Pages

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Massa falida: uma aventura contábil chamada Laginha

Grupo do ex-deputado federal João Lyra acumula uma dívida de R$ 2 bilhões, mas mantém altos gastos mesmo falida. Perícia contábil nas usinas alagoanas foi feita sob ameaças

Dia de visita à usina Guaxuma, em Coruripe, Alagoas, com objetivo meramente burocrático: recolher documentações para dar prosseguimento à análise financeira da massa falida da Laginha Agro Industrial S/A, grupo do ex-deputado federal João Lyra (PSD). O que seria rotina de trabalho para o perito contador judicial Joel Ribeiro dos Santos Júnior virou um embate com militantes do MST que se empossaram do local. Impedido de entrar na usina por homens com foice e enxada na mão, Júnior voltou a Maceió sem cumprir sua missão.

O susto, entretanto, não parou por aí. Ao atender o telefone celular, o perito ouviu o alerta de um anônimo: “Pare o que está fazendo ou irá arcar com as consequências!” Como o trabalho investigativo nas receitas do grupo de Lyra persistiu, foi a vez de um carro seguir o contador durante a noite para reforçar as ameaças.

Perito foi ameaçado por telefone e perseguido por automóvel
“Isso tudo foi relatado nos autos do processo. Fui atrás de segurança, falei com o delegado da Polícia Federal e até solicitei porte de arma. Pessoas que trabalhavam comigo resolveram se afastar, nunca passei por algo parecido. Ninguém sabe, ainda, o autor das ameaças”, contou.
 
Depois dos momentos de adrenalina, havia situações de extremo desânimo. Um exemplo é encontrar salas cheias de papéis sem nenhuma catalogação. A equipe tinha que analisar folha por folha para ver o que era útil à perícia contábil. Uma situação que desacelerou o processo investigatório e prejudicou o trabalho do contador.

Contratado para desenvolver um laudo pericial contábil, apresentado no dia 2 de julho à Justiça de Alagoas, o perito identificou saques suspeitos, pagamentos sem comprovações, notas fiscais duvidosas e constatou a má gestão de um império canavieiro, que, sim, ainda tinha chance de se reerguer.

Do material necessário para uma perícia abrangente, Júnior conseguiu recolher 16% desse montante. “Desde o primeiro momento tivemos dificuldade de acesso aos documentos. Respondiam apenas que ‘estavam ali’, o que, na verdade, eram 40 salas com pilhas de papéis jogados e esparramados pelo chão. Eles contrataram uma empresa de digitalização e arquivamento que também não nos cedeu o que pedíamos”.

Outra desculpa dos administradores da Laginha é que diversos documentos estavam nas usinas. Sendo assim, desses 16% de finanças analisadas, poucos se referem às usinas Triálcool e Vale do Paranaíba, localizadas no Estado de Minas Gerais. Para isso, Júnior até se propôs a viajar até as cidades de Canápolis e Capinópolis (MG), mas, primeiramente, prefere receber o pagamento que está quatro meses atrasado. “Também virei credor da Laginha”, brincou.

O laudo entregue à Justiça é referente ao levantamento feito de setembro de 2014 até junho deste ano. O serviço foi para analisar o financeiro de 2008 a até maio de 2015, porém, com a falta de documentação, a perícia só cumpriu o equivalente 15 meses, deixando 74 pendentes.

FINANÇAS

Mesmo em falência e com uma dívida de R$ 2 bilhões, a Laginha gastou, no último ano, R$ 145.161,08 com viagens de consultores que vinham do Rio de Janeiro a Maceió. Esses profissionais tinham o consentimento do grupo de João Lyra para gastar R$ 300 de táxi da residência até o aeroporto Galeão (RJ) e se hospedar por 30 dias, com direito a usar serviços de lavanderia, em hotel à beira-mar na Jatiúca. Ainda foram gastos R$ 227.026,43 com comunicação a uma grande mídia de Alagoas , R$ 301.050 em editais e 12.783.971,04 em folha salarial.
Empresa falida gastou no último ano R$ 27 milhões, sendo que R$ 20,5 milhões foram pagos pela Conab
Segundo o MP, os administradores da massa falida gastaram em 12 meses R$ 27 milhões do patrimônio do grupo empresarial, sendo que R$ 20,5 milhões são de origem da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em época de economia, o grupo concedeu, ainda, descontos de, aproximadamente, 50% na venda de cana de açúcar para a usina Serra Grande. De um total de R$ 3.219.057,61 que eram para ser recebidos, a massa falida recebeu R$ 1.762.141,86, registrando um desconto de R$ 1.456.915,76.

