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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Fazenda Anhumas, em União dos Palmares, revive a história

Proprietários transformaram antigo engenho de açúcar em local de visitação.

 A fazenda Anhumas a dez quilômetros de União dos Palmares, de propriedade dos herdeiros de Benon Maia Gomes e sua esposa dona Helena Baía, localizada depois do povoado Muquém, ainda preserva histórias dos caminhos do açúcar e da colonização do país e do Estado. Atualmente, quem quiser conhecer o local agenda uma visita com a família, que trabalha com roteiros.

  Izabel Padilha Maia Gomes, neta dos antigos moradores e uma das herdeiras do patrimônio da família, recepcionou a equipe do Primeiro Momento e falou da história do antigo engenho Anhumas e a respeito do que a fazenda oferece hoje para os visitantes que se interessam um pela história de Alagoas.

Além do belo casarão -, que começou a ser edificado em 1883 e passou seis anos para ser construído -, a fazenda Anhumas tem como atrativo a história do engenho de cana-de-açúcar, uma pequena vila de moradores e verde por todos os lados, inclusive um pedaço de Mata Atlântica preservado até hoje. Pela beleza arquitetônica da casa grande da fazenda Anhumas, que tem uma arquitetura mais refinada, Izabel Maia Gomes avalia que pode ser comparada até com as casas de café do Rio e Sudeste.

 “A curiosidade da casa é que todas as janelas têm encaixes; são 156 portas, todas elas foram transportadas do Rio de Janeiro para o Porto de Maceió e de lá para cá em carros de boi. Imaginem a dificuldade. Foram seis engenheiros; os tijolos e as telhas foram feitos a mão, na olaria que foi feita exclusivamente para fazer os tijolos e as telhas da casa. Todas elas são originais; hoje em dia a olaria não existe mais e foi demolida”, pontua.

Izabel Maia Gomes mostra também o porão construído no alicerce da casa, que servia para o resfriamento do imóvel, já que, apesar da vegetação em abundância, o calor do Nordeste é muito forte.  “Esse porão foi feito para o resfriamento da casa, pois da mesma forma que ela é muito quente, os porões eram feitos para resfriar: só que eram utilizados na época dos escravos, também, para outros fins”, observa.

Arquitetura

A proprietária conta que uma das características do casarão é a arquitetura: “Foge aos padrões das casas de engenhos, principalmente do Nordeste. Antes de a casa ser construída no atual local, foi edificada mais embaixo e por uma questão de estratégia dos donos da época, e por quererem uma casa mais imponente, construíram na parte de cima, por conta da visibilidade”, argumenta.

Móveis antigos, a maioria originais, peças que lembram as antigas fazendas da época colonial, tudo preservado. Além de conhecer o acervo da família, Izabel Maia Gomes explica que se a visita desejada for de estudantes, é cobrada uma taxa de cinco reais por aluno: eles visitam e recebem uma explanação histórica. Se for com almoço, a visita custa R$ 30; se for um passeio com trilha (dez quilômetros de trator) custa R$ 60 e vai variando de acordo com o pacote desejado. Tem visitas e pacotes especiais para pessoas da terceira idade também.

A fazenda Anhumas hoje em dia está aberta à visitação e para ter acesso ao local é preciso agendar. “Fazemos pacotes para trilhas nas matas, com banho de bica; as pessoas escolhem se é só visita simples, com trilha ou sem, com ou sem almoço”, explica.

Na década de 1930, vilarejo era vivo e tinha vida própria

 

Segundo Izabel Maia Gomes, na época da avó, dona Helena Baía, o vilarejo tinha uma faixa de 250 famílias residindo, mais de mil pessoas. “Quando minha avó chegou, em 1934, era um povoado que tinha vida própria: feira, Festa da Padroeira, barracão, comércio, tinha tudo”, observa.

