Porque nem eu, nem seu pai temos vocação
para ser artista de circo.”
Minha intenção não era vê-los trabalhando no circo, eles só
precisavam ser meus pais, cuidar de mim, só isso. Quem iria trabalhar seria eu,
ora!
Por fim, minha mãe sempre terminava a conversa com aquela
risadinha irônica, coisa que detestava.
Aguardei ansiosamente por um bom tempo a chegada do próximo
circo à minha cidade, quando o circo do HE-MAN atracou por aqui, já havia
desistido de ser trapezista, toda minha dedicação estava voltada para ser uma
ginasta, para isso, tinha que no mínimo abrir escala e só se abre escala
praticando, como sempre, vinha minha mãe com os exageros dela, e gritava:
“Menina, você vai se partir ao meio!”
Nunca soube exatamente o porquê dos extremismos de minha mãe.
Deixei de praticar minhas técnicas em casa, tive a brilhante ideia de me
exercitar ao ar livre, lá nos corrimãos da entrada da AABB (Associação Atlética
Banco do Brasil), logo alguém me viu de cabeça para baixo executando minhas
atividades acrobáticas e correu para contar a minha querida mãe.
É possível imaginar o alvoroço que foi quando ela recebeu a
tal notícia. Não lembro mais qual foi a punição que recebi, contudo, não foi
suficiente para me impedir de treinar às escondidas.
Cresci na Rua Boa Vista, vulgo Terra Cavada, o fundo da minha
casa encontrava o muro da AABB, os dias de sábado e domingo eram sempre muito
animados, ali era o ponto de laser favorito da elite palmarina. Adorava ouvir
do meu quintal o barulho do tchibum das pessoas pulando na piscina.
Meu alvo já não era mais ser trapezista, muitos menos
ginasta, queria aprender nadar, a piscina do clube era exclusivamente para os
associados e infelizmente não era sócia de lá.
Na minha pacata cidade não havia muitas opções para a prática
da natação, só se aprendia nadar na piscina dos sonhos que era na AABB, em
alguma casa com piscina (não conhecia ninguém que tivesse uma aqui em união)
ou... no Rio Mundaú.
Das três alternativas qual foi mesmo a que me restou? A
terceira, claro!
O problema é que minha mãe era osso duro de roer, convencê-la
de que meu único meio para aprender nadar era o Mundaú, exigiria de mim muita
paciência, insistência e criatividade.
Precisava tentar, o máximo que iria acontecer era receber um
“não”, como de fato recebi, não um, mas vários “nãos”.
Foram muitos argumentos para fazê-la acreditar na minha mais
nova e fabulosa concepção. Não adiantou muita coisa, ela era dura na queda, não cedeu de
jeito nenhum.
Os pensamentos de minha mãe eram sempre muito pessimistas em
relação aos meus propósitos. Precisei abrir mão das minhas possíveis aulas de nado
sincronizado no Rio Mundaú o qual margeava o final da rua onde morava, meu
sonho de ser nadadora por um triz não foi concretizado, tudo porque passei a
ter a impressão de que todas as vezes que tocava nesse assunto, minha mãe era
tomada por um pavor repentino, longe de mim ser a causa do infarto do meu único
e precioso tesouro.
Além dos típicos exageros de minha mãe, ela era um tanto
dramática e totalmente do contra.
Definitivamente do contra.
Contra qualquer perigo que pudesse cruzar meu caminho;
Contra qualquer situação que pudesse machucar a sua cria;
Contra qualquer distância que seus olhos não conseguissem me
alcançar. Minha mãe era do contra, mas jamais poderia ser o que sou, se
não fosse suas contrariedades às minhas inocentes vontades.
O contra de minha mãe, de alguma forma, sempre foi minha
barreira de proteção.
De maneira divertida essa é uma homenagem à minha saudosa
mãe: Cicera Laurentina dos Santos, que tudo fez para que hoje me tornasse quem
sou. Se antes eu achava que ela era do contra, meu filho que não me avalie,
pois sou a versão dela um pouquinho melhorada, ou seria, piorada?