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terça-feira, 30 de junho de 2020

"Não me calarei mais!" Por Jeferson Freitas




Carta Aberta 

Queridos leitores e seguidores,
Estamos no mês do Orgulho LGBTQI+. Um mês para tornarmos essa causa cada vez mais visível, essencial. Um mês para relembrarmos e admirarmos aqueles que morreram e lutaram para que tivéssemos o direito de nos manifestar, de sermos quem somos. 

Um mês para usarmos nosso lugar de voz, nossos meios de comunicação e interação para motivarmos e despertarmos o sentimento de liberdade naqueles que ainda vivem a mercê do preconceito e da ignorância dos que não nos compreende como parte do todo. Porque sim! Queira você ou não, somos parte do todo. Não vamos nos abater ou desistir. 

Muitos motivos me levaram escrever esse texto, mas o principal é realmente o cansaço mental e emocional de estar acorrentado a pensamentos autonormativos e uma busca pela aceitação alheia espontânea, especialmente familiar, que pode ou não acontecer, mas que nem sempre deverá ser prioridade. A prioridade é se amar, o restante vem com o tempo. 

Moro num distrito em que a hipocrisia existe descaradamente, em que o preconceito é velado, mas ainda existe e persiste. As pessoas fingem ser o que não são e até impõem aos outros uma cultura conservadora e tradicional para não ferir a moral e os bons costumes empurrando aqueles que visam uma quebra de paradigmas e novos horizontes silenciosamente para dentro de gaiolas. Mas até aqui nenhuma novidade, acontece em muitos povoados e em cidades nem ouso mencionar. LGBT's existem em todos os lugares. 

Não importa se no seu interior ou cidade pequena as pessoas são mentes fechadas, quem tem que abrir e mudar são elas, não eu; não nós LGBT's. Mas nem todos são assim, é bom frisar que não precisamos ser LGBT para lutarmos pela causa, então pessoas maravilhosas também estarão nos apoiando nesses lugares. 

Definitivamente não podemos nos invisibilizar, nos limitar a padrões geográficos, físicos ou de outra natureza, muito menos ligar para o que os outros falarão. Sei que existem diversas situações familiares na conjuntura LGBTQI+ e querer assumir-se, e que nem tudo será fácil ou igual para todos, mas temos que tentar ter o nosso lugar de fala, de direito. Uma hora o sofrimento precisa acabar. Muitas vezes ele acontece quando ainda estamos no famigerado "armário". 

Por mim armário sempre seria o móvel que serve para guardar coisas, mas nos incutiram que serve como metáfora para o enclausuramento que LGBT's sofrem quando ainda não tem coragem para contar sobre si mesmos. Entendo que é uma decisão importante a se tomar, embora desgoste do termo sendo usado somente aos LGBT's. Se héteros não precisam se assumir, então por que nós precisamos? Já pararam para pensar nisso? 

Para endossar essa reflexão, citarei um trecho de um livro que amei ler, Simon vs. A Agenda Homo Sapiens da Becky Albertalli:
"É mesmo muito irritante que hétero (e branco, diga-se de passagem) seja o normal e que as pessoas precisam pensar sobre sua identidade sejam só aquelas que não se encaixam nesse molde. Os héteros deviam mesmo ter que sair do armário, e quanto mais constrangedor fosse, melhor." (Pág. 131) 

Somos pessoas normais assim como todos. Não escolhemos nascer nesta condição, é praticamente água cristalina sabermos disso; inclusive os héteros não escolheram nascer como héteros, mas os mesmos insistem em subverter tudo e continuarem se achando os ditos "normais". As pessoas negam essa verdade pelo medo do diferente, do que não conhecem. O que não sabem é que nossa existência é um ato político, que há muito a conhecer, então estamos aqui para que nos conheçam, para que nos respeitem. 

Ainda com relação ao armário, existe outro termo que conhecemos bem, e se não, reconhecerão o que quero dizer através do significado: "implodir" é provocar ou sofrer por dentro; provocar ou sofrer implosão. Essa implosão que causamos em nós mesmos é causada pela falta da aceitação, seja ela dentro ou fora de casa, por isso a necessidade de sermos vistos, ouvidos e valorizados. Quando isso não acontece, nos deparamos com a depressão, a ansiedade, o suicídio e a violência que nos mata. É doloroso, mas o Brasil é um dos países que mais matam LGBT's no mundo. 