O engenho Anhumas era vivo, mesmo quando não produzia mais açúcar. A turismóloga  conta que, ao término do ciclo do açúcar, os engenhos passaram a fabricar aguardente, continuaram vivendo no campo e fazendo parte do contexto histórico e cultural do desenvolvimento da região.

A aguardente, a popular cachaça, é feita da deterioração da cana e ela conta que o nome foi dado pelos próprios escravos, que quando feridos por conta dos açoites e obrigados a trabalhar, colocavam nos ferimentos a água ardente, ou pinga, como chamavam.

A proprietária conta ainda que o engenho era bem mais antigo do que a época da construção da casa grande.  “A propriedade não é uma grande fazenda, mas quando era do meu avô tinha mais de dez mil hectares, era uma terra extensa; hoje somos pequenos proprietários, desenvolvemos a agricultura familiar e não tem tanta terra como os grandes engenhos”, destaca.

Izabel Maia Gomes ressalta que a culinária oferecida na fazenda é regional e também sobre a civilização do açúcar: “Onde a gente encontra muitas receitas que têm influência portuguesa, com muitas gemas: é uma adaptação; tudo vem da adaptação do senhor de engenho, com o negro e com todas as culturas regionais”, ressalta.

Fazenda oferece turismo cultural e culinária da região

 

Quando Benon Maia Gomes e dona Helena Baía adquiriram a propriedade, na década de 30, o engenho ainda produzia açúcar, mas já estavam nascendo as usinas de açúcar no Brasil. Dentro da pauta de turismo cultural e regional, a fazenda Anhumas oferece conhecimento histórico cultural, um ambiente agradável e bucólico, para quem quer fugir do circuito praia e conhecer mais sobre as origens de Alagoas.

“Não desmerecendo a questão do Quilombo dos Palmares, que é importantíssima para o local, maior resistência negra reconhecida historicamente, mas isso aqui caracteriza a história, está intrínseca na história a questão dos engenhos”, observa.  
Atualmente a Anhumas também produz queijo para venda, além de outras receitas no cardápio regional. A proprietária revela que tem um livro de culinária de mais de 200 anos e que os portugueses usavam muitas gemas nas receitas. “Uma quantidade absurda e uma curiosidade é  que as roupas eram engomadas com as claras dos ovos”.

O primeiro doce feito na região foi o doce de coco, segundo pesquisas de Izabel Maia Gomes.  “Era o melaço e o coco, matéria-prima dos engenhos é um entrosamento, aproveitamento das culturas e do que dá hoje”, destaca.

Isabel Maia Gomes avalia ainda que o turismo cultural é a vivência, é o fazer e o saber: “Eles (os moradores) convivem aqui com a gente normalmente: tiram banana, leite, entre outros produtos. Ao redor da casa tem doze tipos diferentes de frutas”.  Ela destaca que pela questão do acesso e da falta de apoio e da logística, as visitas à fazenda ainda são poucas.

“O turismo cultural é uma coisa viável, principalmente em União dos Palmares, que é riquíssimo, não só pela questão do Zumbi, mas pela civilização do açúcar, Jorge de Lima e outras questões históricas. É um município que tem uma potencialidade enorme de desenvolvimento, onde precisa de alguns estímulos”, ressalta.

Anhumas serviu de cenário para o filme Joana Francesa, de Cacá Diégues

 

Foi na localidade que, no começo da década de 1970, foram feitas as filmagens de Joana Francesa, filme do alagoano Cacá Diégues, com participação da atriz francesa Jeane Morreau,  que envolveu como figurantes vários moradores de União dos Palmares. O filme teve a participação do estilista francês, Pierri Cardin, entre outros personagens.

“A gente não tinha nem energia elétrica ainda; houve uma consulta à minha avó, Helena, para filmarem; pelo local, pela paisagem, pela identificação do filme Joana Francesa de Cacá Diégues. Quem quiser, pode baixar, tem no You Tube. Adoro as trilhas sonoras com Chico Buarque de Holanda e outros nomes”, observa.

