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domingo, 14 de outubro de 2018

“Posso ir ao banheiro?” Dependendo da aula, deve! por Jô Fortarel*




Coordenadora pedagógica define o que é dar uma aula boa aos alunos e cita o exemplo de uma atividade proposta pelo professor de Matemática Fernando Trevisani

A experiência de 40 anos no Magistério me fez montar a seguinte equação: a vontade dos alunos de irem ao banheiro é diretamente proporcional à qualidade da aula. Quando estamos assistindo a um bom filme na televisão e sentimos vontade de ir ao banheiro, ficamos torcendo pela chegada do intervalo para que não percamos nada de interessante. Pois, sentir-nos-íamos lesados se perdêssemos, mesmo que poucos minutos, daquele envolvente enredo.
 
Durante as aulas, esse comportamento se repete. A aula bem planejada, diversificada e criativa prende a atenção do aluno do início ao fim, e não raro ao seu término, ouvimos: “Já?”, “Nossa, como passou rápido!”.

Em contrapartida, uma aula mal preparada, mal calibrada e desinteressante, em poucos minutos, desencadeia uma romaria itinerante ao banheiro, com direito a falas como: “Depois do João e do Pedro, posso ir?”.

Fuga! Melhor passear um pouco pela escola, ver outras pessoas, verificar a temperatura, ou seja, qualquer coisa é melhor do que sucumbir a uma visível e, por vezes, risível, improvisação pedagógica.

Boa aula x aula sofrível

O que determina a distância entre uma boa aula e uma aula sofrível? Genialidade, talento, dom divino? Não. Planejamento, domínio, criatividade e, acima de tudo, vontade. Vontade? Sim, vontade e, ampliando um pouco mais, generosidade.

Ser generoso em nosso tirocínio implica visualizar, em nossa vida diária, a possibilidade de aproveitamento de toda e qualquer cena cotidiana como nutrição para o nosso fazer pedagógico. Desde filmes, teatros e livros até lugares, saberes e sabores que desfrutamos diariamente. A mim me encanta essa fusão “vidaaula” porque sempre encarei a vida como a nossa grande e definitiva escola.

Quantos de vocês, descansando durante um feriado, em uma hostel, veriam ali um grande material para um desafio matemático que, além de surpreender seus alunos os levaria a discutir o conceito de sistemas lineares de maneira prática? Pois é, aprendamos essa experiência com o professor de Matemática Fernando Trevisani:

Ao me deitar, fiquei pensando em quanto o dono do hostel poderia faturar, considerando diferentes cenários de ocupação. Vi que teria de fazer muitos cálculos e fiquei com preguiça, já eram quase 2h da manhã! Percebi que a maneira mais rápida para obter o resultado seria utilizando o conceito de sistemas lineares, conceito ensinado na 2ª série do Ensino Médio. Eis que surge a ideia: por que meus alunos não podem calcular isso pra mim? Levantei da cama, desci as escadas, gravei um vídeo introdutório da atividade com um recepcionista, muito simpático, em que apresentei o hostel e suas principais características e, quando retornei de viagem, elaborei as questões da atividade para ser desenvolvida em grupos.

O vídeo serviu para realizar a introdução da atividade que abordou o lucro máximo que o dono do hostel poderia alcançar dependendo da ocupação dos diferentes tipos de quartos (quatro, seis ou oito camas), a viabilidade da abertura de novos quartos para uso com ocupação mínima e a elaboração, pelos alunos, de cenários de ocupação que poderiam representar problemas para o dono. Foi só ao final da atividade que descobri o valor que o dono daquele hostel poderia ganhar se ele estivesse lotado e pensei: ainda bem que tenho alunos que podem calcular isso para mim!”

Durante toda a atividade, prevista para duas aulas, nenhum aluno pediu para ir ao banheiro e, mais impressionante: não repararam que o intervalo já havia começado há 15 minutos.

Funciona assim.

*Jô Fortarel é coordenadora pedagógica de Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do Colégio Sidarta, em Cotia (SP)

Fonte: Estadão

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