Não nos matem! Não nos calem! Essas palavras são repetidas a exaustão, mesmo assim continuamos a ignorá-las porque é conveniente velar e propagar o ódio, o julgamento e o preconceito. 

Vejo e leio sobre meninos e meninas do interior, inclusive eu, e de tantas partes do mundo sofrerem por terem que esconder o que verdadeiramente são. Mascaram os desejos e formas de expressão temendo serem alvos de comentários ou agressões físicas. 

Neste ponto lembro da frase de um ativista e escritor australiano, Alexander Leon, que num tweet conseguiu sintetizar o que é crescer como LGBT em um mundo hostil: 

"Pessoas LGBTs não crescem sendo elas mesmas. Crescem sacrificando e limitando suas espontaneidades para minimizar humilhações e preconceitos. Nosso desafio da vida adulta é escolher quais partes de nós são o que somos de verdade e quais criamos pra nos proteger do mundo."
Sou cristão e acredito numa lição que Cristo nos deixou: "Amai ao próximo como a ti mesmo." Porém poucos a praticam. Exercitar essas palavras é ter empatia, reciprocidade, amor, independentemente de orientação sexual, cor da pele, crenças, interesses políticos e sociais. Amar nos humaniza. Deveríamos pelo menos tentar. 

Tudo isso parece clichê tendo em vista que muitos se utilizam do mandamento do amar para justificar que amam e respeitam quem é diferente, o que não podemos esquecer é que preconceito disfarçado de opinião (se você não a pratica efetivamente) continua sendo preconceito. 

Então vamos ao que interessa: Por que decidi escrever e revelar tudo isso agora? 

Cada ser humano escreverá sua própria história, e em algum momento o mundo vai conhecê-la. Faz parte da nossa evolução social. 

Escrevo minha história de duas maneiras atualmente: 

1. Sendo um professor-educador: Como posso ser um incentivador da crítica, da opinião, da construção de conhecimentos, da preparação para ser um sujeito de ideais e direitos, se me privo de também ser assim? É ilógico, não condiz com a profissão que escolhi. Nosso papel na educação e aceitação da diversidade é crucial na vida de uma criança, assim como o dos pais. Assistia um dia desses um vídeo de uma dragqueen, Bianca Dellafancy, no YouTube, em que ela lia relatos de pessoas LGBT's contando o que ouviam dos pais, professores, parentes, amigos enquanto crianças, e o quanto isso ficou internalizado, frustrando-as, impedindo-as de viverem plenamente como pessoas LGBT's. Chega disso! Pais e outras pessoas responsáveis pela educação de crianças: pensem e reflitam 1.000 vezes antes de abrirem a boca para matarem a futura vida de seus filhos e filhas, ou filhes. Vidas LGBT's importam! 

2. Sendo um escritor: Como posso escrever sobre garotos que se gostam, garotas que se amam, pessoas diversas que se relacionam, se busco ocultar e não viver minhas próprias experiências nesse sentido? Onde está meu lugar de voz nisso tudo? Por isso quero utilizar a literatura para gritar, para despertar quem ainda está dormindo, para amar sem culpa, para ajudar quem precisa. 

É surreal que em 2020 ainda temos que fazer isso, mas não pararemos. A luta continua! Ainda acredito que o amor transforma que é o legado que o futuro precisa. Sobre isso, deixo três frases de Fernando Pessoa para reflexão: 

"O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é." 

"Quando o amor não tem razão, é que o amor incomoda." 

"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." 

Não me calarei mais!
E preciso dizer:
Sou homem com muito orgulho!
Sou nordestino com muito orgulho!
Sou educador com muito orgulho!
Sou escritor com muito orgulho!
E SOU GAY COM MUITO ORGULHO!
Não tenham vergonha de si mesmos! Tenham orgulho sempre! 

Atenciosamente,
Jeferson Freitas.