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domingo, 20 de novembro de 2016

Professores exaustos e desiludidos com a profissão

Estudo “As preocupações e motivações dos professores”, da Fundação Manuel Leão, mostra uma classe insatisfeita, desmotivada, descontente com o reconhecimento da sociedade e da tutela. A maioria refere que a educação piorou e que a indisciplina na sala de aula é a principal dificuldade. 
O que preocupa, o que motiva, o que satisfaz e insatisfação os professores? A Fundação Manuel Leão aplicou um questionário fechado com 30 perguntas, entre maio e julho deste ano, e recebeu 2910 respostas válidas de professores do pré-escolar ao Secundário, do ensino regular e profissional. “As preocupações e motivações dos professores” é um estudo, coordenado por Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica, que revela como anda a classe docente do nosso país. Ao todo, 64,5% dos professores confessam ter uma relação positiva com o trabalho, mas há um número significativo, 32,3%, que afirma estar exausto, desiludido, batalhado. As professoras estão mais exaustas e desiludidas (35,9%) do que os professores (25,2%).

São os professores do 1.º, 2.º, 3.º ciclos e do Secundário que apresentam valores percentuais mais elevados, entre 32% e 33%, nas opções exaustos e desiludidos, e os que têm mais de 10 anos de serviço, atingindo os 37,4% no caso dos docentes com 31 a 35 anos de docência. E são os docentes até aos 10 anos de serviço que têm maiores percentagens de respostas dizendo ter uma relação positiva com o trabalho docente. Um em cada três inquiridos diz estar habitualmente animado na escola e a maioria, ou seja 54,5%, esforça-se para estar animado apesar dos problemas, 4,9% revelam estar desanimados, 4,3% assumem estar cansados com tantos problemas, e 0,9% estão infelizes. Os docentes do ensino particular têm uma relação mais positiva com o trabalho docente, quase 15 pontos percentuais acima dos professores do ensino público.

Quando a pergunta gira em torno da motivação para trabalhar, 68,3% dizem que sim, que se sentem motivados - 41,6% dos quais concordam totalmente ou bastante. Os professores do particular estão mais motivados, 82,1%, do que os colegas do público, 64,7%. E estão mais ou menos satisfeitos do que quando começaram a sua vida profissional? A maioria, 68,1%, está menos satisfeita, 41% dos quais estão mesmo muito insatisfeitos. A insatisfação é ligeiramente maior entre as professoras. E 4,7% estão muito mais satisfeitos, 10,9% mais satisfeitos e 16,1% igualmente satisfeitos. São os docentes do particular que estão muito menos insatisfeitos, com 43,1%, do que os seus colegas do público, 74,6%. “De realçar os 29% de professores do ensino particular que dizem mesmo estar mais ou muito mais satisfeitos do que no início da sua vida profissional, face aos 12,1% dos docentes do ensino público”, lê-se no estudo.

Mais trabalho, menos reconhecimento
A opinião é praticamente unânime quanto ao aumento do volume de trabalho: 98,8% dos professores dizem que agora têm mais trabalho nas mãos. No estudo, 58,4% dos inquiridos dizem que aumentou muito e 36,9% respondem que aumentou. As tarefas burocráticas e administrativas também aumentaram nos últimos anos, com 98,2% dos docentes a destacarem esse aspecto. Mais de 75% dos professores com mais de 20 anos de serviço dizem que essas tarefas aumentaram muito, os docentes com menos de 10 anos de docência, embora reconheçam esse aumento, graduam-no de “forma menos severa”.

O trabalho aumenta e o reconhecimento diminui: 84,4% dos professores indicam que a sociedade não valoriza a sua atividade. E 85% dos professores inquiridos garantem que o Ministério da Educação não valoriza o seu trabalho. E os alunos? Aqui as opiniões dividem-se: 51,3% dos professores concordam que os alunos valorizam o seu trabalho, 48,4% dizem que não. E 58,8% consideram que os pais não valorizam o seu trabalho.

