A enchente arrasou as ruas, destruiu as casas e apagou registros de
histórias de vida. Tais registros eram, por razões próprias de cada um,
cultivados como objetos de estimação. Quando isso ocorre, impera a
resignação. E mais nada.
Imagine que alguém lamentou desbragadamente nunca mais tocar a camisa
do time autografada pelo centroavante que, muito tempo atrás, fez o gol
do título daquele campeonato inesquecível. É, tem gente que preserva – e
reverencia – todo tipo de utensílio que, a partir de um evento
qualquer, misteriosamente, conquista o altar exclusivo à categoria do
sagrado.
José Minervino Neto tem 31 anos, nasceu e vive no município de
Branquinha, aqui perto de Maceió, entre os canaviais e o rio Mundaú. Ele
foi uma das vítimas daquela enchente que causou estragos terríveis em
Alagoas, durante o mês de junho de 2010.
Como se sabe, naquela temporada de chuva forte, várias regiões do
estado foram afetadas de maneira dramática, com a destruição de centenas
de imóveis, quedas de barreiras e de pontes, além de dezenas de mortos.
Minervino é poeta e, portanto, guardava um bocado de textos que vinha
criando havia alguns anos. A casa em que morava, no entanto, foi embora
com as tantas outras que desabaram pela força da enxurrada. Junto com
tijolos, ripas, madeira e móveis, os poemas também sumiram entre papéis e
arquivos virtuais no meio do lamaçal e da tragédia. Quase nada sobrou.
Sem drama. Mais ou menos sob a inspiração desse enredo – essa dedução
é uma arbitrariedade do autor deste texto –, José Minervino reuniu seus
versos (os poucos que sobraram e os que vieram passada a tempestade)
num livro que sai agora com um título inapelável: Antes e Depois da Chuva.
Mas não espere lamentações e platitudes em torno do tal sentimento de
perda, essas besteiras que pulverizam todo e qualquer texto, fale do
que falar, tenha a forma que tiver. Como foi dito, nada de drama
apelativo por essas páginas. O nível do que vemos aqui é algo
quilômetros acima da média.
É uma estreia do barulho, como você e eu diríamos em horas de rasa
inspiração. Fato é que a literatura acaba de ganhar, a partir de
Alagoas, uma voz original e segura. Minervino deve ter lá sua maquinaria
secreta para nos surpreender com esse conjunto de poemas nos quais
sobriedade, contemplação e delírio nos remetem à essência das coisas, ao
coração da linguagem.
TREVOADAS DE JANEIRO
Daí que sempre em janeiro
Deus estala os dedos
E chora um pouco
Deus estala os dedos
E chora um pouco
Corre cachorro,
Corre menino,
Corre todo mundo!
Corre menino,
Corre todo mundo!
Lá vem o trovão
E as rajadas de chuva
Pra encher os brejos,
E as rajadas de chuva
Pra encher os brejos,
É tempo de Sebastião,
Santo guerreiro encarnado,
Nos defender do raio.
Santo guerreiro encarnado,
Nos defender do raio.
Fonte: Graciliano On-line