Izabel Maia Gomes conta também que foi um burburinho as filmagens de Joana Francesa terem acontecido na Fazenda Anhumas, à época. “O acesso era mais difícil ainda; hoje só tem dois quilômetros de barro; naquela época era tudo. A mobilização foi grande, as pessoas vinham em peregrinação para verem as gravações das cenas”, conta.

Segundo ela, para as filmagens, chegavam helicópteros, o pessoal com os atores e até hoje todo mundo fala. “Os adultos da nossa idade, todo mundo participou do filme”, lembra, acrescentando que esse é um fato muito importante da cultura local.

“Não houve grandes preferências de bilheteria, mas foi um dos filmes que ele (Cacá Diégues) diz que gostou muito de fazer, até porque ele é alagoano. Muita gente participou como figurante, ou não. Tivemos também os baloeiros, que fizeram aqui um especial, passaram uma semana aqui na fazenda, fizeram um clipe da banda Palhaço Paranoide, que é o Garoto Invisível”, pontua.

Além disso, na fazenda ainda tem as ruínas do escritório a olaria demolida. “Futuramente queremos fazer um restaurante aqui: a gente vai puxar; deixar de utilizar o estábulo, mas nas realidade ele ainda funciona: tiramos o leite e fazemos o queijo aqui. Tem o piso original, deixando a arquitetura e a gente fazer em cima de um cardápio da civilização do açúcar, que a gente tem muito material”, explica.

Na época da colonização, o açúcar não era transportado em grãos, era em blocos. “Por isso aqueles blocos de rapadura, eram colocados em forma, desenformados, ou de madeira ou colocavam a folha da bananeira embaixo e em blocos para poder ser transportado nos navios, pois o refinamento era feito na Europa”, ensina.

Izabel avalia que a escravidão é uma parte vergonhosa da história da humanidade, mas observa que a civilização do açúcar impulsionou o desenvolvimento do País e do Estado e faz parte da história. “Fosse pela colonização holandesa ou portuguesa”, pontua.

Superstição

 

Na fazenda Anhumas também tem uma história de superstição. Isabel Maia Gomes comenta que a avó Helena era uma pessoa firma, determinada, que criou os filhos sozinha, pois ficou viúva muito cedo. Ela começou a construir a igreja  do local e quando já estava adiantada a construção, recebeu um aviso de uma moradora de 90 anos, que era sua amiga e era neta de escravos. Por conta disso, ela interrompeu a construção do imóvel.

“Minha avó comprou todo o material para fazer a igreja de São Sebastião, padroeiro do vilarejo: piso, janelas, tudo estava pronto e tínhamos uma senhoria que tinha mais de 90 anos, era muito amiga da minha avó e contava que a avó dela era escrava e muitas histórias que a gente tem, veio dela, dona Eudócia. Um dia ela acordou e disse que sonhou que se ela terminasse de construir a igreja ela ia morrer e ela parou a construção, deu todo o material para a antiga igreja de União e de algumas casas de lá e nenhum filho teve coragem de prosseguir a construção e ficou daquela forma”, destaca.

A fazenda é um patrimônio particular e o objetivo dos atuais proprietários é preservar a história, não deixar demolir mais, não mexer na parte original da casa. “Tem alguns órgãos que  perguntam por que não tomba, mas o tombamento vai restringir a moradia da minha família”, observa.

Izabel Maia Gomes acrescenta ainda que a propriedade tem atualmente nove famílias morando, cada um com uma atividade de cultivo: banana, laranja, leite e tem uma rotatividade grande.
 
“Eles trabalham seis meses, alguns pouco tempo depois, e param; em seguida vêm outros. Como tinha o período dos retirantes do Sertão antigamente, minha avó já preparava o galpão, porque eles vinham da seca atrás de trabalho e guarita, eram trabalhadores periódicos”, explica.

 

Fonte: Primeiro Momento
Escrito: Olivia de Cássia
Fotos: Paulo Tourinho

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