É o reconhecimento de ser bom professor que maior satisfação dá a quem ensina: 37,1% destacam este ponto e 36,4% a valorização do seu trabalho. No tempo de serviço, são os professores com menos de 20 anos de trabalho que escolhem mais a valorização, e com mais de 20 anos de serviço a escolha recai em serem reconhecidos como bons professores. O que causa mais insatisfação é precisamente a falta de reconhecimento profissional, com 57%, seguida dos conflitos habituais, com 27,8%. E as melhorias do seu trabalho, a que se devem? Maioritariamente, respondem que é ao próprio esforço, com 73,7% e com 13,4% surge a ajuda dos colegas da escola.

O prestígio da classe docente diminuiu devido à informação veiculada pela comunicação social e aumentou o controlo sobre o trabalho dos professores, bem como a exigência de prestação pública de contas. É o que pensa a maioria dos docentes inquiridos 80,2% afirmam que a autonomia e poder de decisão diminuíram. O que também diminuiu foi o tempo, bem como as condições para os professores refletirem sobre as suas práticas.

Indisciplina e falta de respeito
Quais as maiores dificuldades para os professores? A indisciplina na sala de aula é o principal problema, reúne 51,6% das respostas. A extensão dos programas curriculares aparece a seguir com 30,3%, a mudança das metas curriculares com 9,3%, e o trabalho com os colegas com 4,5%. A indisciplina é escolhida por todos, maioritariamente pelos professores do ensino profissional e das escolas profissionais, com exceção dos professores do 1.º ciclo. A maior dificuldade sentida na atividade docente prende-se com prestar atenção ao desenvolvimento afetivo e social dos alunos, com 30,3% das respostas, seguindo-se os problemas levantados pelas avaliações do desempenho docente, com 24,4% e da avaliação dos alunos, com 19,1%.

A falta de respeito é o que mais insatisfação causa aos professores na sua relação com os alunos: 58,9% colocam-na em primeiro lugar. Não conseguir motivar os alunos causa insatisfação a 25,5% dos inquiridos, e 7,1% apontam a falta de reconhecimento profissional por parte dos alunos. Na relação com os pais dos alunos, os professores ficam principalmente satisfeitos com a manutenção de relações positivas, com 47% das respostas. A confiança surge em segundo lugar com 31,8%, e o respeito em terceiro com 12,4%. Os professores do ensino particular valorizam mais que os pais confiem neles (42,4%), claramente acima dos 29% dos docentes do ensino público, que preferem, em maior percentagem (13,8%), que os pais dos alunos os respeitem, quando só 7,3% dos docentes do particular referem essa opção. E o que causa maior insatisfação é que os pais dos alunos não se preocupem com a educação dos seus filhos, com quase três em cada quatro professores a elegerem esta opção, e a grande distância em relação à falta de respeito e à resposta “que pensem que sabem tudo sobre o ensino”, com 9,3%.

E como evoluiu a educação nas últimas décadas? 64% respondem que piorou, entre os quais 17,5% dizem que piorou muito e 39,5% que piorou. Só 1,1% respondem que melhorou muito e 11,8% que melhorou. São sobretudo os docentes do 3.º ciclo e do Secundário, do ensino público, que consideram que a educação piorou. E como encaram as mudanças que se vão anunciando? No geral, 51,8% encaram-nas com uma atitude positiva ou expectante e 47,6% demonstram uma atitude crítica ou descrente de que nada vai mudar. O estudo realça, a propósito, que os professores com mais de 35 anos de serviço são os que dizem, em maior percentagem, que nada vai mudar e que se colocam na posição de ver para crer. E 40% dos docentes com menos de três anos de serviço olham para as reformas como uma possibilidade interessante.

Qual o impacto das reformas na qualidade da educação? Os docentes dividem-se nas respostas: 59,1% referem que tiveram algum ou pequeno impacto e 27,1% que tiveram um pequeno ou nenhum impacto. São os educadores de infância e os professores do 1.º ciclo que consideram, em maior percentagem, que as mudanças tiveram algum ou maior impacto.

