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quinta-feira, 20 de março de 2014

"Não vejo inovação empresarial relevante ou respeito a direitos trabalhistas em União. Há sim uma exploração do trabalho, salários pequenos e jornadas de trabalho além do permitido pela lei, sem pagamento de horas extras, isso é algo desumano e nada digno" Bruno Monteiro



JMarcelo Fotos: É comum você comentar sobre os seus valores que recebeu de sua família. Como eles são importantes na sua vida e de seus irmãos?

Os valores familiares sempre foram o limite da minha conduta. De alguma maneira, desde pequeno, sempre pensei se determinada atitude que tomaria agradaria ou desagradaria a minha família. Sempre tive receio em ser repreendido, quando pequeno me comportava na escola porque não passava pela minha cabeça que minha mãe poderia receber uma reclamação ou coisa do tipo. Sempre gostei de observar as pessoas e aprender com os bons exemplos. Adoro conversar com pessoas idosas, ouvir histórias antigas. Meus valores são comuns, acho que por serem tão comuns, hoje em dia sejam diferentes. São coisas básicas como respeitar as pessoas, independente de quem sejam. Via isso nos meus avós, que tratavam todo mundo sempre com muita atenção e respeito. Acho que essas coisas simples ficaram na minha personalidade. 

Respondendo diretamente, acho que são importantes porque me sinto bem em ser como sou, nada além disso. Sobre como são importantes na vida dos meus irmãos não tenho como falar, afinal embora tenha convivido embaixo do mesmo teto e recebido à mesma educação, o ser humano é um reflexo das experiências que vive e das oportunidades que teve. Nós sempre tivemos opiniões próprias, embora a essência fosse à mesma.

JMarcelo Fotos: Em sua opinião, as atuais gerações estão recebendo valores familiares adequados?

Acho que isso depende muito do ambiente familiar onde às crianças e adolescentes vivem. Hoje é mais difícil colocar na cabeça de uma criança que se deve agir de determinado modo porque esse é o modo certo de viver. As ruas, a televisão, a internet estão repletas de exemplos de pessoas que agem desonestamente e vivem cercadas dos luxos que boa parte das pessoas não tem. Vide os políticos, empresários corruptos, criminosos comuns... Vivemos em uma sociedade imediatista. Quando se quer algo tem que ser logo, deixar para depois é “coisa de gente besta”. Com a educação e trabalho se alcança objetivos, mas nem sempre o caminho longo é escolhido pelos jovens.

JMarcelo Fotos: Você mora atualmente onde?

Em União dos Palmares.

JMarcelo Fotos: O que mais lhe marcou em sua infância, os tempos de escola?

Nunca fui muito de brincar na rua. Tenho um primo que tem quase a minha idade e foi com ele que passei boa parte da infância. Assistíamos desenhos, séries de heróis japoneses, jogávamos bola na garagem de casa, líamos gibis, a minha infância foi assim. São essas coisas que lembro com saudade.

Estudei em muitas escolas daqui de União. Estudei no Educandário Menino Jesus, depois no Santa Maria Madalena, no José Correia Viana e no Monsenhor Clóvis Duarte de Barros e fiz um curso preparatório para prova do CEFET-AL onde a maioria das pessoas estudava no Olímpia, ou seja, conheci muita gente. Acho que isso foi o que mais marcou os tempos de escola, as pessoas que conheci. Fico feliz quando encontro um colega e recebo um “olá”, um “como vai”, e fico feliz em ver que a maioria seguiu um bom caminho e são felizes na medida do possível. Nas escolas conheci os amigos que até hoje fazem parte da minha vida, pessoas com ideias parecidas e o mesmo senso questionador, tenho sorte por causa disso.

JMarcelo Fotos: Vem da juventude o medo de cachorro? O que aconteceu?

Não é medo, apenas não confio muito nos animais. Quando tinha cinco ou seis anos um cachorro de uma vizinha correu atrás de mim para me morder, acho que por isso sou cismado.

