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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Memórias do palmarino João dos Santos para o blog JMarcelo Fotos


No mês em que se comemora o “Dia da Consciência Negra”, pouco se fala da comunidade quilombola “Muquém”. Convivi bem perto dessa comunidade nos idos de cinquenta quando minha família saiu “corrida” de Palmeira dos Índios, após uma desastrosa questão passional envolvendo um parente de segundo grau. A família se dispersou, uns indo para o Paraná (pai e irmão mais velho) e os demais se instalando em União.

Imaginem um lugar pequeno, sem vaga no comércio para todos, sem indústria, ou tendo raríssimas indústrias à época (a fábrica de doces da rua da Ponte e a Laginha), o que restou para a família foi simplesmente ir para a agricultura familiar. 

Assim conhecemos a comunidade quilombola dos “Negros do Muquém”, fazedores de “panelas de barro. Mas era preciso ser gente. E ai todos os irmãos menores foram para a escola, uns no Grupo Escolar Rocha Cavalcante e outros no Jorge de Lima. Eu fique no Jorge de Lima. Grandes travessuras fiz por lá, vidros quebrados, castigo em pé junto à parede e rezar. 

Era o mínimo que se podia receber de tantas peraltices junto com os colegas de antão. Mas uma professora em especial marcou aquela época: dona Sévigné, senhorinha simples, modesta, atenciosa e exigente no ensinamento e aprendizado da matemática. Serviu de alento aprender o pouco que sei da matemática básica. Hoje já não sei se sei, afinal a matemática é a mesma mas os conceitos parecem ter mudado. 

Os anos passaram e depois de uma temporada no Seminário em Maceió, acabei fazendo o curso de Técnico em Contabilidade no Santa Maria Madalena, então dirigido pelo ilustre JOSÉ CORREIA VIANA. Tempos memoráveis, de boas amizades e do encanto juvenil. O aprendizado foi excelente e serviu para desarnar em matéria contábil, embora tudo fosse tão diferente em São Paulo. Imagine o ensinamento contábil em livro “borrador” ediário escrito a caneta tinteiro. Quando procurei o primeiro emprego em São Paulo dizendo ser “técnico em contabilidade”, sequer conhecia um sistema moderno para a ocasião chamado  de “ficha tríplice”. Era igual a “caviar”, só ouvira falar.

Enfrentei e venci pela própria astúcia do nordestino. Hoje nada disso tem mais valor, diante da modernidade da internet. Voltando ao Santa Madalena, havia um pouco de ranço da nossa parte, porque a parte frontal do imóvel onde se edificou o prédio do colégio pertencera a dona Emília Rufino, minha avó, que fora obrigada a sair do terreno onde criava “ovelhas” para ir residir no Castelo Branco, onde lhe deram em troca uma casa “moderna”. Mas imaginem uma pessoa rústica, de traços indígenas morar em casa azulejada. Foi um pandemônio. Acostumou-se e viveu ali até sua passagem para o além. 

Nos idos de sessenta acompanhei os movimentos estudantis e vi os “verdinhos” quando passavam no trem com destino a Pernambuco. Vi também que usineiros e latifundiários especialmente os da “cana de açúcar” em geral ficaram do lado do Poder, porque do outro lado tinha o Sindicato Rural e a turma do Miguel Arraes que os combatia. Foram dias difíceis em que para se adquirir alguns sacos de cimento era preciso obter um “vale compra”, pois tudo era limitado. Um “verde” na cidade era sinal de problema. 

Aí como aqui os tempos mudaram, veio a democracia e deu no que deu. Para não acabar em “pizza” estamos vendo alguns na Papuda e outros nem chegaram lá, ainda. 

Prestou atenção leitor, que me distanciei das comemorações da “Consciência Negra” e muito mais dos “Quilombolas”. É o meu protesto, pois, considero-me, também, um quilombola, já que vive em terras do Muquém, nas lidas da roça, vendendo a produção na balança do atravessador que sempre “roubava” no peso.

Enfim, viva ZUMBI, como símbolo da nossa LIBERDADE!

João dos Santos Melo, por e-mail. 


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