Alunos mais desmotivados
Comparativamente há uma década, os professores referem que os alunos de hoje estão mais desmotivados. Mais de metade, 59,8%, referem que assim é, 22,2% consideram que não são nem melhores nem piores. Há ainda 13,2% que admitem que os atuais estudantes têm mais conhecimentos. E quais os principais problemas dos alunos de hoje? Em primeiro lugar, com 37,4%, surge a desmotivação para o estudo, seguindo-se a falta de apoio da família com 28,2%, e a desorientação, com 10,7%. E enquanto a percentagem da falta de apoio da família vai diminuindo conforme o nível de ensino é mais elevado, aumenta a percentagem de respostas para a desmotivação para os estudos.

O que é mais importante para o sucesso dos alunos? Neste ponto, destacam-se o trabalho dos professores na sala de aula, com 42,7%, e a colaboração e o apoio das famílias com 36,2%. O funcionamento da escola, a personalidade do professor, os recursos e os exames não são tão valorizados. Para o ensino melhorar, 44,7% dos professores inquiridos dão importância ao trabalho em equipa.

Paixão, arte, sacerdócio
O que é ensinar? Para 24,9%, é uma arte, 22,9% uma profissão, 20,3% uma atividade criativa e 7,6% um sacerdócio. A maioria olha para a profissão como tendo uma forte componente de missão e de atividade criativa. Arte, sacerdócio e atividade criativa somam 52,8% das respostas, enquanto 46,8% veem a docência de forma pragmática e técnica, como um trabalho, profissão ou atividade científica e técnica. E são os professores do ensino particular que mais destacam essa componente e de missão e de atividade criativa do que os docentes do público, numa percentagem de 58,3% para os primeiros e 41,4% para os segundos.

Há termos associados ao trabalho de ensinar. Paixão surge à cabeça, com 43,4% das respostas, seguindo-se esperança, com 20,8%, afeto, com 18,7%, cansaço, com 8,3%, frustração com 6,5%, e rotina com 2,1%. A maioria dos professores tem uma imagem positiva da profissão, mas, ainda assim, 14,8% referem estar cansados ou frustrados. Por gênero, são as professoras que encaram o ato de ensinar com mais afeto e menos paixão dos que os professores. E são as professoras que o consideram mais cansativo. Os educadores de infância e os professores do 1.º ciclo e das escolas profissionais mostram uma atitude mais positiva face ao trabalho de ensinar, em contraponto com os docentes do 2.º e 3.º ciclos e Secundário que escolhem, em maior percentagem, os termos menos positivos como cansaço, frustração ou rotina. Os docentes do ensino particular têm uma atitude mais positiva, com 91,1%, contra os 80,8% dos seus colegas do ensino público.

Porque é professor? Mais de metade, 58,3%, responde que é por gosto de ensinar, 25,3% porque permite aprender toda a vida, 7,3% para ganhar a vida. Mais de 90%, ou seja, 91,9%, apontam razões vocacionais para ser professor, só 7,7% por razões instrumentais, para ganhar dinheiro, para ter mais tempo livre ou por ser a profissão dos pais ou de um dos pais. Há mais uma pergunta. O que gostaria de fazer nos próximos cinco anos? Três em cada quatro professores garantem querer continuar a ensinar, embora só 63,4% indiquem que é porque gostam. E 13,5% querem aposentar-se antecipadamente, 8,9% revelam que gostavam de mudar de atividade e 8,1% admitem que não têm outra alternativa a não ser continuar a dar aulas.

O estudo realça, neste ponto, que “cerca de 25% dos docentes dizem desejar não continuar a ter atividade docente, com 13,5% a desejarem mesmo a aposentação antecipada. Verifica-se que um terço dos docentes gostaria de deixar de lecionar”. E verifica-se que são os professores do particular que mais querem continuar na docência, com mais 15 pontos percentuais do que os seus colegas do público, de 86,2% para 71,9%. A maior virtude para os docentes é, sustentam, “preocuparem-se com todos os seus alunos” e “ter boas relações” com quem ensinam. Cerca de 11% dos inquiridos dizem usar metodologias variadas no processo de ensino e só 8,5% reconhecem que a sua maior virtude é gerir bem as aulas.

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