JMarcelo Fotos: Durante a adolescência você tocou em uma banda de rock, escreveu em jornal, que depois virou um blog. Você era um “rebelde sem causa”?

Não acho que era um rebelde sem causa, acho que era uma forma sadia de me ocupar e expressar o pensava sobre União. Há alguns anos atrás era mais tranquilo viver aqui. Era possível ficar na rua até tarde, não existia o receio que se tem hoje com a violência, era comum grupos de amigos se reunirem nas praças e na avenida para conversarem. Hoje em dia a avenida virou um grande bar, para ficar sentado por lá tem que ser surdo e “tomar uma” nos estabelecimentos dos “ donos da calçada”. A banda surgiu no contexto anterior, tive a ideia com o Wenndell e o meu primo Tássio.  Aí juntou outro amigo, o Breno, e depois de um tempo o Marco. No início não sabíamos tocar nada, muito menos eu sabia cantar, não que tenha aprendido, mas para as músicas que tocávamos acho que enrolava bem. 

Era muito tímido. Nos juntávamos e íamos tentando aprender alguma coisa, com um tempo conseguimos fazer algo, era divertido. Talvez alguns vizinhos não gostassem, mas era divertido. As letras em sua maioria pareciam bobagens, mas existia um contexto que nós entendíamos. Foi uma forma de expressar o que passava pela nossa cabeça, diferente do que muitos pensam gostar ou tocar rock não quer dizer necessariamente que você se envolverá com drogas. É ignorância pensar assim. 

Conseguimos tocar em alguns lugares, por exemplo, em uma casa de shows alternativa no bairro de Jaraguá em Maceió. Conhecíamos muitas pessoas, foi uma época boa. O jornal estava nesse contexto, eram opiniões pessoais e falávamos sobre cultura em geral, mas já foi em uma época onde estávamos um pouco mais maduros. Depois inevitavelmente veio o blogue.

JMarcelo Fotos: Você ainda colabora com o Tempo Moderno ou escreve em outro blog?

Não colaboro mais, acredito que atualmente só o Walter Amaral escreve nele. Também deixei os blogues, atualmente escrevo apenas para mim. Falta tempo para me dedicar a outras atividades.

JMarcelo Fotos: Como foi a experiência de dividir a bancada do programa Mesa Z, na Rádio Zumbi?

Foi muito boa. O Sílvio Sarmento me proporcionou um espaço que nunca imaginei ter. Nos dois anos que participei do programa eu passava a semana em Maceió, vinha muito cedo no sábado para poder participar e sempre tentava me preparar para o tema que seria debatido. Na época do rádio perdi um pouco a timidez e aprendi a falar em público, o que é muito importante. O grupo que fazia o programa era sensacional, foi uma união de pessoas diferentes que tinham como objetivo debater temas que eram debatidos de maneira superficial nas outras rádios. O Sílvio nos incentivou bastante, seus ideais nos contagiava e é algo que nunca esquecerei. Ele faz bastante falta, foi um grande amigo, quem teve oportunidade de conversar com Sílvio Sarmento e ouvir suas histórias sentirá para sempre uma lacuna em União dos Palmares.

JMarcelo Fotos: Quais as 3 entrevistas mais bacanas que você fez? Por quê? 

Foram boas entrevistas. Acho que uma delas foi à com o Pinto de Luna, Ex-Delegado da Polícia Federal. Foi a primeira com uma pessoa de expressão estadual feita pela grupo e foi importante para a consolidação do programa.

