Este quadro foi produzido pelo pintor espanhol Modestro Broccos em 1895, e encontra-se no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Para entender o título dado ao quadro precisamos conhecer um pouco das histórias bíblicas, em especial, quem foi e o que aconteceu com Cam.
Etimologicamente, Cam é mencionado no livro de Gênesis como filho de Noé, irmão de Sem e Jafé, que após o dilúvio mudou para o sudeste da África e proximidades do Oriente Médio, assim, os habitantes dessas localidades são mencionados como descendentes de Cam.
A história conta ainda que após o fim do dilúvio, Cam encontrou Noé embriagado e em total nudez, e ao invés de cobri-lo, zombou de seu pai contando o fato a seus irmãos. Ao acordar, Noé soube do acontecido e o amaldiçoou, bem como a toda sua descendência, referindo-se a ele como o "servo dos servos", e serviria como escravo, inclusive aos dois irmãos.
Esta história deu origem a crença popular de que os descendentes de Cam seriam os povos de pele escura de algumas regiões da África e do Oriente Médio, e foi utilizada por muito tempo como argumento de teóricos e mercadores para justificar a escravidão, principalmente no período colonial. Desta forma, teria sido o pecado de Cam, o causador da escravidão, apresentada como punição divina aos seus descendentes, justificando inclusive, a escravidão dos povos africanos trazidos para o Brasil.
Na obra é retratada as três gerações de uma mesma família, em frente a uma habitação. Identificamos facilmente a avó negra, a mãe mulata, e a criança, claramente com fenotipo branca, herdado do pai, também branco.
A matriarca da família retrata a ânsia das elites brasileiras pelo embranquecimento da população no início do século passado. A mulher emocionada ergue as mãos aos céus, em gesto de agradecimento pela "redenção", através do nascimento do neto branco, que não herda por meio da cor, as angústias e perdas decorrentes de um passado escravocrata.
O quadro foi citado por João Batista Lacerda no I Congresso Internacional das raças, realizado em julho de 1911. Em sua tese, Lacerda apresentou que “o Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solução”, pois desde final do Séc. XIX que o Brasil era visto como uma sociedade de raças cruzadas, e a miscigenação tão evidente, foi divulgada pela biologia como fenômeno de degenerescência.
A tese de Lacerda aliada as teorias raciológicas brasileiras influenciou vários autores, dentre eles, Silvio Romero, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Artur Ramos, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, e forneceu a sutentabilidade necessária a implantação da política do branqueamento, pautada no racismo científico.
Isso mesmo, o racismo já foi ciência, pois em meados do século XIX (1853) o Conde francês Joseph Arthur de Gobineau publicou seu "Essai sur l'inégalité des races humaines" (Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas). Gobineau via o Brasil como um país "sem futuro" devido a grande quantidades de pretos e miscigenados, e defendia que o país precisava "branquear" (se livrar dos negros).
Desta forma, o racismo no Brasil foi um processo inventado e mantido pela elite branca que perversamente apresentava a população branca como padrão de referência de uma espécie através da apropriação simbólica que instituiu a supremacia econômica, política e social de uma parcela da população brasileira, parcela esta, que nós por meio dos ditos padrões de referência legitimamos até os dias atuais.Blog Marcia Susana
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