“Se o leilão da Laginha fosse hoje, o grupo poderia ser vendido até por R$ 1,5 bi, sendo que ficariam devendo R$ 500 mil para quitar o restante da dívida que tem com trabalhadores e colaboradores”, informou Júnior. Além dos gastos desnecessários, o perito viu que a Laginha ainda tinha chance de sobreviver poupando milhares de empregos em Alagoas.

“Teve um momento no biênio 2010-2011, dois anos após a recuperação judicial, o grupo Laginha ainda tinha um fôlego porque as usinas ainda estavam em funcionamento e o governo injetava recursos federais para subsidiar a produção do etanol. Só que dali para frente só houve declínio”, explicou. O juiz titular do processo, Kleber Borba Rocha, informou à reportagem que o laudo do perito já está em suas mãos para a apuração.

EM TEMPO

Portaria assinada pelos promotores Flávio Gomes da Costa e Hylza Paiva Torres oficializou o início de um procedimento para o inquérito civil público para apurar as informações do laudo pericial judicial que identificou a diluição de recursos da massa falida. O Ministério Público Estadual (MP/AL) tomará como alvo o ex-administrador judicial Carlos Benedito Lima Franco dos Santos e os ex-gestores judiciais Felipe Carvalho Olegário de Souza e X Infinity Invest & Assessoria Empresarial Ltda. O promotor Flávio Gomes da Costa, em entrevista ao jornal Extra, confirmou o procedimento, mas disse que “só se pronunciaria após a publicação no Diário Oficial”.

Lyra diz que não vai atrapalhar

A massa falida do ex-deputado foi destaque nesta semana em reportagem do site Tudo em Dia, de Minas Gerais, sobre o ofício assinado pelo próprio João Lyra, datado no dia 11 de agosto e entregue ao Juiz Kleber Borba, da 1ª Vara da Comarca de Coruripe. No documento, Lyra afirma que não haverá interposição com relação à tomada de decisão por parte do magistrado.

“Não obstante, o entendimento diverso ao de Vossa Excelência, não haverá interposição de quaisquer recursos contra a decisão em referência, tendo em vistas a consciência de que, neste momento, importa dar celeridade ao processo falimentar, tratando toda e qualquer outra questão por vias outras admitidas pela legislação pátria”, afirmou o usineiro no ofício disponibilizado pela mídia local.

Lyra, afirma ainda ao juiz, que não irá embargar o processo de venda das usinas instaladas em território mineiro. “Por fim, motivo maior desta manifestação, apresento minha anuência pessoal com a venda de ativos da Massa Falida localizados no Sudeste do País, para fazer frente ao enorme passivo trabalhista. Da mesma forma, apresento minha anuência pessoal aos esforços para arrendar as unidades industriais, em Alagoas e Minas Gerais, com o propósito de manter valorizados os ativos da empresa, bem como possibilitar renda necessária à manutenção da Massa Falida e pagamentos dos credores, deixando clara minha posição no sentido de que, havendo venda e/ou arrendamento de ativos, devem todos os créditos apurados serem dirigidos rigorosamente e primordialmente ao pagamento dos trabalhadores”, destacou o usineiro.

Segundo o site, várias empresas e grupos estão interessados nas unidades sucroalcooleiras do grupo João Lyra instaladas no Pontal do Triângulo Mineiro, e o processo de arrendamento ou venda deve ocorrer em breve.

A recuperação judicial do grupo foi decretada pela Justiça em 2008. Nove anos depois, o juiz Sóstenes Alex Costa de Andrade decretou a falêncioa do Grupo JL. Durante todo o trâmite processual, João Lyra ficou impedido de entrar nas usinas do grupo. O alegado era que a presença do ex-deputado federal poderia ser prejudicial para o andamento da ação devido às ameaças recebidas pelos funcionários.

O juiz Mauro Baldini determinou a venda dos bens da massa falida do grupo Laginha Agroindustrial S/A no dia 20 de fevereiro deste ano, o que acabou não acontecendo. A decisão foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL). De acordo com o magistrado, que à época encabeçava o processo, as cinco usinas, além do escritório central da companhia, na capital, e um jato seriam leiloados para sanar as dívidas existentes da empresa.

José Fernando Martins
especial para o Extra de Alagoas