Na época era recente sua atuação na Operação Taturana e se cogitava uma possível candidatura dele ao Senado. Lembro que em um site encontrei um email dele e mandei o convite, o programa tinha menos de um mês que estava no ar. Para minha surpresa ele respondeu o email e veio no dia marcado. A segunda que lembro foi uma que fiz com o Sílvio Sarmento e o Mano no fim do ano de 2010. Foi uma conversa franca, uma oportunidade de perguntar coisas relevantes. A terceira e última foi com a jornalista Acássia Deliê, conheci ela pela internet, na época que estudei no CEFET-AL ela também estudou. Ela tinha acabado de publicar um livro sobre o cotidiano do Hospital Escola Portugal Ramalho. Foi uma conversa muito boa, ela é bastante inteligente e gostei bastante da entrevista. Você falou três, mas gostaria de citar a entrevista com o Juiz Marcelo Tadeu, sempre o admirei como magistrado e sua simplicidade é algo raro no meio, quem esteve naquele dia ouvindo o programa e no estúdio aprendeu bastante.

JMarcelo Fotos: Ter se formado em Advogado foi uma vitória em sua vida?

Quando fiz vestibular tentei cursar jornalismo, muito por não ter na época uma definição sobre o que queria fazer e por admirar a profissão. Também pensei em cursar História ou Ciência Política, essa última não tinha por aqui. Mas quando terminei o ensino médio, pensei bastante e vi que todas as coisas pelas quais me interessava poderiam ser compreendidas no curso de Direito. Assim, me candidatei e ganhei uma bolsa do Prouni e fui estudar na Faculdade de Alagoas. Quando criança nunca pensei em ser advogado, hoje acho que o curso é o único com o qual me identifico de verdade. Já a aprovação na OAB é consequência dos estudos, é uma vitória por ser resultado de muitas privações, minhas e principalmente da minha família. Um dos dias mais felizes da minha vida foi o juramento na Ordem, estar ali significava muito para diversas pessoas.

JMarcelo Fotos: Você se decepcionou com o corporativismo da profissão?

Sim, infelizmente não se pune maus advogados. É conversa. Os processos disciplinares na OAB, quando existem, são tão lentos quanto às ações judiciais. Além disso, a estrutura de fiscalização não existe. O que torna o ambiente propício para quem quiser cometer algo errado cometer.

JMarcelo Fotos: Qual é a maior dificuldade de um Advogado no interior do Brasil?

Acho que a dificuldade é do advogado iniciante que não tem muitos recursos. Existe aquela ideia que todo advogado é rico, mas não é bem assim. Para se iniciar algo do nada é bastante complicado, os processos demoram e a renda do advogado vem da conclusão dos processos. Se os processos não terminam o advogado não recebe nada e ele, como qualquer pessoa, vive do seu trabalho. No interior a estrutura dos órgãos do Poder Judiciário é ruim, falta pessoal e muitos servidores não são qualificados para as funções que exercem, além disso, para alguns falta ética e educação. 

JMarcelo Fotos: Você está deixando de advogar, por quê? 

Não me sinto feliz com a profissão e só faço o que me deixa feliz. Se perceber que algo não é o que quero simplesmente deixo de fazer. Não consigo fazer aquilo que não acredito. Respeito à profissão e os profissionais que a exercem com dignidade. Não posso dizer nunca mais, mas não pretendo voltar a exercê-la. Basicamente é isso. 

JMarcelo Fotos: Qual o seu próximo passo na profissão?

Atualmente sou um estudante, vamos ver o que consigo.

JMarcelo Fotos: Bruno cita pra os leitores as pessoas que você admira em União dos Palmares:

Professor/a: Vou ser saudosista... José Correia Viana, não foi do meu tempo, mas seu pioneirismo na região deve ser reverenciado por todos os palmarinos. Dos professores que tive aqui, seria injusto se citasse apenas um, mas gostaria de reverenciar os da Escola Estadual Monsenhor Clóvis nos anos 1999, 2001 e 2002. Durante um período, no ano de 2001, a escola estava em reforma, uma parte tinha desabado, tínhamos aula no meio das obras, com uma lona dividindo as turmas. Eram três turnos em dois horários, alguns davam aulas nos três turnos. Claro que existiam aqueles que só queriam o salário e não estavam nem aí para o aluno, mas os que se comprometeram no meio de tanta dificuldade merecem todo o reconhecimento. Esses eu admirarei para sempre.

