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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O que significa ser um bom professor?

No dia 15 de outubro comemorou o Dia do Professor. Habitualmente lamenta-se que profissão tão necessária não seja devidamente valorizada. Argumenta-se, além disso, que sendo o professor elemento chave para a educação e sendo a educação fator decisivo do desenvolvimento de um país, então deve-se necessariamente concluir, por uma cadeia de raciocínios e algumas estatísticas que sugerem, ora simples correlações, ora enfáticas relações de causalidade, que o nosso atraso advém precipuamente de graves problemas como o do número insuficiente de professores, como o de uma formação inadequada na preparação desses, bem como ainda devido a salários não condizentes com o alto mister da função. As razões vão além dessas acima elencadas.


Todas essas razões, sem dúvida, são pertinentes e servem de orientação para Políticas Públicas cada vez mais aperfeiçoadas e inclusivas. Mas nada disso, contudo, é o bastante para a compreensão da imensa complexidade que constitui o problema da educação. É precisamente no foco da questão acerca do que significa ser um bom professor e do alto mister de sua função que está a raiz da questão. E muitos são os equívocos acerca desse ponto e alguns desses equívocos devem ser esclarecidos. Atenhamo-nos a alguns comentários neste breve artigo.


A concepção de um professor meramente transmissor é inadequada, pois ninguém consegue botar algo na cabeça de ninguém, na medida em que tanto conhecimento quanto atitudes e valores não são como a água que flui quando o registro é aberto. No entanto, em aparente contradição ao que se afirmou na frase anterior, o Professor deve se constituir, sim, em um polo fundamental do legado herdado pelas tradições social, cultural e histórica. Contudo, evidentemente, o Professor não deve se constituir em polo exclusivo.


Advém daí a célebre controvérsia que redunda em tantos mal-entendidos sobre adotar ou não concepções construtivistas. Se de maneira geral adotarmos por construtivismo uma concepção que empresta valor imprescindível ao conhecimento prévio do aprendiz e de seu protagonismo irrecusável na construção de seu próprio conhecimento, então tudo isso é perfeitamente compatível, e não apenas compatível como desejavelmente conciliável com os papéis também irrecusáveis e imprescindíveis a serem desempenhados pelo Professor, pela Escola, pela Sociedade e enfim, pelos múltiplos polos que devem necessariamente intervir no complexo processo do conhecimento. Se não admitirmos isso, então seria como conceber que o aprendiz fosse capaz de construir “sozinho” o seu próprio conhecimento. Se fosse dessa maneira, então o sujeito que aprende estaria submetido a uma incessante reinvenção da roda e por isso entendemos que uma concepção extremada do gênero seja claramente equivocada.


O irrecusável e imprescindível protagonismo dos sujeitos que aprendem deve ser exercitado pois todos devem ser educados para a inovação e para a criatividade. Isso, no entanto, não deve implicar de maneira alguma a dispensa de outros protagonismos e outras centralidades como aqueles desempenhados pelo Professor, pela Escola, pela Sociedade em todas as suas instâncias, sejam elas formais ou informais. Todas elas agem em sinergia umas com as outras pois, não esqueçamos, todos nós enquanto seres sociais, históricos e culturais nos reconhecemos uns nos outros.


Ademais, a educação de alguém vai além da cognição pois, valores, atitudes e comportamentos também são constituintes imprescindíveis na formação de quem quer que seja e esses se desenvolvem no curso das sinergias as quais que fizemos menção.


Outra questão importante é sobre a falsa dicotomia entre o estímulo exclusivo ao processo criativo e a recusa de quaisquer atividades que constituam habilidades repetitivas e de treinamento. Algumas correntes de psicólogos cognitivistas defendem que quando acompanhadas da consciência dos conceitos e das teorias acerca do que realmente certos conteúdos significam, então o exercício de atividades repetitivas e de treinamento, pode favorecer a própria criatividade na medida em que libera a memória de trabalho para atividades cognitivas mais nobres. Logo, como diria Nelson Rodrigues, não se trata de um Fla x Flu. Evidentemente, convenhamos, que somente e tão somente estimular atividades repetitivas e de treinamento constitui-se em um mau caminho na medida em que os estímulos à inovação e à criatividade são pré-requisitos necessários e centrais de toda boa educação. 


A procura incessante das autonomias intelectual e política, no sentido mesmo do Sapere aude kantiano, é um objetivo importante e necessário de qualquer pessoa que queira se educar. Tais autonomias são condições essenciais para que o educando se posicione perante os imensos problemas com os quais nos deparamos no mundo em que vivemos. Isso não deve ser confundido com adaptações burguesas e neoliberais a fim de melhor competir no mundo do trabalho e sim como condição de procura libertadora do próprio ser humano. Neste ponto, todos, inclusive os professores, devem perseguir este objetivo. 


*Jenner Barretto Bastos Filho é professor na Universidade Federal de Alagoas e Doutor em Física Teórica pela ETH- Zurique, Suíça. É membro correspondente da Academia Paraense de Ciência e contemplado com a Medalha do Mérito Acadêmico UFAL 45 Anos. Tem interesse nos campos de Fundamentos da Física, Ensino de Ciências, História e Filosofia da Ciência e em questões ambientais e de desenvolvimento.

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