No dia 15 de outubro comemorou o Dia do Professor. Habitualmente
lamenta-se que profissão tão necessária não seja devidamente valorizada.
Argumenta-se, além disso, que sendo o professor elemento chave para a
educação e sendo a educação fator decisivo do desenvolvimento de um
país, então deve-se necessariamente concluir, por uma cadeia de
raciocínios e algumas estatísticas que sugerem, ora simples correlações,
ora enfáticas relações de causalidade, que o nosso atraso advém
precipuamente de graves problemas como o do número insuficiente de
professores, como o de uma formação inadequada na preparação desses, bem
como ainda devido a salários não condizentes com o alto mister da
função. As razões vão além dessas acima elencadas.
Todas essas razões, sem dúvida, são pertinentes e servem de
orientação para Políticas Públicas cada vez mais aperfeiçoadas e
inclusivas. Mas nada disso, contudo, é o bastante para a compreensão da
imensa complexidade que constitui o problema da educação. É precisamente
no foco da questão acerca do que significa ser um bom professor e do
alto mister de sua função que está a raiz da questão. E muitos são os
equívocos acerca desse ponto e alguns desses equívocos devem ser
esclarecidos. Atenhamo-nos a alguns comentários neste breve artigo.
A concepção de um professor meramente transmissor é inadequada, pois
ninguém consegue botar algo na cabeça de ninguém, na medida em que tanto
conhecimento quanto atitudes e valores não são como a água que flui
quando o registro é aberto. No entanto, em aparente contradição ao que
se afirmou na frase anterior, o Professor deve se constituir, sim, em um
polo fundamental do legado herdado pelas tradições social, cultural e
histórica. Contudo, evidentemente, o Professor não deve se constituir em
polo exclusivo.
Advém daí a célebre controvérsia que redunda em tantos mal-entendidos
sobre adotar ou não concepções construtivistas. Se de maneira geral
adotarmos por construtivismo uma concepção que empresta valor
imprescindível ao conhecimento prévio do aprendiz e de seu protagonismo
irrecusável na construção de seu próprio conhecimento, então tudo isso é
perfeitamente compatível, e não apenas compatível como desejavelmente
conciliável com os papéis também irrecusáveis e imprescindíveis a serem
desempenhados pelo Professor, pela Escola, pela Sociedade e enfim, pelos
múltiplos polos que devem necessariamente intervir no complexo processo
do conhecimento. Se não admitirmos isso, então seria como conceber que o
aprendiz fosse capaz de construir “sozinho” o seu próprio conhecimento.
Se fosse dessa maneira, então o sujeito que aprende estaria submetido a
uma incessante reinvenção da roda e por isso entendemos que uma
concepção extremada do gênero seja claramente equivocada.
O irrecusável e imprescindível protagonismo dos sujeitos que aprendem
deve ser exercitado pois todos devem ser educados para a inovação e
para a criatividade. Isso, no entanto, não deve implicar de maneira
alguma a dispensa de outros protagonismos e outras centralidades como
aqueles desempenhados pelo Professor, pela Escola, pela Sociedade em
todas as suas instâncias, sejam elas formais ou informais. Todas elas
agem em sinergia umas com as outras pois, não esqueçamos, todos nós
enquanto seres sociais, históricos e culturais nos reconhecemos uns nos
outros.
Ademais, a educação de alguém vai além da cognição pois, valores,
atitudes e comportamentos também são constituintes imprescindíveis na
formação de quem quer que seja e esses se desenvolvem no curso das
sinergias as quais que fizemos menção.
Outra questão importante é sobre a falsa dicotomia entre o estímulo
exclusivo ao processo criativo e a recusa de quaisquer atividades que
constituam habilidades repetitivas e de treinamento. Algumas correntes
de psicólogos cognitivistas defendem que quando acompanhadas da
consciência dos conceitos e das teorias acerca do que realmente certos
conteúdos significam, então o exercício de atividades repetitivas e de
treinamento, pode favorecer a própria criatividade na medida em que
libera a memória de trabalho para atividades cognitivas mais nobres.
Logo, como diria Nelson Rodrigues, não se trata de um Fla x Flu.
Evidentemente, convenhamos, que somente e tão somente estimular
atividades repetitivas e de treinamento constitui-se em um mau caminho
na medida em que os estímulos à inovação e à criatividade são
pré-requisitos necessários e centrais de toda boa educação.
A procura incessante das autonomias intelectual e política, no sentido mesmo do Sapere aude
kantiano, é um objetivo importante e necessário de qualquer pessoa que
queira se educar. Tais autonomias são condições essenciais para que o
educando se posicione perante os imensos problemas com os quais nos
deparamos no mundo em que vivemos. Isso não deve ser confundido com
adaptações burguesas e neoliberais a fim de melhor competir no mundo do
trabalho e sim como condição de procura libertadora do próprio ser
humano. Neste ponto, todos, inclusive os professores, devem perseguir
este objetivo.
*Jenner Barretto Bastos Filho é professor na
Universidade Federal de Alagoas e Doutor em Física Teórica pela ETH-
Zurique, Suíça. É membro correspondente da Academia Paraense de Ciência e
contemplado com a Medalha do Mérito Acadêmico UFAL 45 Anos. Tem
interesse nos campos de Fundamentos da Física, Ensino de Ciências,
História e Filosofia da Ciência e em questões ambientais e de
desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar!
Continue nos visitando!