Empresário/a: Nenhum e me perdoem os que agem dentro da lei. Ocorre que analiso o empresário pela visão empresarial e respeito à legislação trabalhista, não vejo inovação empresarial relevante ou respeito a direitos trabalhistas em União. Há sim uma exploração do trabalho, salários pequenos e jornadas de trabalho além do permitido pela lei, sem pagamento de horas extras, isso é algo desumano e nada digno.

Amigo/a: Wenndell Amaral, um cara sensato e que tenta fazer no seu âmbito de atuação o possível na construção de uma sociedade melhor.

Político/a: Nenhum. Não vejo na cidade ninguém com preparo suficiente para exercer um cargo público, seja na “posição” ou na “oposição”, tudo se resume ao casuísmo da posição em que se encontram.

Artista: Todos os que participam de grupos culturais, mesmo sem o apoio e reconhecimento devido pelo poder público e pela população. Destaco o Thiago Correia, uma pessoa que muitas vezes é vista com maus olhos e com preconceito, mas que é um dos maiores divulgadores de nossa cidade no meio cultural. 

Advogado/a: Volto a ser saudosista, Paulo Sarmento, nunca o conheci mas sua conduta moral descrita pelo seu filho me fez admirá-lo como homem público que foi. Era dedicado as ciências jurídicas, assim como Jairo Viana. Esses dois merecem um lugar de destaque em nossa cidade.

Família: Meu avô Lindolfo Monteiro e minha avó Lourinete. Ele é o meu exemplo de pessoa humilde, contador de histórias diárias e amigo.  Já a minha avó, foi a maior incentivadora dos meus estudos e referência no trato com os demais. A eles meu eterno agradecimento e admiração. Bem como a minha Mãe, que foi servidora pública do município, que sofreu com meses de salários atrasados em diversos governos, que tinha uma remuneração ínfima e, com muita privação, conseguiu oferecer educação para os seus filhos.  

JMarcelo Fotos: Como você tem analisado União dos Palmares nessas áreas atualmente:

Política: Falta preparo, se faz politicagem e não política. Administração se faz com competência e não com sobrenomes.

Progresso: Reflexo do despreparo dos políticos. Para se progredir tem que se planejar, e não vejo algo ser planejado em União. Não existem objetivos a curto, médio ou longo prazo. Objetivos concretos que realmente possibilitariam uma mudança na qualidade de vida. Os discursos são superficiais e populistas, falta preparo de todos os lados. A perspectiva é ruim, não vejo perspectiva de mudança.

Violência: Consequência da falta de políticas públicas nos últimos 24 anos que englobassem um desenvolvimento e oportunidade para a maioria da população. Uma cidade onde quem mais emprega é o poder público e por meio de contratos tende a ser exclusiva, assim é ambiente fértil para o aumento da violência. O jovem palmarino mesmo graduado se não tiver “sobrenome” não tem muita perspectiva na cidade. Ainda persiste a cultura do “puxa-saquismo” o que é lamentável.

Cultura: Essa é muito mal explorada, falta planejamento e visão adequada de como atrair turistas com os atrativos culturais existentes no município. Fica-se sempre no mais do mesmo, assim não vai para frente.

JMarcelo Fotos: Fale um pouco dos seus gostos culturais?

Gosto de filmes, jogos eletrônicos, livros e gibis. Essas coisas dão uma base moral para muita coisa. A cultura japonesa como um todo é muito interessante.

JMarcelo Fotos: Bruno obrigado e fique a vontade para fazer suas considerações finais

Agradeço o convite, inesperado e até acho não ter relevância para ser entrevistado, entretanto, foi uma boa oportunidade para expor um pouco o que penso. Queria apenas dizer aos palmarinos resistentes, especialmente os jovens sem perspectiva, que eles possam de alguma maneira persistir no bom caminho, às vezes as coisas demoram a acontecer mas um dia acontecerão.

Acreditem que é possível alcançar um futuro melhor vivendo com dignidade e independência.

Abraço a todos.



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